quinta-feira, 23 de abril de 2015

SMS 611. O livro, essa fita métrica da sociedade

23 abril 2015

Feliz coincidência com o dia deste apontamento, hoje é o Dia Mundial do Livro. E com este dia, além dos leitores, estão comprometidas diretamente as instituições que com o livro têm ou deviam ter um pacto íntimo: escolas, bibliotecas públicas e associações que não sejam subsidiodependentes.  Pacto com o livro portador de arte, de ciência, de pensamento e de excelência. E quem diz, pacto com o livro, diz pacto com os seus autores, e com os seus críticos também de excelência. Dir-me-ão que a “excelência” ou a qualidade, são conceitos relativos. Pois são relativos, mas tais conceitos são facilmente reconhecíveis à distância, tal como à distância se distingue um pedregulho de um grão, seja este grão de oiro, de prata ou de bronze…

Mas enquanto as escolas ainda têm, felizmente, mecanismos de escrutínio interno (um grande disparate dificilmente aí se repete), já algumas bibliotecas públicas, lamentavelmente, parece que agem isentas ou isentam-se de escrutínio, não conseguindo conviver com a observação crítica e prosseguindo uma eterna festa infantil e, nos intervalos, promovendo confraternizações de amigos bem encadernados. Claro que não são todas – há bibliotecas, poucas mas há, que, por exemplo no Algarve, têm programação cuidada e rigorosa, cumprindo a missão de promover a leitura, aproximando autores a sério dos leitores que também lêem a sério. Não entram nos esquemas da papelada com o embuste da auto-ajuda, do exoterismo, da prosa com a chamada pornografia espontânea que está longe de ser erotismo, e desse amontoado supostamente poético que o erário público candidamente subsidia mas que não passa de manifestação serôdia de frustrações ou de temporão exercício de narcisismo frente ao espelho.

E, as bibliotecas públicas, ao lado das escolas, têm uma missão naturalmente pública e que não se compadece com a proletarização dos seus responsáveis. Num país que é dos mais retrógrados da Europa em matéria de leitura, como os índices comprovam, e numa região que nessa matéria está na cauda do País , como o fecho geral das livrarias igualmente comprova, as bibliotecas públicas não podem nem devem abdicar dessa missão, mesmo que à custa da “programação cultural", politicamente imposta pelos poderes locais, onde tudo conta para contabilizar votos futuros, por via do populismo, dos favores, das simpatias, da condescendência ao rude. Neste aspeto da rudeza que está nos antípodas da arte e da excelência, em 40 anos de democracia – democracia esta que não existe com solidez sem democracia cultural – o Algarve já produziu umas boas centenas de toneladas de livros sem peso na balança da história e sem leitores que não vão além dos sobrinhos e primos de seus autores, contra uns poucos quilos de livros com dignidade e qualidade para figurarem num Dia Mundial do Livro.

O que se passa em algumas bibliotecas públicas do Algarve, é de cair para o lado. Desmotivação dos seus responsáveis? Incapacidade? Falta de meios? Em alguns casos, será até de perguntar: criancice, imaturidade? Não sei. Também não sei se em todas as bibliotecas públicas se lerá a mensagem de Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO, a mesma UNESCO que instituiu este dia mundial. Aprender-se-ia muito com essa leitura, como se concluirá muito se os próprios responsáveis das bibliotecas públicas desconhecem tal mensagem.

Celebramos, por vezes orgulhosos, o Algarve e suas terras como terras e região de Autores. Mas, acabada a festa, e desarmada a igreja, verifica-se que, além dos muitos que omitiram ou trocaram Autores e Livros por devaneios,  alguns falaram deles sem os reconhecerem e muitos continuam a falar sem os lerem – nem os sobrinhos, nem os primos.

E assim, neste breve apontamento se celebra o Dia Mundial do Livro, livro que é a fita métrica da Sociedade. Diz-me o que lês, dir-te-ei o que e quem és, e também quanto medes.

Carlos Albino
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Flagrante surdez: Um democrata está surdo ou perto disso, quando lhe dizem que estará a gastar ou a usufruir dos últimos cartuchos, e não ouve. E até diz: “Nã s’nhôr! Né nada, come assim!...”

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