A situação foi-me descrita, já lá vão uns bons anos,
por quem ouviu relato direto. Volta e meia contei o caso em alguns sítios e em
certa ocasião, também já lá vai tempo, tive a sensação de que uma quadra que
Aleixo de repente atirou a quem ele julgou que a merecia, estava desatualizada,
completamente fora do contexto e que pertencia à pré-história de um país cuja
mentalidade era suposto que tivesse sido reformada. Esta semana, nem sei
porquê, a quadra de Aleixo subiu à memória e, para espanto meu, está atualizada
em função do que ouço, do que vejo e, mais importante, do que sinto – aquilo
que por vezes a gente ouve e vê trai ou atraiçoa o que sente. Ora, verifico que
essa quadra do genial Aleixo não trai nem atraiçoa. Vamos ao caso.
Estava Aleixo a trabalhar nos jardins da Quinta do Alto,
quando a viúva de Júdice Fialho recebeu no palácio farense o poeta António Botto.
No meio de um almoço, a viúva anfitriã comentou para Botto que “temos aí um
homenzinho simples a trabalhar no jardim que dizem ser poeta”. Boto não hesitou
em solicitar a presença do homenzinho. A viúva, no receio do homenzinho sujar o
salão e estragar a solenidade do repasto, resistiu mas Botto levou a melhor e o
homenzinho foi chamado. Aleixo entrou com o chapéu na mão, olhou, olhou, nada
disse. A viúva repreendeu-o: “Então, Aleixo, não dizes nada? Diz uma dessas
tuas quadras para este senhor ouvir”. E Aleixo, nada. “Fala! Não sejas
malcriado!”. Aleixo, nada, e cada silêncio com o olhar a fixar os nutridos pratos
mais enfurecia a viúva Fialho já disposta a expulsar o homenzinho do salão. Então
Botto decidiu atalhar observando que Aleixo talvez se sentisse envergonhado e
daí o seu silêncio. “Aleixo, fala!”, voltou a vúva à carga. Para evitar o
desfecho previsível da cena, Botto dirigiu-se a Aleixo nestes termos: “Caro
colega. Peço-lhe que me diga uns versos seus que é a melhor forma de nos
conhecermos”. Parce que estas palavras convenceram Aleixo que levantou o rosto,
fixou os olhos da viúva e disse num daqueles seus repentes:
“Anda toda esta canalha,
De banquete em banquete,
Enquanto o Povo que trabalha
Come o caldo sem azête.”
Sei que, dito isto por Aleixo, Botto fez questão de passear
com ele pelos jardins, com a viúva a observá-los pelos vidros da janela. Creio
que. além da quadra, a figura da viúva está atual. Anda por aí.
Carlos Albino
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Flagrante comparação: Quem viveu a situação garante – uma intervenção cirúrgica num olho custou dois mil euros (2.000 €) no Algarve, e intervenção do mesmo tipo no outro olho, duas semanas depois, custou cinquenta euros (50 €) na Alemanha… Estão a ver os palácios que se constroem por aí, não estão? Há mais.
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