Feliz
coincidência com o dia deste
apontamento, hoje é o Dia Mundial do Livro. E com este dia, além dos leitores,
estão comprometidas diretamente as instituições que com o livro têm ou deviam
ter um pacto íntimo: escolas, bibliotecas públicas e associações que não sejam
subsidiodependentes. Pacto com o livro
portador de arte, de ciência, de pensamento e de excelência. E quem diz, pacto
com o livro, diz pacto com os seus autores, e com os seus críticos também de
excelência. Dir-me-ão que a “excelência” ou a qualidade, são conceitos
relativos. Pois são relativos, mas tais conceitos são facilmente reconhecíveis
à distância, tal como à distância se distingue um pedregulho de um grão, seja este
grão de oiro, de prata ou de bronze…
Mas
enquanto as escolas ainda têm,
felizmente, mecanismos de escrutínio interno (um grande disparate dificilmente
aí se repete), já algumas bibliotecas públicas, lamentavelmente, parece que
agem isentas ou isentam-se de escrutínio, não conseguindo conviver com a
observação crítica e prosseguindo uma eterna festa infantil e, nos intervalos,
promovendo confraternizações de amigos bem encadernados. Claro que não são
todas – há bibliotecas, poucas mas há, que, por exemplo no Algarve, têm programação
cuidada e rigorosa, cumprindo a missão de promover a leitura, aproximando
autores a sério dos leitores que também lêem a sério. Não entram nos esquemas
da papelada com o embuste da auto-ajuda, do exoterismo, da prosa com a chamada
pornografia espontânea que está longe de ser erotismo, e desse amontoado
supostamente poético que o erário público candidamente subsidia mas que não
passa de manifestação serôdia de frustrações ou de temporão exercício de
narcisismo frente ao espelho.
E, as
bibliotecas públicas, ao lado das
escolas, têm uma missão naturalmente pública e que não se compadece com a
proletarização dos seus responsáveis. Num país que é dos mais retrógrados da
Europa em matéria de leitura, como os índices comprovam, e numa região que
nessa matéria está na cauda do País , como o fecho geral das livrarias
igualmente comprova, as bibliotecas públicas não podem nem devem abdicar dessa
missão, mesmo que à custa da “programação cultural", politicamente imposta pelos
poderes locais, onde tudo conta para contabilizar votos futuros, por via do
populismo, dos favores, das simpatias, da condescendência ao rude. Neste aspeto
da rudeza que está nos antípodas da arte e da excelência, em 40 anos de
democracia – democracia esta que não existe com solidez sem democracia cultural
– o Algarve já produziu umas boas centenas de toneladas de livros sem peso na
balança da história e sem leitores que não vão além dos sobrinhos e primos de
seus autores, contra uns poucos quilos de livros com dignidade e qualidade para
figurarem num Dia Mundial do Livro.
O que se
passa em algumas bibliotecas públicas do Algarve, é de cair para o lado. Desmotivação dos seus
responsáveis? Incapacidade? Falta de meios? Em alguns casos, será até de
perguntar: criancice, imaturidade? Não sei. Também não sei se em todas as
bibliotecas públicas se lerá a mensagem de Irina Bokova, Diretora-Geral da
UNESCO, a mesma UNESCO que instituiu este dia mundial. Aprender-se-ia muito com
essa leitura, como se concluirá muito se os próprios responsáveis das bibliotecas
públicas desconhecem tal mensagem.
Celebramos,
por vezes orgulhosos, o Algarve e
suas terras como terras e região de Autores. Mas, acabada a festa, e desarmada
a igreja, verifica-se que, além dos muitos que omitiram ou trocaram Autores e Livros por
devaneios, alguns falaram deles sem os reconhecerem
e muitos continuam a falar sem os lerem – nem os sobrinhos, nem os primos.
E assim, neste breve apontamento se celebra o Dia Mundial do
Livro, livro que é a fita métrica da Sociedade. Diz-me o que lês, dir-te-ei o
que e quem és, e também quanto medes.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante surdez: Um democrata está surdo ou perto disso, quando lhe dizem que estará a gastar ou a usufruir dos últimos cartuchos, e não ouve. E até diz: “Nã s’nhôr! Né nada, come assim!...”
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