6 novembro 2014
Salta para o papel o que até
agora tem jazido na rede social que não tem nem pode ter chão, e embora mais
valha jazer numa rede social do que numa rede anti-social, dar chão às palavras
como só o papel pode dar, é torná-las habitantes da nossa própria casa.
Portanto, aqui ficam em papel:
Se o Facebook é um mural de emoções, de desabafos, de ordens para
salvar o mundo ou de receitas para o afundar mais depressa, enfim, mural de
tudo o que venha à cabeça ou fique atravessado no coração, não resisto a dar
conta de pequena emoção.
Estava para entrar em casa, chave na fechadura, 23:02, ouvi música na
proximidade, daquela música que apenas podia ser ao vivo e não ao morto.
Retirei a chave, e a primeira emoção foi a de ir atrás do som. Atrás, ou
atraído. Atravessei a rua, entrei por pequena travessa, oito passos e virei
para pequena rua esconsa, um portão aberto, a música vinha dali. Espreitei,
entrei, encostei-me à parede de fundo forrada de cortiça tal como as outras
paredes, um salão térreo apinhado de músicos. A batuta do maestro verberava
como asas de libelinha acima das cabeças de rapazes, homens velhos, mulheres de
meia-idade e raparigas de perfil, um quadro que dava para retrato do Louvre,
seriam uns 60 ou mais.
A música tocava, mas de repente deixei de a ouvir porque os olhos
suplantaram os ouvidos como naqueles momentos em que as coisas nos parecem
irreais ou quando muito inverosímeis como perante um fresco de Miguel Ângelo,
em que o humano se torna divino e com o divino se confunde.
E estava eu convencido de que estava perante uma obra-prima da Renascença,
quando o maestro, lá ao fundo, me cumprimenta com um sinal de batuta, como se
eu fosse mais um músico. Se tivesse um instrumento, tocaria, tocaria qualquer
coisa, nem que fosse um sopro que provocasse o som de um Obrigado. Mas foi
nesse momento também que senti que estava a violar um espaço sagrado. Fiz uma
vénia ao maestro, abandonei o local com uma emoção esmagadora, e até meter
novamente a chave na fechadura, fui dizendo para mim: Obrigado, Artistas de
Minerva, obrigado banda magnífica que Loulé tem, obrigado músicos de várias
gerações e géneros, obrigado, vocês não são eleitos mas são de eleição,
obrigado pérolas da noite.
Carlos Albino
Carlos Albino
_______________
Flagrante evidência: Nenhuma terra se pode proclamar capital de qualquer coisa, se não capitalizar seja o que for. É óbvio.
Sem comentários:
Enviar um comentário