Magnífica obra de betão junto da Muralha remanescente da Torre da Corredoura do Castelo de Loulé (Monumento Nacional) |
Não é agora que vou diretamente a um exemplo concreto que me força a adaptar o tal verso do Fernando Pessoa para o que não é verso mas controverso: “A autarquia faz ronha, o homem requer, o monstro nasce”. Isto, a propósito de património, designadamente património classificado de monumento nacional ou de interesse público. E não é agora, porque ainda espero que a autarquia e a tutela tenham o bom senso e o bom gosto de tratar da ferida. Da ferida, não; do monstro.
Patrimónios
em geral, por ora, e do edificado.
Como se sabe, o Algarve não é possuidor do chamado património gigantesco,
esmagador aos olhos, a tocar nas nuvens. É quase tudo rasteiro, discreto, mas
muita pérola. Ou seja, o património algarvio é como a gente olhar para um ser
humano de corpo normal, de beleza absolutamente normal e que passa
desapercebido, só que com um anelinho nada normal no dedo e é esse anelinho que
luz como património. Há muito e bom anelinho por aí, dos tempos mais antigos da
ocupação humana do território aos tempos mais recentes. E estamos tão
habituados aos anelinhos que quase sempre não damos por eles,
desvalorizamo-los, achamos até estranho que alguém fale do seu valor. Os que
vêm de fora, sim.
Passam anos
e anos, e projetos de valorização dos
nossos anéis, não passam de boas intenções. Deixamos até, com a maior das
indiferenças, que sejam vandalizados e roubados. O que é feito não passa de
caidela e por vezes o que é feito é mal feito. E o que é bem feito, que também
há bastante, passado o período de propaganda que normalmente não incide no
património mas na figura promotora que da propaganda parece que precisa mais
que o próprio património, isso volta a cair no esquecimento. O somatório deste
património enterrado ou mesmo cremado e posto à margem, dá assim a ideia de que
o Algarve “não tem nada” ou mais nada a não ser praias por dois meses, sol na
faixa costeira e uns copos nas lojas dos indígenas, já que muita gente entra e
sai do Algarve julgando que o Barrocal e a Serra são áreas de noites eternas que
não dão para ver nada, além de que até as próprias cidades costeiras têm o seu
património fechado ou a funcionar “nas horas de expediente” do funcionalismo
público…
Não admira
assim que o autarca anterior ao autarca atual tenha feito ronha, que o homem beneficie do requerimento despachado de
ânimo leve e que o monstro nasça. Mesmo que nasça encostado a monumentos
nacionais, a património de interesse público e zonas remanescentes protegidas
ou que deveriam estar protegidas, até porque, lá longe, gente fechada em
gabinetes que só vê a coisa por mapas e fotografias decide ou homologa de tal
forma que em matéria patrimonial, no Algarve, vão-se os anéis e ficam os dedos.
E depois
ficamos a olhar uns para os outros,
ninguém tendo culpa nisto, uns por absoluta impreparação e falta de preparação
para os cargos que ocupam, outros por falta da competência legal que deveriam
ter, por falta de autoridade para intervir e porque estão reduzidos a meros
“correios” para os gabinetes de Lisboa onde o Algarve não conta, ou conta cada
vez menos de há uns anos a esta parte. Por isto mesmo, a gente erudita que há
no Algarve e muita, sofre; gente culta que há no Algarve e muita, sofre. Sem
sofrer ficam os que fazem ronha, requerem, e felizes estão com os monstros
nascidos.
Carlos Albino
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Flagrante dieta mediterrânica: O populismo começa, por regra, por engolir-se um garfo. E acaba com o rei na barriga. Mas, independentemente do que, por esta dieta, é engolido, o curioso é que todos os candidatos são anti-populistas até chegarem ao poder.
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