Deste
modesto posto de observação, não
nos compete mudar o mundo, mas tanto quanto possível observar se o mundo está a mudar
para pior ou para melhor. E nesta tarefa, naturalmente que há erros e acertos.
De modo que é sempre um risco, continuado risco, fazer o papel de observador
observado. Todavia, há factos, realidades, sentimentos gerais e constatações
comuns que permitem observar à vontade, e de tal modo à vontade que até nos
distraímos da possibilidade de erro. Uma dessas constatações é a da abstenção
crescente nas consultas eleitorais, um dos sentimentos é o do afastamento dos
partidos rotinados no poder relativamente aos cidadãos, uma das realidades é a
a da escolha de candidatos a isto e àquilo depender exclusivamente dos
“aparelhos” partidários muito pouco aparelhados, e o facto é o que vem à boca
de que é consciente de que pode estar a errar: a “crise do sistema” que é tanto
mais grave crise quanto os políticos se desacreditam nas palavras, nos atos, nas
omissões e quando abrindo a boca não dão uma para a caixa.
Quando o
Partido Socialista ousou escolher o
seu ”candidato a primeiro-ministro”, através de uma ampla consulta aberta para
além da fronteira dos seus militantes e ficheiros, fê-lo certamente como
resposta ao que então corria de boca em boca: que o Estado tinha que ser
refundado, que o sistema democrático tinha que ser reformado, que os partidos
tinham que se abrir à participação ativa dos cidadãos (e não estes como
ovelhinhas controladas no curral), e que os candidatos, para além de qualidade
e excelência, deviam ter manifesto apoio da sociedade ou pelo menos sinais
disso. Por aí fora. As “primárias” que levaram António Costa à corrida de 100
metros/obstáculos para primeiro-ministro, decorreram nessa crença de reforma do
sistema partidário, de resto mais ou menos saudada, como se costuma dizer, nos
“mais diversos quadrantes” e de tal forma que influenciou até a escolha de
muitos dos candidatos autárquicos, conforme as regras de diabolização local.
E agora
que estamos à beira de legislativas,
com a escolha de candidatos pelos círculos? À bera de uma presidenciais que,
tanto quanto a minha vida permitiu observar de circunstância em circunstância,
vai ser uma das escolhas mais sérias desde Américo Tomás que não foi escolha
mas AVC do sistema? E também quando já as próximas autárquicas batem à porta,
determinando estratégias veladas, quer da parte dos que, recentes vencedores,
estão a dobrar a metade de mandato, quer da parte dos que, frescos vencidos,
distribuem comprimidos não para reforçar a memória mas para a apagar? Agora?
Agora, a avaliar pelo silêncio geral, parece que o sistema está reformado, que
os cidadãos participam em pleno, que está reformado tudo o que, há pouco tempo,
todos aceitavam que tinha de ser reformado… Só que, nada está reformado, a
participação é escassa, os discursos são do género “vira o disco e toca a mesma
música”, o escrutínio público ou mesmo o simples pedido de escrutínio é
diabolizado, a lealdade volta a ter como sinónimo vassalagem, avisos e
advertências fundamentadas são amesquinhados e subalternizados por segredos de
gabinete. Sem qualquer prévia consulta, aberta, ousada, participativa e
verdadeiramente reformadora, tudo leva a crer, os próximos deputados já estão
escolhidos; é muito provável que o próximo Chefe de Estado, mesmo que chefie
pouco, já esteja filtrado; e que os próximos autarcas já tenham fato talhado,
mesmo que o populismo distribua escassos 35 por cento, a dispersão da esperança
inútil 5 por cento (ou 7) e a abstenção 60 por cento, ou perto.
Muito gostaria que este fosse um colossal erro de
observação. E também um astronómico erro do observador, caso este afirme que o
Algarve tem muitos líderes, líderes por todos os cantos, mas nenhuma liderança.
Carlos Albino
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Flagrante pedido: Às universidades, mais ainda à que está perto, que evite dissertações de mestrados (e até de doutoramentos) que não passam de brincadeirinhas e criancices maquilhadas de calões técnicos.
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