A Günter
Grass, devemos dizer obrigado.
Gostava da natureza e das pessoas do Algarve que considerava pacíficas. Para
quem viveu a guerra e que pelas suas causas teve uma vida atribulada, é um
elogio para a nossa terra. Dizia isso sem hesitações, ele, que acima da
polémica que gerou por nunca querer desculpar-se e desculpar a Alemanha da
catástrofe, acabou por ser a consciência moral da própria Alemanha.
Desde há
muito, vinha ao Algarve duas vezes
por ano, na primavera e no Outono, sempre com um manuscrito na mão – o seu
próximo livro. Era aqui que lhe dava a forma final. Obra vasta, Nobel da Literatura, tivemos como
vizinho que, além do trabalho das palavras, pintou, esculpiu e escolheu
Almancil para mostrar o que, rodeado pela natureza pacífica e por pessoas
pacíficas, ia criando. Foi assim que nada custa dizer que Günter Grass chegou
alemão algarvio e, sem alardear, fez-se algarvio alemão.
No “Tambor
de Lata”, escrito em Paris, obra
inicial que lhe deu logo vastíssima notoriedade internacional, Günter Grass
inventou um menino que se recusou a crescer. Possivelmente, esse menino acabou
por crescer na Mexilhoeira Grande, quem diria, acordando a consciência dos
alemães e dando ao mundo obras que fazem estremecer as pessoas relativamente a
uma reedição do poder alemão, oferecendo-se ele próprio como culpado. A sua
obra foi uma obra sobre a consciência de culpa, por isso um constante aviso e
uma constante advertência contra a hipocrisia e o cinismo.
Günter
Grass, a partir de agora, já não
voltará ao Algarve no próximo outono e na próxima primavera, com o seu
manuscrito, e para a sua pintura ou escultura. Mas o Algarve deve reviver
a sua obra e fazer com que Günter Grass não desapareça, mas perdure nesta
natureza pacífica e por entre estas pessoas pacíficas. Deve continuar como
nosso vizinho pacífico e essa será a melhor homenagem.
Carlos Albino
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Flagrante epidemia: A falta de cortesia é já uma epidemia no Algarve, tão normal e tão aceite que se esgota nos amigos e correligionários.
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