É verdade que acontece um pouco
por todo o País, mas no Algarve, para quem nele mergulha, está mais à evidência: a
proletarização dos grupos profissionais das mais variadas espécies, dos
professores aos médicos, dos funcionários autárquicos aos desenhadores, dos pasteleiros
aos empregados bancários, dos pintores de portas aos juízes, dos que estão no
quadro, em qualquer quadro, aos que estão em comissão de serviço ou a termo
certo. Mesmo os que, frente ao espelho, garantem a si próprios que não são
proletários, padecem disso. Vendem a sua força de trabalho, fazem apenas o que
lhes compete, nada mais. Cumprem as obrigações para se manterem na função,
aguardam o último minuto do horário obrigatório e depois, depois adeus sociedade,
depressa para a casinha, quem pode para as lojas do centro, quem tem para uma
passeata, quem deve para uma jantarada sem fim, e quem não pode, não tem e quem
não deve enrola-se no sofá depois do cão e do gato, entra pela televisão
adentro e adeus mundo, adeus sociedade.
Não é admirar assim que salas de
conferências de meter inveja a Lisboa, Porto e Coimbra fiquem às moscas. Sendo,
por exemplo, um assunto de história e, por hipótese, nas cercanias haja 78
professores de história de miúdos e meio-graúdos além dos universitários,
aparecem dois ou três. E sendo o assunto de justiça, quais juízes, quais
advogados, quais solicitadores e notários – aparecem três. Se é poesia, o
número de assistentes depende da rede de amigos do poeta. É um pensador de nomeada
que se anuncia que vem falar? Para que é isso, o que adiante? – perguntam os
proletários. É um economista que se propõe falar sobre o presente e o futuro do
País ou da região? Paleio de feira – respondem os mesmos proletários que na
escola, na câmara, no serviço estatal ou no cantinho da empresa já cumpriram o
horário, fizeram o obrigatório, o mínimo para garantirem um final de mês igual
ao anterior e se possível um próximo mês melhor na sequência da avaliação de
quem vende força de trabalho e a isto resume a vida, desde que haja sol em
agosto, aquecimento em dezembro, horas extraordinárias remuneradas para estar
presente seja onde for ou pelo menos a garantia de ser visto pelo senhor presidente,
pelo senhor diretor, pela senhora figura.
Claro que há exceções mas as exceções não dão
para garantir vida cultural, vida social, vida universitária, debate de ideias,
primado do espírito, sociedade adulta e evoluída, senda de progresso coletivo,
civilidade e civismo, tudo o que, afinal, um proletário mais detesta porque
nada disso é pago, e, para além do mais, se o proletário é de um certo grau,
ele tem uma vida intensa. Intensa em relatórios mesmo que dos relatórios nada
resulte, intensa em ações de formação ainda que a mais parte dessas ações seja
de deformação, intensa em ações de representação com as quais os novos
proletários animam o nosso imenso turismo municipal que é primo-irmão do
turismo político, enfim, aquele turismo à custa dos contribuintes para uns
efeitos sem causa e à custa dos eleitores para umas causas sem efeito.
Enquanto assim for e enquanto o
Algarve, nesta matéria, for pior que o resto do País, as salas não se enchem.
Os novos proletários, por regra, evitam juntar-se a outros proletários.
Carlos Albino
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Flagrante silêncio: Curiosamente, depois do barulho que foi sinal de entusiasmo com as tais primárias, agora que se aproxima a hora das listas para deputados, a ideia das primárias foi engolida pelo mar...
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