quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

SMS 595. Que palavra difícil: destribalização

25 dezembro 2014

É costume, na semana de Natal, falar-se de amor quando o que mais há é falta de amor, de cordialidade quando o que mais há é falta de coração, de reconciliação quando o que mais há são sacanices, de paz quando o que mais há são guerrinhas, de concórdia quando o que mais há são estratégias para trepar e táticas para tramar alguém quando há apenas um lugar para dois aspirantes. Quem não seja hipócrita sabe que é assim e que o parênteses de Natal é uma ilusão por mais bonitas que sejam as palavras trocadas. Bem gostaríamos que o ambiente de amor, coração, sem manhosices e de vida contributiva para uma sociedade proba, não fosse uma fantasia para o reduto dos que acreditam e tudo fazem para que o mundo à volta possa ser pautado mais pelo bem comum do que pelos interesses individuais que, por sorte ou com expedientes sabidos, se tornam dominantes e alguns até a espezinhar quem é dado como vivendo noutro mundo.

Mas há uma palavra que pode acompanhar muito bem esta oportunidade do calendário para votos ou desejos no Algarve e que foge à tentação do moralismo. Para uns quantos, é uma palavra difícil: destribalização.

Sim, destribalização. Sem nos darmos bem conta disso, a sociedade algarvia e as sociedades à dimensão de cada cidade, vila e povoação, tribalizaram-se. São as tribos partidárias que cortam em absoluto com tudo o que diga respeito à outra tribo; são as tribos culturais que não reconhecem cultura nas tribos diferentes; são as tribos de professores, de médicos, de engenheiros, de juízes e advogados, tribos de funcionários autárquicos, tribos que se fecham e apenas se incomodam ou se inquietam quando o chefe da tribo muda. E, além das tribos adventícias que são as tribos do dinheirinho, há ainda as tribos, mais numerosas, para as quais a sociedade começa no sofá e acaba dormindo coçando o cão em frente da televisão que é a feiticeira desta gente tribal. Não matam, não roubam, não insultam ninguém, mas, sem que na generalidade o saibam, são tribos fazendo das ruas um sertão e dos centros comerciais a sua própria casa.

Nestes termos, a identidade do Algarve é apenas a identidade de cada tribo, sendo lícito então formular sinceros votos de que o Algarve se destribalize. Tem tribos a mais, e, com tanta tribo, não só recua na história como a estraga, a inutiliza e a mancha.

Carlos Albino
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Flagrante recorde: O das dormidas, em 2014. Nota-se pela quantidade de gente com sacos de plástico à saída dos supermercados. 

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