É costume, na semana de Natal, falar-se de amor quando o
que mais há é falta de amor, de cordialidade quando o que mais há é falta de
coração, de reconciliação quando o que mais há são sacanices, de paz quando o
que mais há são guerrinhas, de concórdia quando o que mais há são estratégias
para trepar e táticas para tramar alguém quando há apenas um lugar para dois
aspirantes. Quem não seja hipócrita sabe que é assim e que o parênteses de
Natal é uma ilusão por mais bonitas que sejam as palavras trocadas. Bem
gostaríamos que o ambiente de amor, coração, sem manhosices e de vida
contributiva para uma sociedade proba, não fosse uma fantasia para o reduto dos
que acreditam e tudo fazem para que o mundo à volta possa ser pautado mais pelo
bem comum do que pelos interesses individuais que, por sorte ou com expedientes
sabidos, se tornam dominantes e alguns até a espezinhar quem é dado como vivendo
noutro mundo.
Mas há uma palavra que pode acompanhar muito bem esta oportunidade
do calendário para votos ou desejos no Algarve e que foge à tentação do
moralismo. Para uns quantos, é uma palavra difícil: destribalização.
Sim, destribalização. Sem nos darmos bem conta
disso, a sociedade algarvia e as sociedades à dimensão de cada cidade, vila e
povoação, tribalizaram-se. São as tribos partidárias que cortam em absoluto com
tudo o que diga respeito à outra tribo; são as tribos culturais que não
reconhecem cultura nas tribos diferentes; são as tribos de professores, de
médicos, de engenheiros, de juízes e advogados, tribos de funcionários
autárquicos, tribos que se fecham e apenas se incomodam ou se inquietam quando
o chefe da tribo muda. E, além das tribos adventícias que são as tribos do
dinheirinho, há ainda as tribos, mais numerosas, para as quais a sociedade
começa no sofá e acaba dormindo coçando o cão em frente da televisão que é a
feiticeira desta gente tribal. Não matam, não roubam, não insultam ninguém, mas,
sem que na generalidade o saibam, são tribos fazendo das ruas um sertão e dos
centros comerciais a sua própria casa.
Nestes termos, a identidade do Algarve é apenas a
identidade de cada tribo, sendo lícito então formular sinceros votos de que o
Algarve se destribalize. Tem tribos a mais, e, com tanta tribo, não só recua na
história como a estraga, a inutiliza e a mancha.
Carlos Albino
_______________
Flagrante recorde: O das dormidas, em 2014. Nota-se pela quantidade de gente com sacos de plástico à saída dos supermercados.
Sem comentários:
Enviar um comentário