quinta-feira, 27 de agosto de 2015

SMS 629. Influência em Lisboa

27 agosto 2015

Em 1957, no seu primeiro número, o Jornal do Algarve arrancava com este título à cabeça da primeira página: “A influência da Província em Lisboa”, para deixar claro há 58 anos que “mais de setenta por cento dos habitantes de Lisboa são naturais de terras de província”, além de que provincianos eram os comandos políticos de então, das secções, divisões e departamentos de ministérios à chefia do governo. Nesses tempos, sem o escrutínio parlamentar que hoje está disponível e sem a liberdade de expressão e opinião que hoje pelo menos em teoria é regra, os “provincianos” influenciavam a bem dos seus interesses e das suas terras ou regiões de origem, o mais possível e por todos os meios, designadamente os ilegítimos e até os perversos. Era a estrada, era o edifício, era a escola, era a facilidade para fábrica, fosse o que fosse, cada provinciano puxava para si e para a sua terra o mais possível, e tanto mais possível quanto maior era a simpatia captada ou raptada do ditador.

Pensou muita gente que, com a democracia, com o livre escrutínio dos atos e decisões públicas, e sobretudo com o sistema de eleição dos representantes, a defesa da província não ficaria entregue ao arbítrio dos provincianos instalados em Lisboa, ou ao dos seus cônsules destacados para, supostamente, imporem a ordem, a competência, a civilidade e a civilização nesses territórios bárbaros. Ou seja, que a província seria gerida pelos próprios provincianos competentes, civilizados e ordenados; que a luta perversa e clandestina entre os lóbis provincianos de há meio-século seria substituída pela representação parlamentar em coerência com a definição dos círculos eleitorais; e que os benefícios para as províncias não dependeriam em nada das influências em Lisboa, mas sim da forma e dos procedimentos responsáveis das províncias como províncias e não como bantustões. Vê-se que assim não aconteceu.

Eram províncias, mas injetou-se o conceito de regiões e, hoje, não se sabe onde há região na província e onde há província na região, até porque o conceito de região, no ponto de vista de política administrativa, foi chumbado em referendo perverso. Além disso, o municipalismo foi estimulado, até por via legislativa, para entrar pelos caminhos do localismo exacerbado e de autonomia em muitos casos irreal, enquanto que a organismos governamentais e a quase tudo que não seja mais que secções de expediente do poder central se dá a designação “da região”. Para mais, os tais representantes de círculo, ou são já de si filtrações dos aparelhos partidários ou, pior ainda, apuramento de pára-quedistas de conveniência da política partidária – os primeiros, de longe, ainda terão alguma coisa a ver com a “região”, os segundos, esses é que nada têm a ver com a província. E voltamos paradoxalmente à pecha de há 58 anos – quem manda na província é um cônsul de Lisboa (modo de dizer) e quem representa a região em Lisboa é mais patrício do aparelho que da província.

Vendo bem o mapa, mapa político, claro, o Algarve é o que sai e está mais prejudicado. Primeiro, porque é a província mais miscigenada do País, perdendo a memória de si própria; segundo, é a região mais tolerante, aberta e também permissiva à entrada de cavalos de tróia; terceiro, é uma não-região e cada vez menos província que, defraudada com as impotências dos D. Sebastiões, e à falta de verdadeira dinastia eleitoral e sufragada, rende-se facilmente perante qualquer Filipe tratando-o por Algarvio. Ah! Sim! Também há umas duquesas de Mântua, tratadas por Algarvias.

Carlos Albino
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Flagrantes felicitações: A III Feira da Dieta Mediterrânica, em Tavira (4, 5 e 6 de setembro), parece que promete. Poderia e deveria comprometer institucionalmente os 16 concelhos do Algarve, tal como, também instiotucionalmente, os restantes seis Estados parceiros (além de Portugal que foi o último, como sempre, Chipre, Croácia, Espanha, Grécia, Itália e Marrocos). Além disso, mais uma vez o Cante Alentejano, aí, é como beber leite com sardinha assada. Todavia, felicitações. Mas programar-se em Faro (4 e 5) outro festival a coincidir com o de Tavira, é um disparate e uma falta de “coordenação regional”. É uma descoordenação provinciana. Se fosse em Paderne, ainda se desculparia.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

SMS 628. Os sites do poder local

20 agosto 2015

No Algarve, todos os municípios têm os seus sites e assim acontece com a maior parte das autarquias inferiores a concelho. Percorrendo tais sites, verifica-se que, na generalidade, os sites dos municípios são praticamente sites “das câmaras” e que os sites das freguesias não passam de sites das juntas. O curioso é que, também na generalidade, os presidentes de câmaras e de juntas, nas suas solenes mensagens muito ao estilo de sermão redigido para o Cachopo mas pregado na Sé de Faro, justificam os sites porque estamos na era da informação, dos novos meios tecnológicos, e, claro, na era da “aproximação dos políticos” aos cidadãos, como se os políticos não fossem cidadãos que devem antes de tudo aproximar-se de si próprios, e os cidadãos não fossem políticos mesmo que percam a consciência de cidadãos. Mas, enfim, este é apenas um pormenor de personalidade e de carácter de uns e doutros, muito embora a coisa comece cá em baixo e acabe lá em cima, como nas árvores dos frutos secos.

O que está em causa? Apenas isto: quer municípios quer autarquias inferiores a concelhos têm dois órgãos – à cabeça, as assembleias que são os órgãos deliberativos e fiscalizadores, e depois (só depois, protocolar e politicamente) as câmaras e juntas que são os órgãos executivos. Nos sites, a coisa parece ser inversa: as assembleias, na maior parte dos mostruários, surgem como que um departamento da câmara, uma espécie de gabinete de apoio do executivo, algo como que uma divisão da mesma categoria da do saneamento básico, ou até mesmo como que uma secção que foi outrora empresa municipal mas já extinta. A começar pelo nome, de modo geral os sites apresentam-se como sendo desta ou daquela câmara, desta ou daquela junta, e não do Município X ou da Freguesia Y.

Qual informação e quais recursos tecnológicos? As convocatórias das assembleias estão nos confins, além dos papéis colados “nos lugares do costume” mas que ninguém lê porque as aldeias deixaram de ser aldeias e não se resumem ao largo do fim de missa, e porque nos municípios, o placar municipal é uma bolha no meio dos placares das agências funerárias, anúncios dos touros de Albufeira, e papelada da histeria de eventos dos quais, eventualmente, apenas um será acontecimento.

Na prática, que é o que interessa pelos efeitos que provoca na “ideia geral”, retirou-se a dignidade de órgão autárquico N.º 1, deliberativo e fiscalizador, como é a Assembleia seja de município ou de freguesia, apresentando-o como mero apêndice da câmara ou junta… E, embora não haja tal intenção, apresenta-se a câmara ou a junta, órgãos executivos que executam depois da deliberação e que podem deixar de executar se a fiscalização da assembleia rumar para esse cenário, como se a câmara ou a junta não fossem de uma autarquia mas sim de uma autocracia.

Não se venha com esse argumento de que “a coisa foi encomendada a uma competente empresa de comunicação”, como se fosse legítima tal delegação de competências para o analfabetismo organizado, e como se isto de sites autárquicos fosse… mais um evento.

Carlos Albino
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Flagrante artimanha: Estas inaugurações de estradas, de escolas e de obras acabadas à pressa depois de paradas há um ror de tempo, assim a mês e picos das eleições, é um excelente elemento para avaliação do quociente político de quem inaugura e justifica a inauguração. Nem há consciência de que uma artimanha nunca se inaugura…

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

SMS 627. Petróleo de quem e para quê?

13 agosto 2015

Há duas petições relativas a essa questão do petróleo, questão no mínimo esquisita e estranhamente silenciada, envolvendo interesses de larga escala, ou não se trate de petróleo e gás natural. As petições são dirigidas à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, não sei o que darão e duvido que dêem. Mas como isto ainda não é a Guiné Equatorial, embora já pareça, impõe-se que, lendo os textos das petições, nos interroguemos, e para as perguntas não ficarem no ar, haja respostas.

1 - A prospecção e pesquisa tem sido realizada sem qualquer tipo de avaliação ambiental, que seja do conhecimento público, e todo o processo tem sido conduzido de forma que não se afigura transparente? É verdade. Não há avaliação ambiental que se conheça nem o processo tem sido transparente. Como se Faro fosse Conakri.

2 – É de ver com muita apreensão o futuro do Algarve tendo em conta os possíveis impactos que uma medida destas pode ter numa região com uma elevada dependência do turismo e do mar, com uma elevadíssima biodiversidade, sendo mais de 35% do seu território protegido por convenções e legislação da União Europeia e de Portugal? Com muita apreensão mesmo. Mesmo que o futuro da região esteja entregue a um Obiang de trazer por casa.

3 – Haverá impactos nocivos resultantes de um aumento da intensidade e frequência da actividade sísmica numa região onde não se pode ignorar o elevado risco sísmico e a possibilidade de ser atingida por um tsunami? É muito possível que no Algarve já se estude menos história que na Guiné Equatorial, mas as tragédias sísmicas do passado na Região são advertências de um Deus que não é espanhol.

4 - E um possível acidente tanto na fase de prospecção, como na fase de exploração ou no transporte de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), não originará graves problemas ambientais e sociais, com as perdas de recursos que um derrame acidental de petróleo e/ou gás traria para as actividades dependentes do mar? Um simples barco partido no mar da Galiza ensina isso…

5 – Os projetos de prospeção e exploração de petróleo e gás natural não correspondem já a um modelo energético ultrapassado, que agrava as alterações climáticas e enfrenta cada vez mais soluções alternativas? Claro que sim, por isso a OPEP ficou reduzida a um barril que não vale um xisto dos EUA. A Venezuela e Angola que digam se a pirataria aproveita a alguém.

6 – Este projeto, além de nada transparente e muito submarino, será defensável num ponto de vista económico, já que as contrapartidas financeiras para o Estado Português são ostensivamente irrisórias e nulas para a Região Algarvia? Sim, é verdade – contrapartidas irrisórias para o Estado, nulas para a Região, embora os intermediários (bastantes) tirem partido - os Francis Drakes chegam sempre disfarçados. Apenas os reconhecemos depois da pilhagem, como se diz correntemente na Guiné Equatorial.

Carlos Albino_________________________________________
Flagrante problema: A questão não é de os presidentes de câmara engolirem um garfo a meio do mandato; o problema é quando os subalternos sortudos querem provar que têm valor, engolindo uma colher e uma faca... E assim desaparece o que poderia ser um grande talher político. Mais não digo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

SMS 626. O senhor Simões

6 agosto 2015

Primeiro foi o senhor Pátio que encerrou, toda a gente já esquecida, também porque não se lembrou a tempo e pouco fez para viabilizar a memória. Um livreco vendido ao dia, era uma sorte, numa cidade com elite tão extensa e autoconvencida, enfim a nobreza de hoje, e não será o clero e o povo a substituir a nobreza. Agora a loja do senhor Simões, dos livros antigos aos recentes, já que as editoras parece tudo fazerem para que um livro do ano passado, por melhor que seja e com prova, seja antigo, ou seja “fora do mercado.

Naturalmente que me choca a lassidão (lassidão é a palavra) da Câmara Municipal de Faro. Só que uma livraria, um alfarrabista, ou uma simples banca de livros, não se aguenta sem… vender livros. E não se vende livros se ninguém quiser ser leitor. Por aquilo que falei com responsáveis, das centenas de professores (do universitário ao básico), engenheiros, arquitetos, advogados e demais gente curricularmente culta , apenas um ou outro entrava no Pátio para comprar, como um ou outro recorria ao Simões para se ilustrar. Não dava para a caixa e fecharam.

É claro que algum problema existe e certamente por ausência de política cultural supletiva da Câmara (e não só), mas fundamentalmente é um problema da Sociedade. Mas também da câmara, das câmaras onde “a última livraria” fecha, pois quando uma cidade fica sem qualquer Livraria (letra grande), é como uma freguesia ficar sem farmácia ou uma região inteira ficar sem água nas torneiras.

Mas quando uma Sociedade gera no dia a dia um problema destes, também é um problema de política, de Política Cultural e de Comunicação Cultural, as duas coisas. Na verdade, temos uma política de salamaleques e também uma sociedade de salamaleques, com importâncias a acorrer à Importância em filas de elites pífias nos atos de fingimento cultural, ou, se não são pífias e o ato não é fingimento, são “sempre os mesmos”.

E então, o que interessa discutir no Lethes política cultural, na mesmíssima situação do tal casal de bombeiros que dorme no 2.º andar com o 1.º andar em chamas? Uma câmara lassa, aliás, faz parte da sociedade lassa, e disso, a instituição e a sua base não se livram pelas regras da lassidão. Sim, a lassidão tem regras, as tais regras pelas quais vamos desta para melhor.

Enquanto isto, há que ajudar o senhor Simões.

Carlos Albino
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Flagrante sinal: Vamos ter 60 dias de reflexão eleitoral, em silêncio, como nem a lei prevê.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

SMS 625. CCDR: de “autarquia” a autocracia?

30 julho 2015

Posso estar enganado, mas essa questão das bolsas de mobilidade parece ser uma grande trapalhada. E caso assim seja, aumenta o receio de que a CCDR, que já mais parece uma difusa “autarquia regional”, se vá transformando numa autocracia igualmente difusa. O que é mau, quer para o conjunto das autarquias deveras, quer para os aspirantes a autocratas, seja qual for a espécie de governo que lhes dê chapéu, seja qual for o chapéu com que defendam a calvície do poder central. Mas, como disse, posso estar enganado.

O caso é este, pelo que subiu ao noticiário quotidiano: para o programa “+ Superior” que visa a concessão de 1020 bolsas com o valor de 1500 euros anuais a estudantes que se inscrevam em instituições localizadas fora dos grandes centros, a Universidade do Algarve foi, pelo segundo ano consecutivo, excluída. De entre 14 universidades e politécnicos, a Universidade de Trás-os-Montes é a instituição com mais bolsas atribuídas, e a região Centro concentra os benefícios distribuídos pelas universidades da Beira Interior, Évora e Vila Real, e pelos politécnicos de Beja, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Portalegre, Santarém, Tomar, Viana do Castelo, Viseu, Oliveira do Hospital e Coimbra. O Algarve de fora e postergado, com uma seta cravada no coração da sua bela e prestigiada universidade.

Sabendo-se que entre as universidades e politécnicos há uma guerra surda para captação de alunos, e com isto, luta pela sobrevivência, à primeira vista pensou-se que era mais um ato hostil ou de displicência do Ministério da Educação contra esse inútil rincão nacional que se chama por acaso Algarve. Mas não. Ao que se sabe, o Ministério, depois de sublinhar que a CCDR é “autarquia” no assunto, apressou-se a esclarecer: “a CCDR do Algarve optou por não mobilizar essa prioridade de investimento no seu programa regional, alegando que tinha necessidade de concentração dos recursos nos maiores constrangimentos da região e que a mesma não se encontra em perda demográfica”.

Estou em crer que todos os que sentem e vivem o Algarve como o seu chão, registaram com lhaneza e tolerância a notória evolução do pensamento de David Santos, presidente da CCDR do rincão postergado, porquanto em 2014, afirmou dar prioridade “às pessoas e às empresas” e neste ano de 2015, no seu mais recente pronunciamento seletivo, já não falou em pessoas mas apenas em empresas como se estas não fossem constituídas por pessoas, não dependessem de pessoas, mais, da qualidade e do enraizamento das pessoas.

A CCRD ouviu alguém? Ouviu a universidade, principal interessada? Ouviu as autarquias deveras? Promoveu alguma auscultação?

Se não o fez e transmitiu ao Ministério algo que o Ministério sacudiu do capote, então, é lícito que haja receios de que a CCDR, como quem não quer a coisa, se sinta já a navegar nas águas da autocracia, porque a procissão ainda vai no adro.

E se assim for, é mau. Pela boca morre o peixe.

Carlos Albino
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Flagrante deferência: Afirmou António Eusébio que Miguel Freitas “é um quadro valioso do PS, que pode ser encaixado noutros desafios maiores que ser deputado”. Não há qualquer problema em indagar se alguns nomes de candidatos a deputado não poderiam ser “encaixados” em desafios menores, o problema é o uso do verbo “encaixar”…

quinta-feira, 23 de julho de 2015

SMS 624. Deixemos a poeira pousar  

23 julho 2015

Com certeza, esta é a época em que há muito atropelo em festas, festivais, feiras, reconstituições dadas como históricas, encontros disto e daquilo, pretextos desde o chouriço ao marisco, desde tudo a qualquer coisa, por aí fora, umas coisas “nacionais”, outras já “internacionais”, quase não deixando um dia livre no calendário estival. Não há mal grave nesse atropelo. Ainda há uns poucos anos, contava-se pelos dedos de uma só mão o que poderia ser descrito como animação, recreio ou divertimento. Agora é um mapa de “eventos” quase uns sobre os outros, ou, mal acaba um, outro começa mesmo ao lado, seguindo-se outro logo ali, ainda estão a voar pelas valetas, em pilhas nos balcões dos cafés ou nos vidros dos automóveis estacionados há oito dias, os folhetos do que acabou de há três dias. E nisto, mal da terra que não tenha “eventos” que, por natureza, deviam ser eventuais mas até o significado da palavra se alterou. Não mal grave nesse atropelo de que muitos se queixam e com que outros tantos se animam. Algum dia, se descobrirá que tem que haver um esforço de coordenação mínima para o que deva ser considerado com “regional”. Algum dia se reconhecerá que a Animação (letra grande) do Algarve deve ter um planeamento ainda que esboçado, um fio orientador, claro que nada impositivo ou castrador das eventuais criatividades e orçamentos locais, mas Animação conjugada. Para que, pousada a poeira, a qualidade impere e para que tal qualidade não fique apenas nos braços das agências disto e daquilo que, por natureza, programam à distância os “eventos” cá de dentro.

Esse esforço de coordenação ou de conjugação, algum dia, terá de acontecer para que o atropelo não dê em caos e para uma animação em caos não há orçamento que a suporte. Não me perguntem qual é ou deva ser a “instituição” a quem compete dar o pontapé de saída, ou se há mais que uma mas duas, três que entre si tenham dar o exemplo desse mesmo esforço. E, além disso, devam elaborar um dicionário mínimo em que animação turística signifique isso mesmo e não outra coisa, tal como animação cultural deva significar tudo o que queiram mas com cultura e não sem ela.

Algum dia, isso acontecerá. Deixemos a poeira pousar. A natureza não dá saltos, e a natureza humana, então a algarvia, além disso, não é propriamente um “evento”.

Carlos Albino
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Flagrante pedido aos motards e aos combatentes: Calma! Isto não é uma guerra, seja esta de invasores sem invadidos, ou de combatentes sem grandes combates à vista. Calma!

quinta-feira, 16 de julho de 2015

SMS 623. Esperança ou abuso 

16 julho 2015

Deus o ouça, David Santos. Há um ano (2014), pouco antes do “programa operacional” começar a valer, disse desejar que o Algarve viesse a ser em 2020 «uma região com mais emprego, mais economia, onde a sazonalidade não seja tão intensa e onde as pessoas tenham mais qualidade de vida». Foram palavras contidas, que geraram dúvidas mas em sintonia com a generalidade dos Algarvios, sejam estes de raiz ou adventícios. Numa região com a mais elevada taxa de desemprego do País, com muito pouca economia além da economia que foi destruída, e da “outra” que não tem sede na região, com uma sazonalidade próxima do antigo Estatuto do Indígena das colónias, e com uma qualidade de vida só para inglês ver ao longo da 125, as palavras de David Santos, N.º 1 da CCDR e de facto “governador civil”, muito próximo já de “ministro da República”, coincidiram com as palavras que quem queira o bem da Região, poderia dizer. Não estávamos perto de eleições, nem próximos de pontais ou de pontinhas, e as palavras de esperança são como chuva bem-vinda para flores a secar.

Um ano depois, neste 2015, David Santos naturalmente que se afirma satisfeito com os 85 por cento de execução do dito “programa operacional” e quando outra sigla para muitos enigmática – CRESC 2020 - começa a andar de ouvido em ouvido, volta a dizer : “gostaria que, quando terminasse este quadro comunitário 2014-2020, o Algarve fosse a região do país com menor taxa de desemprego”. David Santos usou o verbo “gostar” e não “querer”. Disse “gostaria” e não “quero”. Também gostaríamos e, já agora, quereríamos. Deus o ouça.

De resto, tudo o que mais disse agora – os 140 milhões, o FEDER, etc… - corresponde a sermão que, mais ou menos, se ouve há muito tempo, mudando as siglas que podem ou devem ser mudadas, desde o tempo do abate dos barcos, às piscinas, jipes e moradias para a renovação da agricultura, para não se falar de outros incentivos às “empresas” com todas as histórias da intermediação burocrática e dos gabinetes de interesses difusos, com um pé na responsabilidade púbica e outro pé nos jogos privados.

É claro que a voz de David Santos é, de alguma forma, a voz do governo em altifalante regional. É a voz do poder político executivo. Ele dirige um serviço periférico da administração direta do Estado, serviço esse integrado na Presidência do Conselho de Ministros e tutelado conjuntamente pelos Ministros do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia, e pelo Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional. As áreas de tal serviço, ancorado em Faro, abrangem extensas áreas: ordenamento do território, vigilância e controlo, desenvolvimento regional, ambiente, administração local, gestão administrativa e financeira, comunicação e sistemas de informação.

A dois meses de eleições, oxalá que Deus ouça as palavras de David Santos para 2020, e não as considere apenas um abuso de comissão.

Carlos Albino
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Flagrante arrepio: A colocação da Comunicação Social (apoios, subsídios, o futuro…) exclusivamente nas mãos de um órgão governamental, numa região que pouca e quase nenhuma comunicação social tem.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

SMS 622. Grande animação

9 julho 2015

Temos que nos render. Não há motivo para que o Algarve não seja apenas palco de elogios. Para os municípios, com suas câmaras e assembleias, elogios obrigatórios em tudo e todos os dias; para as freguesias de lés a lés, sem exceção, elogios; para as empresas municipais, elogios; para as associações sejam elas populares, impopulares ou mesmo só para pular, elogios; para as escolas, elogios; para as entidades ditas regionais, sejam direções, delegações ou entidades, elogios; para os deputados que tivemos e havemos de ter, elogios. Atingido este ano de 2015, este mês de julho e esta semana que vai do dia 6 ao dia 12, elogios para este Algarve e quem não for apenas e absolutamente elogioso, não dizemos que deva ser banido porque estamos numa sociedade livre, mas pelo menos deve-se-lhe dizer discretamente que não é merecedor da partilha do elogio geral construído, como se sabe, pelos impostos para uns tais efeitos e pelos votos para outros efeitos separados. Há asneirada? As asneiras passam com elogio, de preferência em abstrato. Há golpaças? Caso sejam bem feitas, os elogios recobrem o golpe já de si elogiável. Há o dito por dito? Diga-se que isso é nobreza de espírito que obriga aos elogios. Ignorantes daqui, néscios dali, ignaros dacolá que nunca se enganam e incultos que raramente têm dúvidas, pois, no tempo que passa, o momento do elogio ainda que este não passe de um ato de exceção sediciosa contra elogiados de outra espécie mas do mesmo género. Não há decreto que obrigue, não há postura municipal que imponha, mas o elogio é lei a cumprir. Elogio, elogio, elogio.

E quando numa terra apenas há matéria, pessoas e eventos para elogiar, pouco mais pode ser dito como pouco elogioso mas sem ofensa, que os passarinhos dessa terra, coitadinhos, fazem os seus ninhos com mil cuidados; arrancam as penas para aquecer os filhinhos nos beirais dos telhados, coitadinhos dos passarinhos, tão lindos são, que fazem esta grande animação.

Carlos Albino
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Flagrante confusão: Entre imigrantes e residentes estrangeiros.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

SMS 621. Maria Barroso


2 julho 2015

Partir não é notícia, abalar não justifica comentário, mas sentir a falta dói. Todos sabemos que Maria Barroso nasceu aqui, sabemos como ao longo destes anos passou como uma nuvem sobre fronteiras despejando uma chuva de afetos. Foi um exemplo vivo da concretização daquela advertência de Malebranche: “É preciso tender para a perfeição, sem a pretender”. A raras pessoas e em muito poucas situações tenho confidenciado que essa é a minha frase de cabeceira desde os 15 anos. E quando confidencio, olho para a cara da pessoa, tentando perceber o efeito em tudo o que os olhos possam apanhar como que num flash. Maria Barroso, quando, já lá vão uns bons e muitos anos, lhe fiz a confidência, abriu os olhos para o seu maior tamanho, apertou os lábios, e após uma forte contração do rosto tal como se faz quando se tenta separar a verdade da mentira, fez um daqueles sorrisos que não têm lugar preciso na cara, porque pertencem a todo o rosto naquele momento em que o rosto é a alma. E é verdade. Maria Barroso tendeu para a perfeição sem a pretender.

Ela não nasceu apenas no Algarve – viveu o Algarve. Queria a excelência no Algarve, nunca negou uma ajuda para que essa excelência varresse o provincianismo, o egoísmo, a invocação da cultura em vão, o jogo trafulha que nasce da ignorância como os cardos. Ao Algarve que lhe batesse à porta, dava sempre ajuda discreta mas eficaz e, para grandes causas, dava o nome.

Sobre Maria Barroso, qualquer notícia será sempre incompleta, qualquer comentário pecará sempre por defeito, mas a sua falta tende para a dor de quem a sente. Possivelmente a perfeição é abalar e partir sem isso se pretender. Obrigado, Maria Barroso.

Carlos Albino
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Flagrante observação: Tem o céu tanta estrela, porque é que há-de retirar as poucas que a Terra tem?

quinta-feira, 25 de junho de 2015

SMS 620. Sem deputados a sério, isto não vai


25 junho 2015

Mais do que nunca, o Algarve precisa de deputados a sério: competentes, probos (não tanto à lei da bala mas fora da lei da selva), interventivos, conhecedores da Região (nas suas contradições e complicações), conhecidos minimamente por provas dadas e não pelo número de chapeladas, aptos a questionarem o governo com fundamento, capazes de redigirem uma intervenção de fundo sem recurso ao Google, à Wikipedia ou à colagem de prosa caída no domínio público, com estofo para a iniciativa legislativa. Precisa de deputados que não usem e abusem do facto de, uma vez eleitos, representarem “todo o País” e não apenas o círculo de Faro por onde são sufragados, como pretexto para se isentarem ou mesmo se ausentarem politicamente do Algarve, encolhendo os ombros. Precisa de deputados influentes que se imponham pela assertividade, cultura e estatura, ou que, pela ação, ganhem influência, consideração e respeito, mesmo que partam do zero. O Algarve precisa de deputados que tenham voz e não apenas garganta. Deputados que nos dias destinados pelo regimento da Assembleia da República aos “contactos com os eleitores”, contactem a sério os eleitores e não apenas os vizinhos do beco.  Portanto, deputados com o bilhete de identidade à antiga ou com o cartão de cidadão à moderna. O Algarve precisa de deputados a sério, e sem isto, isso não vai.

Todos os partidos têm esse dever de apresentarem no Algarve candidatos a sério a deputados a sério. Neste quase final de junho, o lembrete vem a tempo e será, por aqui, o último. É lícito que todos em concreto se julguem candidatos a sério, e legítimo também é que os partidos acreditem que aqueles que escolhem venham a ser, no vago, deputados a sério. Só que o comportamento do eleitor, melhor, da massa anónima dos eleitores, está no epicentro da chamada “sabedoria popular” e esta, em boa parte, já está escaldada. É tarde para “primárias” envolvendo as enormíssimas áreas dos simpatizantes que cada partido poderia pôr à prova, pelo que a minoria filtrada dos militantes cuja filtragem resulta nos “aparelhos”, tem quase o dever da infabilidade que é coisa que só os Papas tinham até há pouco tempo, designadamente dois ou três papas que o Algarve conheceu. Posto isto, nada mais se dirá aqui sobre o assunto até à vitória final de uns e à derrota fatal de outros. Não culpem os eleitores, não culpem os Algarvios que consomem os seus dias no “círculo” e não em “todo o País”…

Carlos Albino
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Flagrante reinado: O número um da CCDR arrisca-se a ser o primeiro rei do Algarve que nem quando foi reino teve. Só falta tutelar a GNR, a PSP, a Judiciária e a Igreja Católica. As seitas não precisam de incentivos.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

SMS 619. Apetece bater-lhes com o martelo no joelho...


16 junho 2015


Está o Algarve cheio de estátuas de Moisés, acredite-se ou não. Nos municípios, nas freguesias, nas direções, delegações e entidades regionais, nas travessas e becos camarários, bem vistas as coisas, descobre-se sempre por aí um Moisés (masculino/feminino), nem que seja fechado num armário e não tão raramente quanto pareça, um Moisés sentado à secretária a telefonar ou a despachar. Uma estátua tão ou mais perfeita como a que Miguel Ângelo esculpiu para o túmulo do papa Júlio II. Quem já tentou contar os Moisés do Algarve, ficou sem saber se serão 42 ou mesmo 67, mas figuras dessas são bastantes, e, além disso, genialmente esculpidas. A perfeição é tal que, cada estátua, para não se descompor, permanece imóvel. Não respondem a nada, não recebem ninguém, e quando fingem receber não é isso que fazem mas apenas dispensar a sua beleza estática a quem desfila e reverencia. E, por um elevado sentido de sobrevivência, cada Moisés admite com muita humildade que apenas é obra-prima no território onde está, território esse que, aliás, trata como um túmulo. O Moisés do túmulo ao lado, é outro Moisés, e cada um que trate apenas de si. Ainda não há, portanto, um Moisés de todo o Algarve, mas sim dezenas de tais obras-primas espalhadas no Algarve retalhado, e que assim é um verdadeiro museu vivo com aspeto de cemitério de estátuas. Cada um dos nossos estimadíssimos Moisés julga-se detentor das tábuas da lei, mas, à cautela, não o diz em voz alta, nem sequer para cada tribo nómada que os segue, tribos tais que, até meio do mandato, cumprem metade dos mandamentos, a partir da metade apenas o quinto (não matarás), e, três meses antes do final, nem este. Ou seja, tais tribos servem para queimar as sarças no terreno por onde cada Moisés, à falta de palavra e de ideia para alguma palavra, irá passar silencioso mas sorrindo majestaticamente, pedregulho vulgar em qualquer pedreira mas obra-prima na galeria virtual em que qualquer poder, seja qual for o patamar, se converteu. E caso se dirija a qualquer destes Moisés, a pergunta: “Você não fala? Não tem uma palavra a dizer perante o que acontece no Algarve, além dos festivais?”, a resposta é nada ou nim.

É sabido que Miguel Ângelo após esculpir a estátua de Moisés, passou por um momento de alucinação diante da beleza da escultura e bateu com o martelo no joelho da figura, gritando: “Por que não falas? Perchè non parli?”  Claro que a estátua nada respondeu mas, segundo se acredita, nela ficou, até hoje a marca do martelo no joelho – uma lasca.

Se repararem bem, os Moisés do Algarve são os que têm uma lasca no joelho. Não é preciso dizer o nome ou os nomes. Basta mostrarem o joelho. Se há lasca, é obra-prima.

Carlos Albino
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Flagrantes seitas: Cada vez mais no Algarve, arregimentando ingénuos e ingénuas, velhotes e velhotas, uns quantos beneficiários do erário público andam pelos campos, fazem ficheiros nas cidades e vilas, servem-se da liberdade de crença quando tudo isso não passa da liberdade da trapalhice, do embuste e do engano. No fundo, sabem que a Sociedade está indefesa.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

SMS 618Quanto aos Excelentíssimos Senhores


11 junho 2015


Se em vez de uma Cantata da Paz, como escreveu, Sophia de Mello Breyner redigisse hoje uma Cantata dos Deputados, voltaria a usar as mesmíssimas palavras iniciais do poema de outrora: Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar… E o que é que o eleitor comum vê, ouve e lê? O eleitor vê que os partidos têm o dever e a obrigação de não condicionarem a democracia com a proposta de maus deputados (maus por impreparação, afetação a interesses difusos ou inconsciência militante da representação que lhes é depositada); o eleitor ouve que oitenta por cento dos que já foram deputados não passaram do turismo parlamentar, do voto de ginástica rítmica em função do medo de se atrasarem na “carreira política” e do uso de binóculos para verem o Algarve ao longe no dia seguinte à tomada de posse; e, finalmente, o eleitor não pode ignorar que não pode votar a sério se o círculo onde vota não fica com deputados também a sério. Ou seja: deputados que reportem no Parlamento os anseios gerais da Região e os problemas de primeira grandeza que fraturam a Sociedade Algarvia, reclamando soluções pelos meios que lhes são próprios. Fazerem isso, não é um incómodo, é o seu dever, estejam as suas simpatias no governo ou na oposição, pelo que a “alternância do poder ” em nada justifica a “alternância da apatia” dos que se revezam. O eleitor algarvio, muito particularmente no recorte da representação parlamentar do País, tem visto, tem ouvido, tem lido e não pode ignorar que o seu Círculo a coincidir com a sua postergada Região, nestes já eternos quarenta anos de eleições, apenas tem saído prejudicada com a também já enorme fila de apáticos, muitos dos quais discursaram muito mas não fizeram nada. E enquanto não houver Região, sem deputados a sério, também não haverá lideranças mobilizadoras, aceitáveis, credíveis e sobretudo respeitáveis. Será, por certo, uma Região de Excelentíssimos Senhores mas que falarão sozinhos cada vez mais.

E como nisto se intromete a questão das quotas, já aqui se falou das mulheres, falemos agora dos homens. Os partidos até agora considerados “pequenos”, a que se juntam os “novos”, podem escolher homens à vontade para os primeiros ou últimos lugares, que pouco se alterarão os resultados expectáveis – mais coisa para este, menos coisa para aquele. Para os chamados “grandes”, o caso mais bicudo será o do PSD e sua carruagem atrelada (outra quota). Com a saída de José Mendes Bota, perdeu sem dúvida um peso-pesado, ficando com plumas. Poderá resolver a questão com um independente, mas um independente, por mais qualidade e currículo que tenha, a pouco tempo político já das eleições, será como aquele caso do sacristão católico de velha cepa que de um momento para o outro se transfere para bispo da igreja universal – perde-se um excelente sacristão, ganha-se um bispo com tiques de sacristia. Haverá outra solução: alguém de fora do Algarve. Claro que haverá bastantes para esse papel de D. Sebastião ou de… Filipe, que o eleitor já viu, já ouviu, já leu e não poderá ignorar o resultado eleitoral da esterilidade do cardeal D. Henrique.

Quanto ao outro “grande”, é bem possível que poucos ousem dizer em voz alta ou em letra de forma sobre o PS, a coisa mais errada deste mundo, erro imperdoável que é este: o PS, nesta sua travessia do deserto, não soube capitalizar valores para uma liderança sólida e sobretudo com argumentário para a região. Mas o seu problema é menos bicudo, se conseguir alinhar gente nova com programa, com ideias, com as virtudes e pelúcias do projeto, e sem os espinhos do carreirismo, ou do aparelhismo fundamentalista que determina e condiciona aquelas jihads internas de que apenas resulta abstenção ou dissensão. O eleitor desta área já viu o suficiente, já ouviu o quanto basta, já leu o essencial e não pode ignorar o fundamental - o PS não terá problema bicudo se, como agora se diz por todos os cantos, “mudar de paradigma”. E não é preciso trocar mais por miúdos.

Carlos Albino
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Flagrante verdade de Monchique: ”Adeus Algarve que vou para Faro” .

quinta-feira, 4 de junho de 2015

SMS 617Listas para as Legislativas

 junho 2015

Ninguém espera ou exigirá que, na premência do calendário para as legislativas, cada partido abra o seu jogo ao público em geral, porque é já uma tradição (má tradição…) que o jogo irreversivelmente caia do céu como facto consumado, ainda que as listas estejam longe de ser dádivas divinas. Com a abstenção, o desinteresse, se não até o achincalhamento do “sistema”, a isso se responde lamentavelmente. E dentro das fronteiras de cada partido acontece o mesmo, com os militantes a afastarem-se emagrecendo os ficheiros reais, a distanciarem-se com a participação a ganhar diabetes tipo II, e a colocarem-se por auto-defesa numa posição de reserva, ou seja atrás do biombo.

Para a eleição de deputados que aí se aproxima, pela primeira vez de forma incontornável, o assunto, além da escolha de nomes, é também o da escolha de homens e mulheres para os lugares chamados “elegíveis”. E se, quanto a homens não há muito por onde escolher pelos padrões da excelência que a representatividade aconselha e exige, quanto a mulheres, o assunto é mais difícil não porque as mulheres não existam e até bastantes a corresponderem aos padrões, mas porque os partidos pouco ou nada fizeram para as colocarem no cenário da afirmação pública, como actrizes políticas de confiança. Uma ou outra foi aparecendo mas como figuras secundárias, peças de decoração e ajudas contidas para a movimentação do palco.

Pela doutrina dos factos, no caso do Algarve, o PCP na sua coligação tradicional, o Bloco e cada um cada um dos novos partidos que pela primeira vez se apresentam, a escolha de mulheres e homens está facilitada: podem escolher seja quem for, mesmo desconhecidos e desconhecidas, que a chancela é suficiente e não altera resultados expectáveis. Já nos casos do PSD e do PS, o assunto é diferente: seja quem for, homem ou mulher que entre para os lugares “elegíveis”, esse ou essa fica desde a primeira hora da escolha, submetida ao escrutínio do lume lento do boletim pré-eleitoral… E será um risco dizer ou pensar em voz alta que o assunto é pior para o PS que para o PSD – este, em função do seu eleitorado, até pode falhar e ninguém dará por isso, aquele não. Se falhar ou cometer erros de casting, todos, de fora e de dentro, lhe cairão em cima.

Quanto às mulheres elegíveis, algumas cometeram já erros insanáveis, sobretudo as que afirmaram os seus nomes quase exclusivamente por via do chamado aparelhismo. Ostracizadas, penalizadas no curriculum pelas convulsões internas, ou não tendo beneficiado do exercício funcional e visível da política (o carisma é coisa que tem prazo, como nos iogurtes…), algumas andaram todos estes anos de braços cruzados, sem discurso, sem trabalho no terreno e perdendo até excelentes oportunidades de dizerem ao eleitorado – “Aqui estou, penso assim, tenho uma ideia, um projeto, um plano, e digo isto com a minha voz, com a minha sensibilidade, para que me reconheçam, independentemente do timbre, da escala e do tom”. Assim sendo, o PS, mais do que o PSD, quanto a mulheres (cremos que escassos dois lugares) o PS apenas tem uma escapatória: escolher alguém pela competência comprovada, e mais alguém pela efetiva juventude sobreposta a reconhecida habilitação que justifique a aposta, e não pela adolescência tardia que é o espelho da senilidade precoce que afeta muita carreira tida como madura.

Quanto aos homens elegíveis, um caso mais bicudo para o PSD do que para o PS, fica para a semana, a SMS 618, longa vida já.

Carlos Albino
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Flagrante abundância: Tertúlias… Só que tertúlia não é nem deve ser uma mini-conferência. Com mini-conferências viveremos acima das nossas possibilidades.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

SMS 616Uma guerra de 50 anos

28 maio 2015

Há uma guerra que o Algarve trava vai para meio século – a guerra da sustentabilidade. Ouvimos e lemos as advertências de Gomes Guerreiro sobre esse caso, ouvimos muito discurso no Parlamento embora, na maioria dos casos, sem grande convicção dos oradores e também sem grandes consequências, e também ouvimos e continuamos a ouvir decisores regionais a falar da sustentabilidade, com maior acento nas fases em que haja dinheiro ou perspetiva de dinheiro para distribuir ou para lotear em função de simpatias. Também nas promessas eleitorais e nos programas redigidos para captar o voto, o adjetivo sustentável tem sido e é amplamente usado como arma que define o atirador. É de admitir que muita gente até fala de sustentabilidade sem saber o que isso implica, significa e exige, de tal maneira que aquilo que é manifestamente insustentável, por exemplo no turismo e atividades conexas, é apresentado como contributo para a sustentabilidade… Raramente se fala e discorre com seriedade e fundamento sobre essa guerra que há muito devia estar ganha mas não está, e longe está, muito longe está de ser ganha. Alguns teimosos não vão atrás dos mais pessimistas, mas cada vez custa menos admitir que essa guerra está perdida.

Daí que, para alimentar algum otimismo, se deva atribuir elevada importância ao documento elaborado pela Ordem dos Economistas/Algarve - “Linhas Orientadoras de Um Modelo Económico Regional”. Linhas que devem ser lidas nomeadamente nas entrelinhas, onde se descobrem as mesmas advertências feitas há décadas por Gomes Guerreiro e por uns tantos rezingões que, desinteressadamente da política e dos lóbis das negociatas circunstanciais, amiúde chamaram a atenção para a falta de sustentabilidade e para as consequências nefastas para o Algarve que dessa falta adviriam. Mas, para além do diagnóstico e da posologia que a Ordem dos Economistas/Algarve colocou sustentavelmente nas mãos de quem queira pensar, houve duas breves intervenções na apresentação desse documento que deveriam constar em dois outdoors, um à entrada e outro à saída do Algarve – as intervenções de Francisco Murteira Nabo e de Paulo Neves. Mais ou menos, Murteira Nabo referiu-se à tragédia que será para o Algarve a falta de uma “estratégia conceptual”, e também mais ou menos, Paulo Neves lançou um alerta que apenas se pode e deve colocar em letra de forma, na presença dos responsáveis pelo turismo e decisores conexos do Algarve. Alguns destes, parece que ainda não entenderam uma guerra de há 50 anos.

Carlos Albino
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Flagrante atalho: Em vez de se andar às curvas, porque é que não vão diretamente à questão, criando a nova Província do Sul com dois distritos (Évora e Beja) e um balcão de vendas, outrora o distrito de Faro?

quinta-feira, 21 de maio de 2015

SMS 615. Pedro Jóia, como o tempo passa e bem

21 maio 2015

Os seus dedos são de oiro fino, a sua música faz da península uma guitarra de prata, o sentimento que expressa, faz de Portugal, ao mesmo tempo, uma lembrança e uma premonição de bronze. É Pedro Jóia que, neste sábado, sobe ao palco do Cine-Teatro Louletano. E já lá vão vinte anos que estes mesmos dedos de oiro fino, guitarra de prata e sonho ou pesadelo de bronze, se estrearam numa apresentação pública perante aquilo que então era e se podia dizer “o estado-maior” dos jornalistas profissionais do ou no Algarve. Tudo aconteceu numa boa sala de Vilamoura. Ninguém tinha ouvido falar de Pedro Jóia e alguém que sabia que ali estava oiro, prata e bronze ousou dizer mais ou menos estas palavras: “E agora, terminado o debate, caros colegas, uma surpresa – vamos ouvir um jovem que daqui a dez, vinte anos, será oiro da música portuguesa, prata dos nossos sentimentos e bronze na larga praça da nossa convivência. Pedro Jóia, toque!”

Assim fez e encantou.

Passados vinte anos, regressa ao concelho de Loulé sem serem necessárias mais provas de que a profecia se realizou. Ele tem o condão de agarrar na guitarra como se um deus fugitivo a agarrar num pequeno asteróide, e o som que dali sai desafia os astros, a alma que dali emana atinge a proporção de constelações, o milagre que produz é daqueles que só a Música pode concretizar e faz com que qualquer ser humano, do mais bruto ao mais culto, sinta a prova definitiva de que o espírito existe e que o “estado de espírito” não deveria durar apenas um instante.

Jóia não corresponde à última palavra do seu nome. No início dos anos noventa, quando o ainda aluno de Belas Artes teve de criar o seu nome artístico, o então jovem guitarrista foi buscar essa palavra intermédia do seu nome pedindo desculpa ao último. Felizmente que o fez. Jóia transformar-se-ia ao longo dos anos seguintes, no símbolo do seu trabalho artístico. Andou pelas cidades, concertos, discos... Mas os anos noventa foram ontem. Curiosamente, pode ler-se agora, nas suas biografias, referência à sua longa carreira. Já longa carreira? Parece ter sido ontem que Pedro Jóia teimou em ser artista da Música e não das Artes Visuais. Só que pouco importa o tempo. Falemos antes do lugar. É que, já agora, talvez seja bom recordar que Pedro Jóia estreou-se para o grande público, no Algarve, mais concretamente, em Loulé. Ainda bem que o tempo passou e que os crédulos no seu virtuosismo não se enganaram.

Carlos Albino
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Flagrante contributo para pôr fim à desordem: A Ordem dos Economistas/Algarve, apresentou ontem (dia 20) a sua proposta de  Linhas Orientadoras do Modelo Económico Regional do Algarve, e assinou um protocolo de cooperação com a Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. As associações públicas, no caso a Ordem dos Economistas, têm um indeclinável compromisso com a sociedade e não apenas a defesa de interesses corporativos legítimos, e é por isso que o Estado lhes delega funções próprias. A Ordem dos Economistas deu um bom pontapé de saída. E um bom exemplo a ser seguido por mais Ordens.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

SMS 614. Um “Dia do Município” muito pouco municipal

14 maio 2015

Falemos claro. A Câmara Municipal da minha terra comemora o Dia do Município (hoje, 14 de maio) e, pelo convite que me dirigiu, tem como ponto principal uma "homenagem aos militares falecidos na Guerra do Ultramar". Julgava eu que tinha havido uma Guerra Colonial, e que o ideário e a terminologia da ditadura fascista tinham perdido definitivamente essa guerra. Guerra do Ultramar foi a designação oficial portuguesa do conflito até à revolução de 25 de Abril (Guerra da Libertação, para os Estados Africanos, e Guerra de África para satisfazer a todos os que não ousavam demarcar-se).

A Câmara de Loulé, pelos vistos e como se isto fosse já Santa Comba Dão, conserva a designação oficial usada pela ditadura que, através dos seus serviços de censura, proibia a designação escrita ou dita de Guerra Colonial. Portanto, o Dia do Município da minha terra é o Dia da Guerra do Ultramar. Podia a Câmara, naturalmente, fazer uma homenagem aos Empresários Vivos do Concelho, uma homenagem aos Escritores Oriundos, aos Desempregados Meio-mortos, aos Professores Atentos, aos Médicos que Não Enriquecem Sem Justa Causa, ou até uma homenagem aos Detentores de Vistos Gold, mas Guerra do Ultramar quando o ultramar de Loulé é o do peixinho e marisco fresco de Quarteira?

Além disso, desculpem-me lá os homens vivos do Núcleo de Loulé da Liga dos Combatentes que muito respeito, o que é demais não presta, perde o sentido e é uma inútil volta à parada a toque de caixa húmida e cornetim entupido, até porque falecidos não diz bem o que aconteceu – há mortos, matados e morridos. Os militares falecidos seja onde for, apenas se homenageiam com a Verdade, e não com aquelas nostalgias que são um cancro em estado terminal ou com aquele ânimo leve que é a hepatite C da política. Está longe de ser homenagem aos falecidos, servirmo-nos deles para levar a água ao moinho, independentemente de terem sido mortos, matados ou morridos.

Carlos Albino
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Flagrante insistência: Já o disse ao presidente da Câmara e ao presidente do Núcleo de Loulé da Liga dos Combatentes, vai para um ano e sem pronta correção até hoje, que, num bizarro e patético “monumento” aos combatentes, mais bizarro ainda se ousarem colocar soldados com metralhadoras como se isto fosse o Irão, a frase lá colocada e declaradamente extraída de “Os Lusíadas” é um absoluto desrespeito por Camões. Está lá escrito: “Ditosa a Pátria que tais filhos tem”, com o nome do Poeta Nacional a subscrever. Ora o que Camões redigiu no Canto VIII, estrofe 32, 5.º verso, foi: "Ditosa Pátria que tal filho teve!", referindo-se a Nuno Álvares Pereira e ponto final. Será exigir-se muito ou demais que a arquitetura da câmara ou o presidente do núcleo reescrevam “Os Lusíadas” ou corrijam Camões por alguma conveniência que faça da Pátria uma desditosa. Além disso, quem cometeu essa calinada monumental, se for ao concurso da Manuela Moura Guedes, perde.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

SMS 613. Como te recordo, Teixeira Gomes…

7 maio 2015

O nosso Teixeira Gomes, como se sabe, cultivou uma ideia helénica do Algarve. Em páginas ou passagens apuradas, ou ele não fosse um dos maiores estilistas da língua portuguesa, deixou-nos a ideia de um mar grego, rochas gregas, praias gregas, rostos e corpos gregos. Apenas não referiu a existência de cidades-estado porque, também, no seu tempo, Portimão não era Esparta, Faro não era Atenas, Tavira muito longe de ser Tebas, e Loulé ainda mais longe de ser Tróia embora fosse a Turquia do Algarve. Sem cidades-estado à vista, Teixeira Gomes construiu um Algarve lendário e tudo o que a realidade apresentasse como mau exemplo de civilização e de cultura, isso estava ao nível das ruínas, ainda assim belas ruínas para reforçar romanticamente a última zona da terra ainda povoada de heróis, deuses, ninfas, com sibilas e seus maridos, para não falar de algum Menelau em Olhão, algum Agamemnon em Albufeira, um Heitor em Monchique, Acrísio em Alcoutim, Teseu em Castro Marim, Príamo em Lagos, Aquiles em Lagoa, Jasão em Vila Real, um Estentor na RTA, um Belerofonte na CCDR, algum Odisseu em Aljezur, certo Academo na UALG, imaginem, um Ájax em São Brás, e qual Leonteu em Loulé, Neoptólemo em Tavira, Páris em Portimão, Pátroclo na AMAL, Protesilau em Vila do Bispo, um inesperado Sufax em Faro, e, muito embora a frase vá longuíssima, ainda cabe um Astíanax em Quarteira numa homenagem aos mega-aldeamentos turísticos cheios de gregos, às empresas municipais cheias de troianos e aos majestosos hotéis cheios de cavalos de madeira low cost.

Todo este mundo helénico que Teixeira Gomes não conheceu nem anteviu, permitiu-lhe ver no Algarve, a Grécia Antiga que modelou a Europa. Hoje ser-lhe-ia difícil sustentar a lenda, embora o céu continue azul, as praias estejam cheias de deusas desembarcadas, e o mar seja um mediterrâneo um bocadinho maior do que aquele que Ulisses atravessou mas permitindo que cada cidade-estado tenha o seu mar Egeu sem as mil ilhas – Faro e Olhão ainda têm algumas mas não chega, sobretudo com as demolições.

Estamos, portanto, com as nossas cidades-estado cheias de heróis, de deuses e até de guerreiros, com um brutal senão: sem cultura, mesmo a clássica. Muita animação de heróis, muito espetáculo de deuses e até muita gritaria eufórica de guerreiros, mas sem cultura, na definição clássica. Numa Grécia destas, em algum ano próximo, até Agosto deixa de ser Azul.

Carlos Albino
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Flagrante condecoração: A Polónia, dia 12 de Maio no Palácio Foz, por intermédio do seu Embaixador em Portugal, Prof. Bronisław Misztal, confere a José Mendes Bota a Cruz de Cavaleiro da Ordem de Mérito da República da Polónia. Mais um louletano distinguido, no caso, por factos, independentemente dos argumentos. 

quinta-feira, 30 de abril de 2015

SMS 612. Dieta mediterrânica…

30  abril 2015

Não é a essa que nos referimos. Essa é milenar, comestível, companheira do espírito e que bem justifica o brinde de uns à saúde dos outros. Referimo-nos a outra dieta, não menos mediterrânica mas intragável, a que destrói instituições, arrasa ideias de progresso, mina a convivência, faz quebrar compromissos e parte a espinha da esperança.

Essa horrível dieta é aquela com que tantos se alimentam quando transformam o poder (qualquer poder) em coisa da sua propriedade privada. Conquistam o poder em nome do serviço pela causa pública, ou são nomeados para servir a mesma causa pública, mas a tal dieta mediterrânica, a breve prazo, não lhes disfarça os efeitos perversos.

Não sendo autistas, fingem-se autistas por conveniência, num fingimento a que a sabedoria popular costuma designar por manha; não se lhes reconhecendo no passado mérito de jogadores, jogam; tendo ganho a confiança geral do voto ou a deputação do chefe, desconfiam de quem julgam que lhes estraga o apetite; os seus quintais cheios de roseiras entre duas palmeiras com ninhos de passarinhos, são uma espécie de estados islâmicos onde decapitam a crítica que foge à dieta, executam o reparo que fira o culto pessoal, apedrejam quem lhes observe que, em política, o verbo “eu” não é conjugável nem é verbo, e redigem, para cima e para o lado, o índex com os nomes dos que querem mandar para baixo, e mandam mesmo.

Tudo pela calada, como mandam as boas dietas. E, além disso, os que seguem esta dieta, estão conscientes de que numa sociedade sem bases de anonimato social, os seus nomes permanecerão, por isso mesmo, anónimos e tanto mais anónimos quanto mais na província a avaliação nutricional é feita. Por isso, os bons seguidores da dieta gostam da província profunda e recôndita.

Mas os efeitos notam-se, saltam à vista e por isso aí vemos, nos serviços públicos, estatais e municipais, verdadeiras legiões de gente proletarizada, com lassidão dos pés à cabeça, cumprindo estritamente o obrigatório, com cortesia se o chefe obriga mesmo que não saibam redigir uma carta, com lhaneza se o chefe determina mesmo que o atendimento qualificado de um telefonema lhes cause cansaço cerebral. Se o chefe confunde animação com cultura, é uma animação constante; se o chefe confunde património com matrimónio, é um casamento contínuo; se o chefe é um néscio embora com bons fatos, então, está na mão.

Mero apontamento, por hoje, observando por aí tanta obesidade política e mediterrânica.

Carlos Albino
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Flagrante prova dos nove: Naturalmente que aqueles que lutaram sempre, lutam e lutarão contra a corrupção, geram anti-corpos… E um anti-corpo, apesar das provas da sua existência, nunca se vê e raramente se dá a ver.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

SMS 611. O livro, essa fita métrica da sociedade

23 abril 2015

Feliz coincidência com o dia deste apontamento, hoje é o Dia Mundial do Livro. E com este dia, além dos leitores, estão comprometidas diretamente as instituições que com o livro têm ou deviam ter um pacto íntimo: escolas, bibliotecas públicas e associações que não sejam subsidiodependentes.  Pacto com o livro portador de arte, de ciência, de pensamento e de excelência. E quem diz, pacto com o livro, diz pacto com os seus autores, e com os seus críticos também de excelência. Dir-me-ão que a “excelência” ou a qualidade, são conceitos relativos. Pois são relativos, mas tais conceitos são facilmente reconhecíveis à distância, tal como à distância se distingue um pedregulho de um grão, seja este grão de oiro, de prata ou de bronze…

Mas enquanto as escolas ainda têm, felizmente, mecanismos de escrutínio interno (um grande disparate dificilmente aí se repete), já algumas bibliotecas públicas, lamentavelmente, parece que agem isentas ou isentam-se de escrutínio, não conseguindo conviver com a observação crítica e prosseguindo uma eterna festa infantil e, nos intervalos, promovendo confraternizações de amigos bem encadernados. Claro que não são todas – há bibliotecas, poucas mas há, que, por exemplo no Algarve, têm programação cuidada e rigorosa, cumprindo a missão de promover a leitura, aproximando autores a sério dos leitores que também lêem a sério. Não entram nos esquemas da papelada com o embuste da auto-ajuda, do exoterismo, da prosa com a chamada pornografia espontânea que está longe de ser erotismo, e desse amontoado supostamente poético que o erário público candidamente subsidia mas que não passa de manifestação serôdia de frustrações ou de temporão exercício de narcisismo frente ao espelho.

E, as bibliotecas públicas, ao lado das escolas, têm uma missão naturalmente pública e que não se compadece com a proletarização dos seus responsáveis. Num país que é dos mais retrógrados da Europa em matéria de leitura, como os índices comprovam, e numa região que nessa matéria está na cauda do País , como o fecho geral das livrarias igualmente comprova, as bibliotecas públicas não podem nem devem abdicar dessa missão, mesmo que à custa da “programação cultural", politicamente imposta pelos poderes locais, onde tudo conta para contabilizar votos futuros, por via do populismo, dos favores, das simpatias, da condescendência ao rude. Neste aspeto da rudeza que está nos antípodas da arte e da excelência, em 40 anos de democracia – democracia esta que não existe com solidez sem democracia cultural – o Algarve já produziu umas boas centenas de toneladas de livros sem peso na balança da história e sem leitores que não vão além dos sobrinhos e primos de seus autores, contra uns poucos quilos de livros com dignidade e qualidade para figurarem num Dia Mundial do Livro.

O que se passa em algumas bibliotecas públicas do Algarve, é de cair para o lado. Desmotivação dos seus responsáveis? Incapacidade? Falta de meios? Em alguns casos, será até de perguntar: criancice, imaturidade? Não sei. Também não sei se em todas as bibliotecas públicas se lerá a mensagem de Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO, a mesma UNESCO que instituiu este dia mundial. Aprender-se-ia muito com essa leitura, como se concluirá muito se os próprios responsáveis das bibliotecas públicas desconhecem tal mensagem.

Celebramos, por vezes orgulhosos, o Algarve e suas terras como terras e região de Autores. Mas, acabada a festa, e desarmada a igreja, verifica-se que, além dos muitos que omitiram ou trocaram Autores e Livros por devaneios,  alguns falaram deles sem os reconhecerem e muitos continuam a falar sem os lerem – nem os sobrinhos, nem os primos.

E assim, neste breve apontamento se celebra o Dia Mundial do Livro, livro que é a fita métrica da Sociedade. Diz-me o que lês, dir-te-ei o que e quem és, e também quanto medes.

Carlos Albino
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Flagrante surdez: Um democrata está surdo ou perto disso, quando lhe dizem que estará a gastar ou a usufruir dos últimos cartuchos, e não ouve. E até diz: “Nã s’nhôr! Né nada, come assim!...”

quinta-feira, 16 de abril de 2015

SMS 610. Günter Grass, obrigado

16 abril 2015

A Günter Grass, devemos dizer obrigado. Gostava da natureza e das pessoas do Algarve que considerava pacíficas. Para quem viveu a guerra e que pelas suas causas teve uma vida atribulada, é um elogio para a nossa terra. Dizia isso sem hesitações, ele, que acima da polémica que gerou por nunca querer desculpar-se e desculpar a Alemanha da catástrofe, acabou por ser a consciência moral da própria Alemanha.

Desde há muito, vinha ao Algarve duas vezes por ano, na primavera e no Outono, sempre com um manuscrito na mão – o seu próximo livro. Era aqui que lhe dava a forma final.  Obra vasta, Nobel da Literatura, tivemos como vizinho que, além do trabalho das palavras, pintou, esculpiu e escolheu Almancil para mostrar o que, rodeado pela natureza pacífica e por pessoas pacíficas, ia criando. Foi assim que nada custa dizer que Günter Grass chegou alemão algarvio e, sem alardear, fez-se algarvio alemão.

No “Tambor de Lata”, escrito em Paris, obra inicial que lhe deu logo vastíssima notoriedade internacional, Günter Grass inventou um menino que se recusou a crescer. Possivelmente, esse menino acabou por crescer na Mexilhoeira Grande, quem diria, acordando a consciência dos alemães e dando ao mundo obras que fazem estremecer as pessoas relativamente a uma reedição do poder alemão, oferecendo-se ele próprio como culpado. A sua obra foi uma obra sobre a consciência de culpa, por isso um constante aviso e uma constante advertência contra a hipocrisia e o cinismo.

Günter Grass, a partir de agora, já não voltará ao Algarve no próximo outono e na próxima primavera, com o seu manuscrito,  e para a sua pintura ou escultura. Mas o Algarve deve reviver a sua obra e fazer com que Günter Grass não desapareça, mas perdure nesta natureza pacífica e por entre estas pessoas pacíficas. Deve continuar como nosso vizinho pacífico e essa será a melhor homenagem.

Carlos Albino
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Flagrante epidemia: A falta de cortesia é já uma epidemia no Algarve, tão normal e tão aceite que se esgota nos amigos e correligionários.      

quinta-feira, 9 de abril de 2015

SMS 609. Está tudo refundado, reformado, aproximado…

9 abril 2015


Deste modesto posto de observação, não nos compete mudar o mundo, mas tanto quanto possível observar se o mundo está a mudar para pior ou para melhor. E nesta tarefa, naturalmente que há erros e acertos. De modo que é sempre um risco, continuado risco, fazer o papel de observador observado. Todavia, há factos, realidades, sentimentos gerais e constatações comuns que permitem observar à vontade, e de tal modo à vontade que até nos distraímos da possibilidade de erro. Uma dessas constatações é a da abstenção crescente nas consultas eleitorais, um dos sentimentos é o do afastamento dos partidos rotinados no poder relativamente aos cidadãos, uma das realidades é a a da escolha de candidatos a isto e àquilo depender exclusivamente dos “aparelhos” partidários muito pouco aparelhados, e o facto é o que vem à boca de que é consciente de que pode estar a errar: a “crise do sistema” que é tanto mais grave crise quanto os políticos se desacreditam nas palavras, nos atos, nas omissões e quando abrindo a boca não dão uma para a caixa.

Quando o Partido Socialista ousou escolher o seu ”candidato a primeiro-ministro”, através de uma ampla consulta aberta para além da fronteira dos seus militantes e ficheiros, fê-lo certamente como resposta ao que então corria de boca em boca: que o Estado tinha que ser refundado, que o sistema democrático tinha que ser reformado, que os partidos tinham que se abrir à participação ativa dos cidadãos (e não estes como ovelhinhas controladas no curral), e que os candidatos, para além de qualidade e excelência, deviam ter manifesto apoio da sociedade ou pelo menos sinais disso. Por aí fora. As “primárias” que levaram António Costa à corrida de 100 metros/obstáculos para primeiro-ministro, decorreram nessa crença de reforma do sistema partidário, de resto mais ou menos saudada, como se costuma dizer, nos “mais diversos quadrantes” e de tal forma que influenciou até a escolha de muitos dos candidatos autárquicos, conforme as regras de diabolização local.

E agora que estamos à beira de legislativas, com a escolha de candidatos pelos círculos? À bera de uma presidenciais que, tanto quanto a minha vida permitiu observar de circunstância em circunstância, vai ser uma das escolhas mais sérias desde Américo Tomás que não foi escolha mas AVC do sistema? E também quando já as próximas autárquicas batem à porta, determinando estratégias veladas, quer da parte dos que, recentes vencedores, estão a dobrar a metade de mandato, quer da parte dos que, frescos vencidos, distribuem comprimidos não para reforçar a memória mas para a apagar? Agora? Agora, a avaliar pelo silêncio geral, parece que o sistema está reformado, que os cidadãos participam em pleno, que está reformado tudo o que, há pouco tempo, todos aceitavam que tinha de ser reformado… Só que, nada está reformado, a participação é escassa, os discursos são do género “vira o disco e toca a mesma música”, o escrutínio público ou mesmo o simples pedido de escrutínio é diabolizado, a lealdade volta a ter como sinónimo vassalagem, avisos e advertências fundamentadas são amesquinhados e subalternizados por segredos de gabinete. Sem qualquer prévia consulta, aberta, ousada, participativa e verdadeiramente reformadora, tudo leva a crer, os próximos deputados já estão escolhidos; é muito provável que o próximo Chefe de Estado, mesmo que chefie pouco, já esteja filtrado; e que os próximos autarcas já tenham fato talhado, mesmo que o populismo distribua escassos 35 por cento, a dispersão da esperança inútil 5 por cento (ou 7) e a abstenção 60 por cento, ou perto.

Muito gostaria que este fosse um colossal erro de observação. E também um astronómico erro do observador, caso este afirme que o Algarve tem muitos líderes, líderes por todos os cantos, mas nenhuma liderança.

Carlos Albino
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Flagrante pedido: Às universidades, mais ainda à que está perto, que evite dissertações de mestrados (e até de doutoramentos) que não passam de brincadeirinhas e criancices maquilhadas de calões técnicos.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

SMS 608. Para a unidade do Algarve 


2 abril 2015

Nestes 58 anos do Jornal do Algarve, ocorre e é imperioso que se diga que o desiderato do seu fundador, José Barão, está a ser cumprido, de uma forma quase milagrosa. Desiderato que, mais do que nunca, está atual. Uma sociedade esboroa-se sem comunicação, e como na natureza, detesta o vazio. Os novos meios tecnológicos, só por si, não preenchem esse vazio, são e devem ser complementares. O Jornal do Algarve soube atempadamente perceber isso – o Algarve precisa de que o desiderato de José Barão seja prosseguido, sem anulação da concorrência, antes pelo contrário, quanto mais concorrência melhor, desde que haja um objetivo comum: a unidade do Algarve e o fortalecimento dos valores de sociedade aberta que configuram a sua identidade

Não é difícil entender que a comunicação do ou no Algarve, atravessa uma profunda crise. A atividade noticiosa depende em larguíssima medida da informação institucional dos poderes públicos, informação essa amiúde condicionada pelas vorazes agendas políticas e por interesses difusos; não tem pé na televisão; e, além das grafonolas locais que com alguma heroicidade e proporcional dependência sobrevivem, não há uma rádio regional que coloque o Algarve na agenda de informação do Pais – tem repetidores usurpando o legítimo direito das comunidades concelhias a terem voz própria, licitamente mas usurpam. À parte isto, com recurso aos novos meios tecnológicos, aí estão implantados por todos os cantos jornais online sem papel complementar ou complementares deste, não constituindo documento, arquivo, memória palpável mas também amiúde não constituindo responsabilidade expressa, designadamente a responsabilidade pública em matérias do interesse público. Diga-se, claramente e sem equívocos, que, no novo mundo virtual, há bons jornais on-line, dentro da legalidade, com propósito ético no bilhete de identidade e princípios deontológicos no cartão de cidadão. Mas, diga-se igualmente sem equívocos, que estas ilhas de bom senso e até de bom serviço público, estão rodeados por atrozes ilegalidades, havendo “redações” sem jornalistas, empresas de “informação”, contra todos os princípios, alojadas nas barrigas de aluguer de agências de publicidade quando não nas agências imobiliárias. Assim não se vai a lado nenhum e, pasme-se, há ilegalidades financiadas ou protegidas por poderes locais que, sem critério e por benefício reciprocamente servil, usam o erário público com a maior das leviandades ou distraídos pela inexistência do adequado escrutínio – somos todos vizinhos, e quanto mais próximo é o vizinho, menor o exercício de avaliação do dano público e seu autor. Se a Entidade Reguladora para Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, alguma vez, descessem ao Algarve, estamos em crer, haveria uma apreciável razia, a vários níveis.

É neste panorama que, no Algarve, as poucas empresas deveras jornalísticas (com jornais impressos, apenas online, ou mistas) sobrevivem e dão contributo para a unidade do Algarve, sobretudo as empresas que têm, prosseguem e apostam, não numa manta de retalhos de quintais mas num desiderato regional do Algarve. O Jornal do Algarve está neste caso e se há mais, que há, oxalá continue bem acompanhado. Recordo-me, era eu um adolescente, ouvir da boca de José Barão, no saudoso Café Martinho – emblema da Lisboa de outrora, que queria do seu Jornal do Algarve um “jornal provincial” e não um “jornal provinciano”. Passados 58 anos, esse seu desiderato está atual, pelo que se um abraço tem peso, um forte abraço para o atual diretor, Fernando Reis. Prossiga!

Carlos Albino
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Flagrante pergunta: Um jornal online tem obrigação de ter muito espírito, mas será sempre carne sem osso; um jornal impresso tem o dever de ter bons ossos, tendo a obrigação de não perder o espírito. O ideal é ser misto: com o espírito do online a recobrir o osso do papel. Esse será o futuro.