quinta-feira, 16 de abril de 2015

SMS 610. Günter Grass, obrigado

16 abril 2015

A Günter Grass, devemos dizer obrigado. Gostava da natureza e das pessoas do Algarve que considerava pacíficas. Para quem viveu a guerra e que pelas suas causas teve uma vida atribulada, é um elogio para a nossa terra. Dizia isso sem hesitações, ele, que acima da polémica que gerou por nunca querer desculpar-se e desculpar a Alemanha da catástrofe, acabou por ser a consciência moral da própria Alemanha.

Desde há muito, vinha ao Algarve duas vezes por ano, na primavera e no Outono, sempre com um manuscrito na mão – o seu próximo livro. Era aqui que lhe dava a forma final.  Obra vasta, Nobel da Literatura, tivemos como vizinho que, além do trabalho das palavras, pintou, esculpiu e escolheu Almancil para mostrar o que, rodeado pela natureza pacífica e por pessoas pacíficas, ia criando. Foi assim que nada custa dizer que Günter Grass chegou alemão algarvio e, sem alardear, fez-se algarvio alemão.

No “Tambor de Lata”, escrito em Paris, obra inicial que lhe deu logo vastíssima notoriedade internacional, Günter Grass inventou um menino que se recusou a crescer. Possivelmente, esse menino acabou por crescer na Mexilhoeira Grande, quem diria, acordando a consciência dos alemães e dando ao mundo obras que fazem estremecer as pessoas relativamente a uma reedição do poder alemão, oferecendo-se ele próprio como culpado. A sua obra foi uma obra sobre a consciência de culpa, por isso um constante aviso e uma constante advertência contra a hipocrisia e o cinismo.

Günter Grass, a partir de agora, já não voltará ao Algarve no próximo outono e na próxima primavera, com o seu manuscrito,  e para a sua pintura ou escultura. Mas o Algarve deve reviver a sua obra e fazer com que Günter Grass não desapareça, mas perdure nesta natureza pacífica e por entre estas pessoas pacíficas. Deve continuar como nosso vizinho pacífico e essa será a melhor homenagem.

Carlos Albino
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Flagrante epidemia: A falta de cortesia é já uma epidemia no Algarve, tão normal e tão aceite que se esgota nos amigos e correligionários.      

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