quinta-feira, 7 de maio de 2015

SMS 613. Como te recordo, Teixeira Gomes…

7 maio 2015

O nosso Teixeira Gomes, como se sabe, cultivou uma ideia helénica do Algarve. Em páginas ou passagens apuradas, ou ele não fosse um dos maiores estilistas da língua portuguesa, deixou-nos a ideia de um mar grego, rochas gregas, praias gregas, rostos e corpos gregos. Apenas não referiu a existência de cidades-estado porque, também, no seu tempo, Portimão não era Esparta, Faro não era Atenas, Tavira muito longe de ser Tebas, e Loulé ainda mais longe de ser Tróia embora fosse a Turquia do Algarve. Sem cidades-estado à vista, Teixeira Gomes construiu um Algarve lendário e tudo o que a realidade apresentasse como mau exemplo de civilização e de cultura, isso estava ao nível das ruínas, ainda assim belas ruínas para reforçar romanticamente a última zona da terra ainda povoada de heróis, deuses, ninfas, com sibilas e seus maridos, para não falar de algum Menelau em Olhão, algum Agamemnon em Albufeira, um Heitor em Monchique, Acrísio em Alcoutim, Teseu em Castro Marim, Príamo em Lagos, Aquiles em Lagoa, Jasão em Vila Real, um Estentor na RTA, um Belerofonte na CCDR, algum Odisseu em Aljezur, certo Academo na UALG, imaginem, um Ájax em São Brás, e qual Leonteu em Loulé, Neoptólemo em Tavira, Páris em Portimão, Pátroclo na AMAL, Protesilau em Vila do Bispo, um inesperado Sufax em Faro, e, muito embora a frase vá longuíssima, ainda cabe um Astíanax em Quarteira numa homenagem aos mega-aldeamentos turísticos cheios de gregos, às empresas municipais cheias de troianos e aos majestosos hotéis cheios de cavalos de madeira low cost.

Todo este mundo helénico que Teixeira Gomes não conheceu nem anteviu, permitiu-lhe ver no Algarve, a Grécia Antiga que modelou a Europa. Hoje ser-lhe-ia difícil sustentar a lenda, embora o céu continue azul, as praias estejam cheias de deusas desembarcadas, e o mar seja um mediterrâneo um bocadinho maior do que aquele que Ulisses atravessou mas permitindo que cada cidade-estado tenha o seu mar Egeu sem as mil ilhas – Faro e Olhão ainda têm algumas mas não chega, sobretudo com as demolições.

Estamos, portanto, com as nossas cidades-estado cheias de heróis, de deuses e até de guerreiros, com um brutal senão: sem cultura, mesmo a clássica. Muita animação de heróis, muito espetáculo de deuses e até muita gritaria eufórica de guerreiros, mas sem cultura, na definição clássica. Numa Grécia destas, em algum ano próximo, até Agosto deixa de ser Azul.

Carlos Albino
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Flagrante condecoração: A Polónia, dia 12 de Maio no Palácio Foz, por intermédio do seu Embaixador em Portugal, Prof. Bronisław Misztal, confere a José Mendes Bota a Cruz de Cavaleiro da Ordem de Mérito da República da Polónia. Mais um louletano distinguido, no caso, por factos, independentemente dos argumentos. 

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