quinta-feira, 24 de novembro de 2016

SMS 693. Sobre estes apontamentos. Etc., etc.

24 novembro 2016

Pela primeira vez, já lá vão uns bons anos, este apontamento é sobre estes apontamentos. E a razão que é simples depende da resposta a esta pergunta: sobre que escrever? Claro que temas não faltam no Algarve, temas velhos e temas inesperados. As carências são muitas, as soluções, por mais que reclamadas e prometidas, tardam ou são esquecidas. Os disparates designadamente políticos são incontáveis; o provincianismo alastra e até parece que satisfaz; a ignorância, coisa que não há muito tempo dava vergonha, agora até possui uma carreira hierárquica própria; a segurança volta a estar quase confinada à caça à multa e a acções de rusga individual seletiva; sobre o estado da saúde, designadamente a pública, é melhor nem falar, e de resto morre-se no Algarve conforme a carteira que se tem. Etc., etc..

Temas não faltam, muito embora quando chega a hora de escrever sobre algum dos muitos problemas ou acerca de alguma rara solução, o mais cómodo, possivelmente o mais inteligente seja dizer que o Algarve azul e doirado é um divino sonho à beira-mar, ou que belos mariscos, ou ainda, para os românticos pecos, que esta é uma terra de moiras encantadas que nem precisam de cartão de cidadão e também de passarinhos que saíram dos ninhos, felizes, coitados. Além disso, terra de bom marisco, excelente batata-doce, com muita animação de Natal nem por sombras pacóvia. Etc., etc.. Portanto, uma terra sem problemas de qualquer ordem e sem outra inquietação, angústia ou mesmo alegria que não seja bater ou elogiar o primeiro-ministro que está lá longe, dissertar profusamente e com muita sabedoria sobre o governo central que rendeu o outro centralmente tão longe como todos. Etc., etc..

Na verdade, falando com as cabeças pensantes, o Algarve não tem problemas e como não tem problemas, também não precisa de soluções. De vez em quando, por aí surgem uns desacatos promovidos por uns energúmenos, tais como a Via do Infante, a 125, as demolições na Ria Formosa, o petróleo, uma ou outra onda de assaltos, pouco mais. Tudo sem importância e passageiro.

Para quê, então escrever, um apontamento que seja, se um apontamento é para apontar, registar alguma coisa que foi vista, ouvida, lida ou que deve ser lembrada? A região está bem e não precisa de nada. Para quê apontar?

Carlos Albino
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Flagrante constatação: Sabe-se lá porquê, mas basta subir a um monte para se verificar que a linha do mar ao fundo está muito mais alta.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

SMS 692. Municipalismo e Cidades-Estado

17 novembro 2016

Tal como nas marés, a contagem das ondas indica a preia-mar ou a baixa-mar, assim também com eleições mais ou menos à vista e em matéria de regionalização, descentralização e outras minudências populistas, a contagem de anúncios temporãos, intenções baratas ou promessas falsas indica a vazante ou a enchente da política, aliás da má política ou da política que mata a Política e que pouco a pouco vai minando a confiança dos cidadãos. Depois de tanta descentralização para as autarquias sem que estas – os seus quadros políticos e técnicos para isso estivessem ou estejam preparados -, com a contagem decrescente para as eleições autárquicas aí estão a surgir promessas, intenções e anúncios de mais descentralização, não para as regiões (assunto que ficou na gaveta) mas para as regiõezinhas mapeadas pelo poder local. Com esta prática e invocando-se em vão o nome sagrado do municipalismo, não se conseguiu, não se consegue e não se conseguirá qualquer descentralização, mas apenas a criação de sucursais do Estado, ampliando-se medonhamente a burocracia sobretudo onde e quando a burocracia se cruza com interesses inomináveis. Onde devia existir Região e não existe, como é o caso do Algarve, as sucursais locais do Estado criam uma teia burocrática mais complexa que a própria burocracia do Estado cujos excessos, à partida, foi anunciado e prometido combater. Além disso inviabilizaram qualquer ideia de região a sério, embora essa ideia seja mantida à custa de órgãos decorativos absolutamente inúteis e ineficazes que o cidadão desconhece e que apenas serve para mero prestígio socia dos empossados.

As burocracias municipais que configuram a sucurssalização do Estado e não a sua descentralização, mais longínqua ficando a regionalização, acabam por ser um travão para as pessoas, para as empresas, para todos. Nunca com tanta internet, tanto correio electrónico, tanto Google e tanto digital, foi necessário tanto papel para tanto postigo e tanta capelinha, onde as interpretações fundamentalistas da lei são o pão nosso de cada dia. O serviço público, assim, em vez de cumprir a missão de ajudar o cidadão, parece existir apenas para complicar a vida de cada um. Em vez do exercício pacífico do poder local, aí temos de volta o exercício do poder de secretaria, por vezes com tiques de autoritarismo sem travão. Pior, sem escrutínio. Pior ainda, poder que não tendo sido eleito, acaba por condicionar, interferir e dar voz de comando ao poder eleito. Nunca, com tanta cidade-estado, a região esteve tão longe, nomeadamente como desiderato e finalidade.

Naturalmente que nas regiões onde o imobiliário e actividades adjacentes é a principal se não até a única “indústria”, a burocracia apenas não é religião porque se rege pelo velho e nefasto princípio segundo o qual o segredo é a alma do negócio. E quanto mais desta “descentralização”, melhor para tal segredo. Infelizmente, a contagem das ondas desta alma e deste segredo, indicam vazante de Política, e não maré enchente.

Carlos Albino
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Flagrante liderança regional: Ninguém.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

SMS 691. As comunidades e os silêncios

10 novembro 2016

O Algarve tem várias, muitas comunidades. Umas de residentes que por prestígio rejeitam ser considerados imigrantes internos ou externos, outras de imigrantes para os quais é secundário serem residentes, umas a quem cabe apenas a legenda de trabalhadores, outras que embora pouco ou nada invistam a não ser no consumo, reivindicam o estatuto de investidores, umas que são de islâmicos, outras de anglicanos, luteranos, evangélicos, etc., umas que, com noção do conceito de acolhimento, falam e escrevem em língua portuguesa, outras que vivem e circulam como se isto fosse uma colónia sem língua, umas que formam por cultura grupos fechados, outras que por sobrevivência e instinto de integração são propensas à abertura e ao diálogo sem grande esforço ou cara franzida, umas com jornais próprios, outras apenas com cinema mudo. Há de tudo. E neste tudo, ainda entra um apreciável grupo de gente que ninguém sabe se fazem ou formam uma comunidade – os ciganos. É, no fundo, o novo Algarve multicultural e miscigenado que se vem formando nas últimas décadas. Basta ir a um cemitério para se constatar que, apesar de novo, esse Algarve já vai jazendo com uns ao lado dos outros sem disputa de língua, religião ou possidências. Já entre os vivos, claro que o comportamento, opinião ou atitude de um ou alguns indivíduos de cada comunidade ou grupo, não pode nem deve ser generalizado a todos, nem quem acolhe ou aceita a vizinhança pode ou deve exigir opinião e comportamento. Mas há uma linha que define no mínimo como estranho o silêncio de uma comunidade minoritária sobre problemas graves ou inquietações profundas da Comunidade geral onde é suposto que esteja inserida muito antes da paz dos cemitérios.

É agora conhecido e divulgado o caso das crianças portuguesas arrancadas às mães no Reino Unido, tornando visível uma rede de interesses que, muito próximo do comportamento e possivelmente da opinião dos antigos corsários, envolve médicos, advogados, assistentes sociais e pescadores de subsídios. Naturalmente que não é de pedir à comunidade islâmica do Algarve que rompa o silêncio sobre a matéria, embora também não rompa lá muito sobre matérias inquietantes que levam muitos a cometerem o erro da generalização. Cada uma das várias comunidades tem ou faz o seu silêncio próprio, o que não é grave quando o caso não é grave. Mas no caso das crianças traficadas na Inglaterra por pirataria supostamente legal, é de pedir à comunidade britânica que diga uma palavra, que esboce uma opinião, que faça uma demarcação pública e visível, que se esforce por contrariar uma cultura de suspeição.

E não entramos em pormenores.

Carlos Albino
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Flagrante orçamento participativo: Festivais, animações, celebrações, eventos e outras coisas mais quase sempre municipais mas encomendadas a agências longínquas que não pisam nem conhecem o Algarve, comendo receitas e erário público quando a política se transforma na arte de atirar areia para os olhos, bem vistas as coisas, é um orçamento participativo para tais agências.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

SMS 690. O vírus do populismo

3 novembro 2016

Obrigado, Jorge Sampaio, vem na hora exacta o alerta. O populismo é um vírus. Um vírus contagioso e muito resistente que consegue passar anos sem se evidenciar, mas é o responsável pelo surto, primeiro, da desconfiança, depois da abstenção e, finalmente, de destruição da democracia tal como a entendemos já por rotina, embora muitos a tenham desejado festivamente. E é um vírus que não ataca apenas lá em cima. Lá em cima, o trabalho do vírus só tem êxito quando cá por baixo se propaga e chega a ser cultivado como santo da casa. Esse vírus começa por anular a consciência dos que infeta, manipula com habilidade os valores do bem-comum em função de interesses, uns difusos, outros hostis ao que a sociedade de melhor quer, deseja e sabe ser possível, e porque é vírus, dissimula-se levando o infectado ao discurso enganador, à recusa do escrutínio dos actos, e à convicção dele e dos outros que contagia, de que se pauta por valores, serve o bem-comum e reforça as instituições da própria democracia onde se alojou pela lógica da conquista do poder ou da manutenção do poder. E porque é vírus, convence.

Nas sociedades onde não há comunicação ou onde a comunicação é confinada, inadequada e insuficiente (como é o caso do Algarve), não havendo escrutínio, análise e despiste, o vírus nem precisa de ter nome porquanto tem o nome de cada um dos portadores, nome que até passa por respeitável. Grassa à vontade e circula por todos os partidos sempre que o poder alcançado não coincide com o dever que o vírus atraiçoa. Grassa não apenas pelos directórios e pelas assembleias circunstanciais dos partidos locais. Grassa pelas instituições das freguesias e dos municípios, onde, em vez do serviço público e da disponibilidade criativa e apaziguadora do cidadão, faz de cada divisão, departamento ou gabinete, uma unidade beligerante que contradiz o discurso do chefe dos vírus que, por regra, é um discurso redigido pelo próprio vírus.

Esse vírus do populismo age de preferência cá em baixo, evita que alguma vez pareça provocar uma doença de Estado, porquanto nesta eventualidade, por pudor ou por sobrevivência do próprio Estado, dificilmente evitaria uma acção de erradicação, ainda que aparente. Cá em baixo é o seu terreno, sabendo o vírus que pouco a pouco vai grassando o mapa e, sem que os administrados se dêem conta, fica com o proveito da doença do Estado, sem que desta tenha fama.

Jorge Sampaio tem toda a razão. É preciso retirar do seu aviso todas as ilações.

Carlos Albino
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Flagrante cúmulo: Disseram-me e provaram que, num dado município algarvio, para um projecto de arquitectura de um jazigo, os serviços exigiram planos de água, gás e electricidade… É do outro mundo.  

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

SMS 689. Sagres, eis a questão

27 outubro 2016

Não é que todo o gato material e todo o sapato imaterial tenham sido classificados como património da humanidade, mas a forma como o processo de Sagres tem andado enrolado, choca. Quando Sagres se ajusta a vários dos dez critérios para sem favor ser incluído na lista do Património Mundial, choca ver reduzido esse inquestionável símbolo a mera peça de um pacote atado com atilho da globalização que é coisa que dá para tudo – até um grão de areia da Costa da Caparica, bem vistas as coisas, contribuiu para essa visão marciana da Terra.

É verdade que Sagres não representa uma obra-prima do génio criativo humano, mas é prova insofismável (e multissecular, como voltaria a dizer Estrabão) de um intercâmbio importante de valores humanos; é um testemunho excepcional, de uma tradição civilizacional que pontuou a Europa, e é exemplo de um conjunto de elementos tecnológicos e de paisagem que ilustra significativos estágios da história humana (basta olhar para o gigantesco relógio solar de quatro quadrantes, mais do que certo para apoio das actividades náuticas, muito anterior ao Infante). Para citar os termos usados desde 2005 pela UNESCO, Sagres está diretamente associado a tradições vivas, com ideias ou crenças, de destacada importância universal, entra pelos olhos do Atlântico como fenómeno natural e área de beleza natural e estética de excepcional importância, além de exemplo excepcional representativo de diferentes estágios da história da Terra, como registo dos processos geológicos no desenvolvimento das formas terrestres e elementos geomórficos importantes. E como se não bastasse, além do disperso acervo pré-histórico e histórico, Sagres é também exemplo excepcional de processos ecológicos e biológicos significativos da evolução e do desenvolvimento de ecossistemas terrestres, costeiros, marítimos ou aquáticos e comunidades de plantas, ostentando importantes e significativos habitats naturais para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo espécies únicas e ameaçadas que possuem um valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação.

Neste serviço de mensagens curtas, não se pode dizer tudo de uma só vez. Continuaremos. Sagres merece e não pode ser tratado nem como gato e muito menos como sapato.

Carlos Albino
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Flagrante mentira: O Hospital Central do Algarve.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

SMS 688. Os livros roubados

13 outubro 2016

Tornou-se universal o provérbio islâmico de que se Maomé não vai à montanha, a montanha vem a Maomé. Foi o que aconteceu na sexta-feira 14, quando Ismail Serageldin, o diretor da nova Biblioteca de Alexandria - chamada Biblioteca Alexandrina para não se confundir com a antiga, a que acabaria por desaparecer num incêndio, ainda por esclarecer – quando resolveu mostrar como as novas bibliotecas usarão os meios eletrónicos ao serviço do livro. Veio explicar, ajudado por um power-point ilustrativo, como o futuro terá de associar os dois livros, o impresso e o digital, e como o segundo, filho do primeiro, servirá para criar mais pessoas instruídas, críticas, cultas e mesmo sábias. E veio dizer que, à semelhança do que se passou com os textos escritos no barro, que coexistiram durante séculos com os livros em papiro, e estes com os livros em pergaminho, e estes com os livros impressos em papel, assim os impressos coexistirão, durante muito tempo com os novos, os imateriais, os que se leem no computador e no ipad. Veio dizer que essa coexistência pode ser pacífica, se os meios forem bem utilizados, se os novos bibliotecários forem o que se espera deles - Educadores que terão o dever de guiar os jovens e as crianças na direcção dos livros, quando o mundo comunicacional, de tão intenso, profuso, descontínuo e contraditório, os deixa navegando num espaço sideral de desnorte de informações sobrepostas. Não nos esqueçamos nunca que a palavra desastre significa perder os astros.

Na grande sala da Gulbenkian, encontravam-se bibliotecários do Algarve que, à semelhança das centenas que enchiam o recinto, ficaram com o recado. Trouxeram, por certo o recado. Vamos acreditar que sim. E vamos esquecer, por um tempo, que as estatísticas colocam esta região no fundo da tabela da leitura em Portugal. Vamos imaginar que arrancamos na direção de uma estatística nova, aquela que coloque as crianças e os jovens deste “antigo reino”, num bom lugar da tabela, em relação a esse lugar nascente da leitura que conduz à sabedoria. Neste momento em que tanto se voltou a falar, com razão, nos livros roubados pelo pirata do conde de Essex ao Bispo de Faro, em 1596, o recado do Diretor da Biblioteca de Alexandria em território português deve ser lido como um aviso – Por favor, não se deixem roubar como antigamente, mas agora por vossas próprias mãos. Não queiram ser os roubadores de livros das gerações que se erguem para o futuro, quando tanto precisam deles. Para serem more informed, more critic, more independente. Palavras da montanha.

Carlos Albino
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Flagrante arrepio na espinha: Se é verdade, essa história da Câmara de Faro querer vender uma peça única do Museu Municipal para conseguir umas coroas, é meio caminho andado para a candidatura a Capital Europeia da Cultura…

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

SMS 687. O caminho descendente do petróleo

6 outubro 2016

1.      Não me digam que não gosto do petróleo. Não o detesto nem o odeio. Nunca lhe chamei o líquido pecaminoso, apenas tenho dito que, junto dele, muitas vezes, se tem enroscado o pecado. Nada mais. Mas sempre agradeci que no final do século XIX uns rapazes tivessem começado a imaginar o futuro que foi o do século XX, o século que engendrou duas monstruosas guerras, mas, ao mesmo tempo, guindou-nos para patamares da civilização nunca antes alcançados, muitos deles por via do petróleo. Obrigado, petróleo, esse líquido que chegou aos carros, com uma cor amarelada como se fosse cerveja, mas aos candeeiros de vidro dos nossos avós chegou entre azul e cor-de-rosa, e aos fogões dos anos cinquenta emprestou um odor que ainda hoje há quem o tenha no olfato, um cheiro ácido, de mistura com o da sopa que, sobre três pés de metal, se fervia. Rimo-nos? Não, não nos rimos. Esse era o cheiro do progresso que então chegava à cozinha. Por tudo isso, nunca detestei o petróleo. Só que hoje, desejo que o crude comece a ficar no fundo da terra, para acautelar as nossas vidas, as vidas dos nossos descendentes e a própria sobrevivência da Terra. O seu a seu dono, e cada tempo com o seu. Só que as mensagens, ultimamente, andam confusas.

2.      Muito confusas, mesmo. Os alemães também gostam do petróleo, e já gostaram muito mesmo, criaram máquinas movidas a seus derivados que fizeram avançar a Europa e boa parte do mundo. Espertos? Trabalhadores? Visionários da tecnologia e do progresso mecânico? Sim, claro. Por isso mesmo, não admira que o Parlamento Alemão acabe de aprovar uma lei que impede a comercialização, no seu mercado local, de automóveis novos movidos por motores de combustão, a gasolina ou petróleo, e que isso vá acontecer já a partir de 2030. Esta decisão, já desta semana, dá que pensar. E isto duas semanas depois da inauguração da primeira carreira de comboios alemães movidos a pilhas de hidrogénio…

3.      Dá muito que pensar, sobretudo quando se é português. E ainda mais, quando se é português e se nasceu ou se vive no Algarve. É que aqui, quando o mundo começa a descarbonizar-se, pensa-se na carbonização. Aqui, quando os furos, um pouco por toda a parte, começam a ser reduzidos, preparando-se os países para meterem prego ao fundo, e desacelerarem na produção de energia de baixo carbono, andam umas pessoas, políticos, geólogos e parceiros das petrolíferas, a fazer reuniões mais ou menos controladas, para discutirem os benefícios da exploração do petróleo no Algarve. O que os move? Que convicção? Que interesse? Que ideal? Que clarividência? Que iluminação? Porque querem fazer, agora, aqui, o que nunca se fez, quando a exploração era rentável, e o negócio era lucrativo? Inimigos da nossa terra, tomem cuidado. Há negócios que são demais!

Carlos Albino
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Flagrante sabedoria popular: Claro que, em sentido figurado, designadamente para efeitos eleitorais ou pré-eleitorais, continua a ser válido que em terra de cegos o zarolho é rei. Só que nunca será conveniente que esse rei seja o único oftalmologista da terra… 

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

SMS 686. Educação pública, usos e costumes

29 setembro 2016

Amiúde, carros parados, alguns bem longe do abate, e homens regalados com seus repuxos de bexiga contemplando os três mil componentes do fluido excretório que o fecho-éclair facilita como ato heróico. Por vezes, com instalações sanitárias disponíveis a dez metros. Amiúde, em cafés centrais das localidades a fazerem regra dos das periferias, conversas que deviam ser em tom brando mas que se desenrolam aos berros, cada língua a atropelar o céu da boca do outro e ninguém se ouvindo como se diálogo fosse uma batalha de megafones implantados nas gargantas. Amiúde, o mais baixo calão onde a matéria-prima das Etares faz de sujeito, verbo e complemento direto, com murros nas mesas sobretudo nas sessões televisivas que já fazem da bola uma aula de embrutecimento consentido se é que não é mesmo desejado. Amiúde, uma valente escarradela como tiros ao alvo para o espaço livre entre dois desconhecidos que vão à frente. Amiúde, gente aperaltada e saída esmeradamente do salão de cabeleireira, a coscuvilhar da vida privada alheia aos supetões para que quem ouça fique a saber mais dos ausentes do que se ficaria a saber fazendo devassa dos segredos do confessionário. Amiúde, em restaurantes e quando menos se espera, um poderoso arroto só comparável aos arrotos das vacas domesticadas em cuja ração, para obviar isso, não entra a alfafa e a semente de linhaça, que estão mais próximas das gramíneas que haviam comido no estado selvagem, antes de serem domesticadas. Amiúde, nas grandes superfícies, umas amostras de gás metano de quem se sente no dever de fazer lembrar os outros como é respirar em Marte no centro de uma erupção de gás metano.

Já nem vale a pena falar da cara-de-pau do funcionário ou da funcionária que não diz bom dia, se faz favor, em que posso ajudar, mas dispara aquele “o qué que quer”, ou aquele “diga lá”, ou ainda, o que é pior, nada diz mas abrindo os olhos como polícia do estado islâmico sem se aperceber que a má educação, o mau feito a falta de civilidade lhe transforma a vestimenta de boa marca na pior burka, por mais que pinte os lábios, exiba unhas de gel ou, no caso dos homens funcionários, por mais que pintem a antiga quarta classe com as cores de mestrados. Já nem vale a pena falar dos que atiram à rua pelas janelas todo o género de desperdícios desde os íntimos aos que os frutos se arrependem por terem nascido com caroço. Já nem vale a pena falar dos que circulam a 150 à hora num beco, ou com os altifalantes de seus carros numa exibição de novo-riquismo só comparável a carrossel montado na selva africana, ou que entendem que uma passadeira de peões é mesmo para passar a ferro, ou que, de modo geral, que com um volante na mão, vidros fechados e nariz de catavento se julgam senhores do mundo dispensados de gentileza, dispensados de um sorriso como sinal de agrado por alguma delicadeza alheia.

Etc. Sim, etc… Quem conhece o País, sabe que isto no Algarve é pior que noutros lados, quer pelo que amiúde se constata, quer por aquilo que já nem vale a pena falar. Se houvesse um ranking nacional de educação pública, estou em crer que o Algarve está na cauda, pelo que não é de admirar que a sociedade, além de ser infelizmente uma sociedade com elevado teor e risco de desenraizamento, seja uma sociedade agressiva e até incendiária por dá aquela palha.

As autarquias que tanto dinheiro gastam na promoção de “eventos” com cartazes pelos cantos, folhetos às montanhas e respetivos cálculos populistas, poderiam e deveriam desviar um por cento, um por cento bastaria, para uns papelotes pedagógicos, papelotes de educação pública, a começar pela boa utilização dos equipamentos públicos. E como é de pequenino que se torce o pepino, poderiam e deveriam em parceria com as escolas e bibliotecas das suas áreas cultivar um esforço conjunto e eficaz no sentido do civismo, da civilidade e. já agora usando palavras que todos referem mas poucos levam à prática, no sentido dos Valores.

Carlos Albino
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Flagrante sugestão: Vai nos 18 anos de existência o Encontro de Música Antiga de Loulé, que este ano abre já neste domingo (dia 2), na Igreja de Querença com o músico sevilhano Emilio Villalba no concerto “Secretos Medievales /El sonido olvidado”. Depois, dia 8 de outubro, segue-se o Ensemble de Flautas de Loulé (do Conservatório de Música de Loulé) e o Ensemble Pictórico (Escola de Música do Conservatório Nacional), num concerto de música vocal e instrumental do período barroco, na Igreja de Boliqueime. E por aí afora, até 30 de outubro. A Música Antiga de Loulé, agora dirigido pela flautista Ana Figueira, corre, por assim dizer, pelas igrejas e capelas, e esta é uma das tais coisas que eu gostaria de ver o Ministro da Cultura a aplaudir por é uma das tais coisas em que não há discriminação entre visitantes e visitados. Mas quem chegar primeiro, visita melhor.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

SMS 685. As verdades dos outros são muito cómodas…

22 setembro 2016

Sobre as coisas que direta ou indiretamente a todos dizem respeito, já é tradição esconder ou dizer apenas a parte que nos interessa, caminhando-se alegremente para a sabida fórmula final do “todos ao molho e fé em Deus” ou do “cada um que se governe”.

Vem isto a propósito da avaliação do Turismo agora feita e divulgada em Espanha, designadamente a face oculta desse setor-chave em qualquer país que precise de dinheiro em circulação e investimento. A face visível é a que, também em todos os países, é fornecida pelos canais oficiais e pelas correias de transmissão dos interessados. A face oculta é como o outro lado da Lua - sabemos que existe, mas não se mostra e até talvez convenha que a Lua não faça rotação.

Um relatório das duas organizações sindicais espanholas maioritárias no setor do Turismo (CCOO e UGT) acaba de fazer um retrato nada recomendável  da face oculta dessa atividade emblemática da recuperação económica de Espanha. Basta referir que até agosto, o turismo espanhol superava os 50 milhões de visitantes estrangeiros, quase 8% mais que no mesmo período de 2015.

Então, qué pasa? Passa-se fraude generalizada à segurança social, horas extraordinárias jamais pagas, precariedade laboral recorde, falsos trabalhadores independentes... Que o emprego turístico que está a ser criado é precário, a tempo parcial e em muitos casos fraudulento. Que os dados oficiais não correspondem com o emprego declarado porque se trabalha mais horas que as contratadas - denunciam os sindicatos uma enorme taxa de horas extras não declaradas representando 20% do total, o que configura uma situação negra e oculta. Que pela precariedade extrema, proliferaram os contratos através de empresas multiserviços, pelo que as remunerações são uns 30% menores que os garantidos pelos acordos setoriais. Que as atuais condições laborais do turismo espanhol são frágeis, de alta volatilidade e de curto prazo, afetando mais os jovens e as mulheres. Além disso que a administração não combate a economia subterrânea, designadamente na atividade não regulamentada do aluguer turístico.

Ora muito bem, isto é em Espanha, nós por cá nada disso. As verdades dos outros são muito cómodas para quem esconde ou dissimula as próprias verdades, ou então as selecciona conforme as conveniências. Todos ao molho e fé em Deus.

Carlos Albino
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Flagrante equívoco: Julgava, até há dois dias, que o grande volume de investimentos no Algarve, sobretudo na imobiliária, corria pelos offshores e que as sedes financeiras dos que operam mais significativamente no Algarve não têm cá pé, pelo que tanto faz o imposto ser assim ou assado. Por isso mesmo, julgava até há dois dias, que uma espécie de sociedade paralela de interessados apenas está no Algarve como preparo para entrada no paraíso fiscal. Puro equívoco, puro engano! Afinal, os investimentos, as sedes financeiras e a tal sociedade paralela tanto que têm pé que até perdem o pé.
   

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

SMS 684. Nós, os políticos…

15 setembro 2016

A palavra paradigma aplica-se com justeza a José Manuel Durão Barroso. Já andámos por muito tempo e cansativamente à procura de “um novo paradigma” para a política portuguesa, os políticos que se dizem fora da política ativa para não falarem das coisas pelos seus nomes usaram até à exaustão a palavra paradigma, para os que surgem a pregar nos canais de televisão como tempos dissimulados de antena e nas colunas partidárias cativas em jornais já foi paradigma para um lado e paradigma para o outro, houve um tempo em que Portugal era uma chuva continuada de paradigmas sem que alguém explicasse com clareza a que paradigma de referiam. E como as modas paradigmáticas pegam, nas campanhas eleitorais lá saltava da boca a palavra paradigma, desde o candidato a deputado que, omitindo ideias por vezes por manifesta impotência, pronunciava o seu paradigma como dentífrico, passando pelo candidato à câmara que não botava discurso sem 47 paradigmas, até aos concorrentes das freguesias - houve um que, verberando o presidente de saída por falta de obras públicas e prementes, se propôs, caso ganhasse, à “construção e inauguração de um grande paradigma no centro da freguesia”… Pelos vistos, toda esta gente, ao falar de paradigma, além de gastar a palavra, parece que não sabia o que estava a dizer. Não é o caso de José Manuel Durão Barroso que sabe muito bem o que é um paradigma, e agora mais sabe até porque ele próprio se converteu num triste caso paradigmático, a contrastar com o teor dos discursos laudatórios, quer do condecorante quer do condecorado, mal deixou de ser um paradigmático presidente da Comissão Europeia, por supostos serviços prestados ao paradigma nacional.

Em simultâneo com a “era dos paradigmas”, foi também inaugurada a fase dos discursos dos que mal abriam a boca, usavam o plural majestático - “Nós, os políticos…” Talvez para fazerem crer que os  políticos, assim auto-discriminados, eram uma espécie em vias de extinção a qual urgia ser protegida, talvez para inculcarem a ideia de que tal espécie humana incluía apenas sacrificados em nome de um difuso interesse público, ou então predestinados, sabe-se lá por que critérios divinos, para servirem os outros heroicamente. A vida política era assim apresentada como que um “sacrifício público” sem paga possível. E para justificar a falta de qualidade de tais sacrificados ou predestinados, chegou-se a espalhar o receio de que ninguém, nenhum quadro ou nenhuma inteligência reconhecida queria “entrar para a política” e assegurar a continuidade da espécie. Na verdade, quem os ouvia e infelizmente ainda ouve, também se referiam e referem aos imolados usando o “Vós, os políticos…”

Os factos acabaram de anular os receios - são bastantes, muitos e cada vez mais os que querem ser políticos, desde que a política lhes faculte o paradigma de uma carreira, pela qual subam até mais não, por via dos paradigmas filtrados e administrados por pequenos colégios ou grupos (locais, provinciais e nacionais, porque europeus ainda são uma ficção sem hino sentido, sem constituição a sério e sem bandeira que ocupe o lugar número um do estrado). Os paradigmas saídos dessas minorias (quanto mais locais, mais padigmáticas) , ainda assim podem invocar a ética política, enquanto o seu escrutínio pela sociedade for meramente formal e gerida pelos que tanto dizem “Nós, os políticos…” como pelos que se isentam com o “Vós, os políticos…”, não se saindo daqui.

José Manuel Durão Barroso é um mero caso paradigmático de quando a política e a ética não se apresentam como duas retas paralelas que garantam a qualidade da Política e da Ética. Fez-se vítima da ratoeira do seu próprio paradigma. É um caso paradigmático de topo, é certo, mas há mais, muitos mais casos de tais paradigmas: nacionais, provinciais e locais.

Carlos Albino
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Flagrante prova de RTP Regional do Porto: A Universidade do Algarve segue na tendência de consolidação do número de candidatos colocados na 1ª fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior acima da média nacional (51%). O noticiário nacional da televisão pública feito a partir do Porto, foi ali à Universidade do Porto, à distância de um braço que Marrocos fica longe. Isto é que é regionalite aguda.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

SMS 683. Um elevado ato de cultura

8 setembro 2016

Uma simples carta pode ser um elevado ato de cultura, sobretudo quando abre com a frase de Dmitri Shostakovich - “A Arte destrói o silêncio”. A carta foi endereçada por Joana Carneiro, maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, os destinatários, presumo, foram muitos, mas na parte que me toca não poderia ficar em silêncio. Todas as orquestras começassem a temporada com cartas como esta e todas as orquestras tivessem maestrinas ou maestros que semanas antes de suspenderem na batuta o silêncio geral da sala, escrevessem - “sempre entendi a Música como uma arte de relação: relação entre os músicos da orquestra e da orquestra com os criadores de todas as artes, com a comunidade e com a História”. Na verdade, sem esta relação, músicos, criadores, comunidade e História ficam em silêncio e sem a Arte que destrua os silêncios mortais. Joana Carneiro definiu essa relação como a ideia fundamental da orquestra que dirige e que, assim se espera, depois do Centro Cultural de Belém vai percorrer o País, País onde há muito silêncio.

A concretizar a relação da Orquestra Sinfónica Portuguesa com criadores de outras artes, diz-nos Joana Carneiro que “é com enorme alegria que podemos anunciar uma criação do grande artista Júlio pomar que, generosamente, graças ao seu traço genial, acedeu ajudar-nos a compreender uma das mais importantes peças sacras de hoje: as Sete Últimas Palavras de Cristo, de James MacMilan.” Sublinhe-se que, no País onde nem sequer a Arte destruiu o silêncio, quando uma orquestra, desde a de pífaros escolares à de solistas reunidos, apanha uma sombra de Júlio Pomar que seja ou mesmo um qualquer criador que faça sombra, não é a orquestra que é ajudada a compreender, mas, pelo contrário, ela ou o seu maestro é que faculta ao Artista ou criador a aprendizagem. É claro que, perante orquestras e maestros destes, os “públicos” ficam em silêncio por uma questão de civilidade e de lhaneza.

A temporada ainda não começou, os músicos estão longe de tomarem as suas cadeiras no palco e na estante de regência está para ser colocada esse pequeno bastão para substituir o rolo de partitura a que se chama batuta, introduzida por Carl von Weber, vai para 200 anos, e que ficou para sempre a distinguir o silêncio da Música. Desconhece-se como a temporada vai ser, desconhece-se se o périplo da Orquestra pelo País vai ou não ser uma espécie dessa semi-volta a meio-Portugal, mas, para começar, a carta de Joana Carneiro, redigida com alegria, juventude e crença em que só a Arte destrói os horríveis silêncios próprios do despovoado, tal carta foi e é um elevado ato de Cultura.

Assim sendo, se Joana Carneiro e a sua Orquestra vierem ao Algarve, sejam bem-vindos que a gente precisa de combater a sazonalidade cultural.

Carlos Albino
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Flagrante Vítor Neto: A Associação Empresarial da Região do Algarve (NERA) propõe que seja realizada «uma reflexão regional séria sobre as causas da evolução positiva do ano», que envolva «empresários, instituições e forças sociais da região interessadas na economia e no emprego», para manter esta dinâmica positiva, nomeadamente no setor do turismo. Adverte Vítor Neto que  o Turismo beneficiou das crises de destinos concorrentes, mas que seria um grave erro pensar que essa situação se vai manter. Com ritmos diferentes, todos eles irão tentar recuperar. E têm atrás de si poderosos interesses a apoiá-los (Estados intervencionistas, grandes investidores internacionais, operadores turísticos, cadeias hoteleiras, companhias aéreas…). Mais adverte, que o Turismo dos portugueses na região, exige análise rigorosa: dos números, formas de alojamento, consumos. Tal reflexão regional impõe-se porque não bastam as análises «nacionais» que «esquecem» sistematicamente a especificidade do Algarve e diluem – por razões políticas – o seu peso no quadro nacional. Quem me avisa, bem me quer.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

SMS 682. Sim, por uma sociedade decente...

1 setembro 2016

É um título de livro. Calma, que não é súplica, apelo ou, muito menos, reprimenda. Cheguei à página final, a 268, e dei por mim a repetir – “Este homem pensa, precisamos de pensadores como este”. Sim, “Por Uma Sociedade Decente”, é o livro* mais recente de Eduardo Paz Ferreira, um professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa que nos fala terra a terra. Aliás, seria bom que falasse e fosse ouvido de terra em terra. Não vamos aqui falar sobre o livro, mas do livro. Oito capítulos, cada capítulo com uma mão cheia de breves ensaios que acabam por ser um filme das esperanças e pavores dos nossos dias. Filme pensado sobre o que há a fazer e nos deve comprometer no que esperamos de bem, e pondo o dedo nas feridas de que nos queixamos quando nos apercebemos que a vida apenas faz sentido em sociedade. Numa sociedade que seja decente. A vida só não faz sentido numa sociedade indecente.

Vale a pena descrever ou seguir à letra as cenas deste filme de ensaios de Eduardo Paz Ferreira, com tomadas e planos que dão interpretação às cenas dos nossos dias, as quais suscitam discussões, geram inquietações, e, se ou quando o filme for falado em língua não materna, só tem legendas decentes na hora do voto, seja este sim, não ou nim. O filme abre com uma interrogação: “Setenta anos depois da Segunda Guerra Mundial: o que ficou do espírito de 45?”. Segue-se a cena de que tantos falam, poucos entendem e bastantes se aproveitam para enriquecimento sem justa causa: “Estado Social: ascensão e crise”, a que se segue um diagnóstico já do tempo de gente hoje madura - “A década de 70: um mundo novo, valores em mudança”. Depois, uma pergunta sacramental para famílias sem empresa, empresários sem família e ofícios correlativos: “O Estado pode pouco?”. E não poderia ser omitida a cena que, em língua materna, tem por título “O declínio dos sindicatos e a economia do biscate”. A seguir, a cena que se entende por gestos como no cinema mudo, mas que poucos ousam dizer decentemente em voz alta: “A desigualdade mata as pessoas. A desigualdade mata as economias”.  E tal como na linguagem cinematográfica há um elemento essencial que se chama corte, lá se segue o corte: “A sociedade de consumo: as avenidas da liberdade”. E para remate da ação, uma cena titulada entre aspas porque pega no título desse notável livro de poemas de Luís Filipe Castro Mendes: “A Misericórdia dos Mercados”.

Eduardo Paz Ferreira chamou à cena final deste filme de ensaios – “Em jeito de conclusão: uma proposta modesta, começar de novo”. Aqui é que surge um senão, porquanto é de lhe pedir que não conclua – continue. Uma conclusão pertence a tratados, e ensaios são para continuar, continuar e continuar a luta por uma sociedade decente.

* “Por Uma Sociedade Decente - Começar de Novo vai Valer a Pena”, Eduardo Paz Ferreira (Marcador Editora/Presença, julho de 2016)

Carlos Albino
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Flagrante deficiência: Com tanto festival por aí imitando-se uns aos outros, falta um festival - o dos Macacos de Imitação.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

SMS 681. A AMAL não tem presença que se veja e sinta

25 agosto 2016

Foi tendo vários nomes, mas tal como a mulher de César, teve sempre epíteto de bom tom - AMAL, que lhe vem do batismo, em 1992, como Associação de Municípios do Algarve. Quando devia estar já crescidota, foi crismada, em 2004, como Grande Área Metropolitana do Algarve mas, para manter o bom tom, continuou AMAL. E já na idade de casar, casou com marido desde logo perdido ou desaparecido, com o nome de Comunidade Intermunicipal do Algarve, mas continua sendo a AMAL que sempre se chamou até porque, tal como com a mulher de César, era de mau tom e até de pouca originalidade ser tratada por CIA. Mas não entremos por nomes, coisa que pouco interessaria se a AMAL tivesse tido ao longo destes anos presença que se visse e se sentisse. Presença, não daquela que lhe decorre do aparato burocrático que é bastante, tanto que dá para um aspeto de Terreiro do Paço provinciano, mas presença, sim, que lhe viesse e se lhe sentisse de efetiva liderança regional, de voz apurada da região, de firmeza e constância em posições provinciais comuns. Nada disto aconteceu nem acontece, revelando-se a AMAL apenas como um estendal onde a roupa provinciana de 16 municípios se pendura a secar.

A AMAL, fosse associação, área metropolitana ou comunidade nunca foi o traje solene da política, a indumentária de autoridade moral, ou a vestimenta institucional do Algarve. Quando muito tem sido mero complemento de salário político de uma ou outra autarquia. Não entrou pelos olhos e ouvidos da população algarvia como voz indelével e imagem confiável da região.

Primeiro, era o governo civil que lhe fazia sombra política quando a sombra era meramente protocolar; depois, passou a ser a CCRDA a gerir os holofotes, por natureza, ligados às tomadas do governo que vai estando. Aos olhos e ouvidos da população algarvia, e também aos olhos e ouvidos que estão para além do Caldeirão, a AMAL, por falta de liderança autóctone ou por lideranças sempre condicionadas pelas hierarquias partidárias que fazem a trança de mordomias que despedaça o País, nunca foi a voz do Algarve, ou pelo menos uma das vozes, ainda que só pudesse cantar ópera apenas na banheira.

Pela sua missão e objetivo estatutário, compete-lhe potenciar o desenvolvimento dos municípios e reforçar a identidade conjunta da Região, mediante a articulação de interesses e criação de sinergias, e anunciadamente, também ser o guia e impulsionador dos Parceiros Regionais, capaz de conciliar e harmonizar as estratégias para o desenvolvimento sustentado da região. Para isto, tem que ter voz, ser a voz ou uma voz que não faça de conta, gerar uma liderança credível, culta e sábia.

Porque a região merece e espera.

Carlos Albino
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Flagrante elevador: Nada contra um elevador na Ponte sobre o Tejo para uma vista panorâmica a oitenta metros, com o custo de quatro milhões e meio. Mas um “programa cultural” de 365 dias para todo o Algarve por um milhão e meio, permite concluir que entre o Turismo e a Cultura há uma ponte muito baixa.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

SMS 680. Os burlões armaram a tenda nesta feira

18 agosto 2016

Uma coisa é a crença ou são as crenças, outra muito diferente é a charlatanice, o embuste, o dolo. Até nisto, bruxas, feiticeiros e curandeiros já não são o que eram, passe a gasta expressão. Outrora esta gente, na ausência de medicina e de médicos, usava segredos da natureza à mistura com rituais para curar. E às vezes até curavam, não pelos rituais mas pelos segredos que hoje são matéria-prima das medicinas alternativas já colocadas nos tronos universitários. Em nome de crenças, muita dessa gente foi queimada em ondas da justiça mais ignóbil. Que a memória não falte, já que Deus, pelo que dizem, não esquece. Hoje, a liberdade de crença, coisa que jamais se saberá onde começa e acaba (por vezes, com os fundamentalismos, acaba mesmo mal), hoje essa liberdade intocável não só suscitou um largo campo aberto à convivência das crenças como também facilitou a atuação de todo o género de trapaceiros que não são bruxos, toda a espécie de vigaristas e aldrabões que não são curandeiros, toda a fila de intrujões, tramoeiros e bilontras que não são feiticeiros. Mais grave é quando os embusteiros, já organizados, dissimulam a falcatrua com a crença, recobrem os espinhos da impostura com o veludo de objetivos humanitários, ou quando pintam o ardil com as cores divinas que até Deus desconhece. E isto tudo para dizer que o Algarve parece uma feira visitada por ingénuos, na qual cada burlão montou a sua tenda.

Há de tudo. Desde o “doutor” com nome de batuque no sertão e, supõe-es, com osso de rato no nariz, à especialista de búzios e cristais “especializada em casais” que, para credibilizar a sua “clínica de orientação espiritual”, assegura que se tornou na “parapsicóloga mais bem desenvolvida da Europa”, toda esta gente, à falta de médicos no Hospital de Faro, apela a que se pare de sofrer, que se acabe com insónias e depressão, que se vença impotências disto e daquilo, que o negócio traga lucros, que “vidas passadas” e a “maldição familiar” sejam riscadas do cartão de cidadão, ou até que “problemas no tribunal” fiquem resolvidos com um estalido de dedos.

Os que não têm rosto, invadem as caixas de correio mesmo que estas tenham a indicação de recusa de publicidade não solicitada, e colocam papelotes em tudo o que seja vidro de automóvel. Os que têm rosto, andam de dois em dois, à custa de mansinhos voluntários pensionistas e de desempregados de longa duração interpelando abusivamente com quem se cruzam como se Deus deles precisasse para assinar a rogo. Toda esta gente olha para a Sociedade em que deliberadamente não participa, como se a mesma Sociedade onde montaram tenda, fosse terra para invadir e para conquistar. É claro que invadem o mundo dos ingénuos e conquistam os crédulos que são maltratados ou marginalizados nos lugares onde a Saúde, a Segurança e o Direito deviam ser garantias de serviço público e não como coisas equiparada à adivinhação por búzios.

Pela quantidade das tendas da crendice, pelo número de burlões e pela desfaçatez dos espertalhões, não quero ter essa crença, mas tudo leva a crer que este é um dos sinais da terceiro-mundização do Algarve. E esta terceiro-mundização que formata uma “cultura” e até as crenças, não se pode eliminar por decreto, mas faz decretos e influencia os decretos.

Carlos Albino
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Flagrante praga: Nada de confusões. Uma coisa é o mundo dos criadores de cultura e de ciência. Outra, bem diferente, é o mundo dos parasitas da Cultura criada e da Ciência conseguida. E quando cheira a subsídio, os parasitas são uma praga.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

SMS 679. Os jovens correm ou… fogem

11 agosto 2016

É vulgar ouvir-se da boca de programadores, de agentes culturais e de gente mais ou menos envelhecida que por rotina diletante ou por ritual social assiste a tudo, não perde nada e para quem tudo está bem, que é preciso e imperioso “ganhar públicos novos”. E com isto querem dizer que é necessário ter os jovens nas plateias e, melhor ainda, disputando as primeiras filas de melhor vista e não se conformando com arrumação nas últimas, como que para cumprir algum serviço faz de conta. Na verdade, os jovens, descontando alguma música de alguma estrela de estrondo, estão longe das plateias, seja para música que salas semi-vazias aplaudem com “Bravó!”, muitas vezes para fazer de conta; estão longe da sala, seja uma conferência de filósofo de nomeada cujas palavras e sabedoria dificilmente se repetirão em tempo no mesmo local; longe estão se ocorre teatro, ainda que anunciado e reconhecido com elevada qualidade artística; e longe estão das Bibliotecas para requisitarem obras de mérito ou candidatas ao mérito. Para muitos e muitos jovens “ouvir poesia”, mesmo bem dita, é uma “enorme seca”, o que para a poesia mal dita se justificaria. Por aí fora. Esta constatação é comum não apenas nos pequenos centros, nas terras da chamada “periferia cultural” ou nas localidades onde a iliteracia é regra e é de tal modo lei que já não incomoda ninguém, mas é também comum nos grandes centros demográficos onde, seja onde for e a propósito do que for, se encontram mais ou menos sempre os mesmos com as mesmíssimas mesuras.

Mas porquê, isto? Porque motivo os jovens consideram que a cultura pensante num salão de reflexão é inimiga da cultura recreativa de discoteca? Uma impede a outra? Será porque os jovens não foram “conquistados” como público, ou porque há um erro de paralaxe dos que rapidamente se esquecem o que é um jovem, e um jovem, por natureza, se ou quando se sente que o querem tratar como velho precoce, não só corre como foge?

É claro que há bolsas de exceção que podem ser identificadas com maior ou menor dimensão em filarmónicas, ranchos, centros comunitários e “casas de cultura” cujos dirigentes e promotores não sejam jovens serôdios ou, eles próprios, velhos precoces.  Nessas bolsas de exceção, luta-se contra moinhos de vento e, muitas vezes, contra a irracionalidade de quem decide e tem o poder da massa na mão.

Mas, escolas com professores desenraizados e queimando 95% das energias em burocracia tão competitiva quanto inútil; bibliotecas entregues a gente que se debate entre o ser burocrata a cumprir eternamente serviços mínimos. e o ser proeminência sem justa causa; associações que se resumem ao número legal das direções menosprezando que a doença crónica do subsídio causa AVC cultural; uma região com o aparelho de Comunicação esfacelado ou mesmo destruído, embora os aparelhos de propaganda sazonal se revelem afinados; falta de políticas culturais coerentes por parte de entidades públicas (do Estado ou das autarquias) por insuficiência de recursos ou de golpe de asa; e, para pior ainda, uma avantajada e notória tribo nómada que por aí anda a colher os “frutos” da Cultura como uma etnia desprotegida ou auto-marginalizada colhe alfarrobas, tudo isto põe os jovens a correr e, claro, a fugir.

Quando um público foge, a última coisa que se pode ou deve fazer, é tentar “conquistá-lo”. E a primeira que se deve fazer é identificar as causas da fuga e resolver o problema identificado: na escola, na biblioteca, nas associações, na comunicação, nas entidades públicas, e nos que só apanham frutos em devassada terra alheia.

Carlos Albino
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Flagrante oração: “Meu Deus! Livrai-me de me recordar de Manuall Pinho que financiou muita parra para tão pouca uva e que, depois de espremida e pisada, não deu em nada. Ámen.”

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

SMS 678. Alarme social

4 agosto 2016

Num debate em Faro a propósito dos furos, se houve concordância entre todos (mesmo de discordantes à defesa) foi a de que o processo nasceu inquinado, obscuro, sem transparência. Foi inclusivamente dito sem contestação que está a ser denegada documentação legalmente de acesso público por parte de entidades administrativas que têm obrigação de o fazer. Designadamente, pelo que foi afirmado, pareceres iniciais dos mais diversos responsáveis regionais implicados na matéria, desde as do ambiente, da coordenação, da economia, por aí fora, até a autoridades marítimas e terrestres (só faltou a força aérea, dada a direção dos furos) e que permitiram o andamento dos contratos, não são disponibilizados como deveriam ser pelo bê-á-bá do Código do Procedimento Administrativo que, por estes e outros tantos casos, se transforma no Código do Alçapão Supositivo.

Assim sendo, falar de furos, discutir furos, avaliar a justeza, viabilidade e adequação de furos, não é propriamente provocar alarme social, como alguns responsáveis já o têm afirmado, porque o alarme social, e esse sim, alarme social arrepiante, é aquele que decorre da falta de transparência do Estado, das entidades da Administração do Estado face aos administrados e dos que lidam com as coisas do interesse público como se fossem da sua propriedade privada.

Independentemente dos furos darem gás, petróleo ou cerveja, há uma questão prévia por resolver e que deve ser resolvida - a da Transparência, com maiúscula. Esta não é uma questão de geologia e de geólogos, não é uma questão de opção entre energias já obsoletas ou para aproveitar nas últimas, e não é uma questão de parcerias avençadas mal ou bem por interesses espanhóis - é uma questão de segurança coletiva.

É claro que, entre nós que ninguém nos ouve, a falta de transparência e o incumprimento difuso da lei que impõe regras de transparência, já faz parte de uma “cultura” que vem de longe. Chegou-se a pensar que o Código de Procedimento Administrativo seria uma barragem inicial para as atuações que desvirtuam as finalidades do Estado, designadamente de um Estado democrático. Mas os factos desapontam. Desde repartições da administração central até a guichés municipais, é do quotidiano verificar-se que, quando a coisa dá para o torto, os administrantes manipulam com arte o Código do Alçapão, e, ou dilatam se é que não mandam para as urtigas o do Procedimento Administrativo, para o qual o indefeso cidadão tem que fazer um furo.

Carlos Albino
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Flagrante vantagem: E pelos vistos, fazer furos para construir lá fundo da terra onde não há sol nem vista para o mar, não paga IMI e se calhar ainda obriga o Estado a pagar indemnizações… por falta de vista.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

SMS 677. Façam furos de prospeção sobre o futuro

28 julho 2016

Justifica-se uma chamada de atenção, porque não é inteligência, passar como cão por vinha vindimada. No seu recente livro “A Sociedade do Custo Marginal Zero” (Bertrand, março-2016), o sociólogo e economista Jeremy Rifkin augura um futuro de energia gratuita que mudará radicalmente os modelos de produção e, com isso, a própria sociedade tal como a conhecemos. Depois de outros vaticínios feitos muito antes que todos os think-tanks do mundo e que já são realidade, Jeremy Rifkin não apresenta o fim da era obsessiva do petróleo como uma utopia, mas como uma realidade iminente. Há poucos dias, numa entrevista dada em  Dallas, durante o congresso internacional do World Travel & Tourism Council, Jeremy Rifkin assegurou que “nos encontramos perante o final das energias fósseis” e explica tintim por tintim porque a segunda revolução industrial já tocou no teto e está em pleno declive. A entrevista não cabe neste espaço, mas como que em resumo, Jeremy Rifkin afirma como certo que “os automóveis, tal como hoje os conhecemos, não estarão cá daqui a vinte anos” e que, nos EUA, por exemplo, “se em 1978, um vátio de energia solar custava 78 dólares, agora custa 50 cêntimos, e dentro de 18 meses custará 35 cêntimos”...

No Algarve, e com o que ocorre neste Algarve, em vez de muita ou tanta conversa fiada, julgo que Jeremy Rifkin deveria ser convidado pela Universidade do Algarve para uma intervenção e diálogo aberto. Seria oportuno e daria a necessária credibilidade à discussão do assunto. Uma universidade é para isso e Jeremy Rifkin não é inacessível e uma intervenção sua apenas nos ajudaria a fazer furos de propeção mas sobre o futuro que é mesmo o futuro imediato porque o relógio avança. Não é preciso coragem, basta querer e, por tudo, que querer que o cão não passe por vinha vindimada.

É verdade que Jeremy Rifkin é o guru do que chama “a terceira revolução industrial”, baseada nas energias sustentáveis e nas consequências da internet como as da economia colaborativa, trabalha como assessor de numerosos governos, desde a China, Dinamarca, EUA, Espanha e Alemanha, e também com a União Europeia. Uma vinda sua ao Algarve, na hora que passa e para uma intervenção na nossa melhor Casa da Inteligência, seria uma vinda honoris causa. E um furo de prospeção.

Carlos Albino
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Flagrante sintoma: Quando um hospital como de Faro chega ao ponto de não dispor de uma cadeira de rodas, ou Faro tem muito movimento, ou a coisa está mesmo doente de há muito.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

SMS 676Torga, se calhar teve razão

21 julho 2016

Sim, tal como para Miguel Torga, o Algarve é sempre um dia de férias na pátria. Mais: dentro dele nunca me considero obrigado a nenhum civismo, a nenhuma congeminação telúrica nem humana. E seja onde for - em Ferragudo, em Barão de São Miguel ou no Cachopo - tal como quando me debruço a uma varanda de Alportel, apetece-me tudo menos ser responsável e ético.

Lá longe, as coisas de Trás-os-Montes, ou mesmo as de mais perto como as coisas do Alentejo, tais coisas tocam-me muito no cerne para eu poder esquecer a solidariedade que devo a quem sofre e a quem sua. E isto repete-se com maior ou menor força no resto de Portugal, seja em Fátima, no Estádio do Dragão ou no Retiro do de Guinchos do Fado. No resto de Portugal, tenho consciência das coisas, umas vezes leve outras vezes pesada.

Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa! Passado o Caldeirão, agora até a confundir-se com A2, qualquer Torga é algarvio, e adeus ética, adeus responsabilidade, adeus consciência das coisas.

Também é verdade que, chego ao Algarve, e a brancura dos corpos e das almas devida à ausência de liderança regional, a limpeza das casas e das ruas devida às rigorosas burocracias municipais, e a harmonia dos seres e da paisagem devida ao facto de por enquanto ou ainda não haver petróleo, tudo isto lava-me da fuligem que, no resto de Portugal, se me agarrou aos ossos e clarificam as courelas encardidas que trago no coração.

No fundo, e à semelhança dos nossos primeiros reis, que se intitulavam senhores de Portugal e dos Algarves, separando sabiamente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria. Sem tirar, nem pôr. Mas também me não vejo fora dela, desde que o desemprego sazonal, a desgraça do hospital e o pandemónio dos mercenários das escolas não me afetem.

Em resumo: como qualquer Torga que se preze, chego ao Algarve e julgo-me numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo, primaveril, cante alentejano e pêra do Oeste.

Obrigado, Torga! Facilitaste este apontamentozito! Como te ririas se te lesse isto na Praia de Santa Eulália, perante um bom salmonete grelhado, como aconteceu quanto te aconselhei a ir a Alte para reconheceres os filhos dos filhos dos teus ascendentes emigrados.

Carlos Albino
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Flagrante boato: Ouviu-se e ouve-se dizer que a Fundação Sousa Cintra (onde está tudo para os devidos efeitos, nomeadamente fiscais) tem como objectivo principal “o apoio à valorização, à divulgação e desenvolvimento sustentável da região cinegética do Algarve, tendo em vista o equilíbrio entre a economia e o ambiente, designadamente através do fomento e reforço de habitats e de espécies cinegéticas, a criação e apoio ao desenvolvimento de projectos no domínio do ambiente, ciências e economia do mar, a criação, exploração e desenvolvimento do Museu dos Descobrimentos e do Mar, ambos em Sagres”. No que as más línguas dão.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

SMS 675. Onde está o público?

14 julho 2016

A pergunta, no Algarve, é conforme. Caso se trate de sardinha assada, não falta e não há nenhum mal nisso – Deus criou os peixes para serem grelhados, embora isso destoe no Teatro da Figuras. Caso se trate de uma divindade forjada pela televisão, mesmo que pouco ou nada tenha na cabeça, público também não faltará e continua a não haver nenhum mal nisso ou só por isso – mesmo no paraíso cada um pode escolher a serpente que lhe apresente a melhor maçã. E caso se trate de um fado cantado por voz de passarinho, de uma banda com som amplificado como se um avião entrasse por uma orelha e saísse por outra, ou mesmo de três ranchos folclóricos à medida do orçamento da festa, haverá igualmente público garantido à medida, e nenhuma catástrofe daí virá, pois Deus também criou o fado, uma banda e um rancho ao sétimo dia, quando descansou. Nenhum mal nisso ou só por isso.

O problema é quando um grande pianista como Artur Pizarro se apresenta no Teatro das Figuras e a sala fica por metade; quando pinga no Algarve alguma boa peça de teatro e, fora a sessão dos convites seletivos, as cadeiras ficam vazias; e quando se anuncia um conferencista de topo e é preciso pescar público para a terceira fila. E problema também quando a uma pretensa sessão “cultural” com algum ouro, prata e bronze da casa, ou muita da lata de casa, e acorrem apenas os tios e primos dos organizadores, os funcionários autárquicos  e adjacentes do costume, se o senhor presidente for, além de supostos simpatizantes que nada leram do escritor, se for um escritor,  que nem por certo irão ler. E mesmo nestas sessões, o problema fica agravado quando os que deviam estar atentos não se despegam das mensagens de telemóvel num afã ininterrupto de gente à beira da surménage, abandonando ao intervalo alegadamente para pregação noutra aldeia, com público idêntico.

É claro que, nestas circunstâncias, a última coisa que se pode fazer é culpabilizar seja quem for. O problema de público no Algarve é social e sociológico. As elites locais que, por regra, devem gerar públicos de referência, estão desenraizadas por opção ou por inércia, e mesmo desinseridas da sociedade onde vivem e trabalham. Professores em trânsito e saturados da burocracia escolar, advogados que têm mais em que pensar, médicos por certos desejos de escapadela da província; economistas para quem quase tudo está fora do âmbito; e um sem número de novos especialistas que, sem se darem conta, prosseguem o velho problema de menosprezo da instrução pública e da aprendizagem contínua, tudo isto contribui para que não haja públicos e públicos críticos que não se verguem ao encómio ou à hostilidade. Não há que culpar ninguém porque o problema é estruturalmente social e sociológico, numa sociedade que até para conhecer os seus mortos apenas tem um meio – o aviso por fotocópia colada na parede, ou por recado no café da manhã.

Carlos Albino
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Flagrantes votos: De bom e isento desempenho para Francisco Serra, como Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

SMS 674. Destaque para dois comentários

7 julho 2016

Como vamos nas 674 semanas deste apontamentozito, ocorre agora dizer que temos dois hábitos: um, é o de volta e meia dirigirmos duas perguntas ao diretor deste jornal, e que são - Estamos a servir o Jornal do Algarve? E servimos o Algarve? O outro hábito é o de submetermos o apontamentozito em pré-leitura a muitos cujas opiniões respeitamos e acolhemos. E assim, o apontamentozito vai ficando dependente de duas provas. A prova real (Fernando Reis) e a prova dos nove.

Sobre os dois temas da semana passada (saída britânica da UE e esse desafortunado programa de “cultura sazonal”), damos destaque para dois comentários recebidos, um muito breve mas significativo partindo de quem parte, outro mais longo mas simbólico enviado por quem sabe que é melhor prevenir que remediar. A saber:

1 – Sobre livres trocos de libras por euros: “O seu SMS vem precisamente ao encontro do que penso! Temos que trabalhar para reforçar as nossas relações com os nossos amigos britânicos, porque reflete o que somos, e é do nosso interesse”.

2 – Sobre a ideia peregrina da cultura sazonal: “Assino por baixo da flagrante miopia. Poderia (passe a imodéstia) tê-la escrito. Isso preocupa-me desde a primeira hora! Acredito que se pode e deve fazer algo pensado, estruturado, com tempo e, sobretudo, percebendo as graves carências da região algarvia. E que sem estes termos, vamos falhar. Sim. Tem todos os ingredientes para falhar. Como se constrói um programa que se quer alicerçado na identidade e nas associações artísticas da região, quando estas não existem e aquela não tem produtos (ou tem poucos) construídos a partir dela de forma consistente e estratégica? Mas, sim, pode e deve fazer-se mais, pensar-se melhor, mas para isso é necessário perceber de onde partimos e construir uma estratégia a longo prazo com ações que começam no curto prazo. Mais, esse programa pode contribuir para uma possível candidatura de Faro, em 2019, a capital europeia da cultura em 2027 mas para isso é necessário ter dirigentes políticos com visão, com estratégia, sem medo de apostar na Cultura como motor de desenvolvimento. E a partir daí, trabalhar o território para realizar esse evento. Sem isto, será mais uma oportunidade perdida. Falhar de novo para falhar melhor, é o que não precisamos na nossa região!”

Pedimos desculpa por não identificarmos os autores dos comentários, mas os próprios não se importam e é a prova de que este é um espaço comum.

Carlos Albino
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Flagrante peça de museu: Depois do atual Presidente da República e do Primeiro-Ministro terem recusado o carro legado pelo anterior Chefe de Estado de gama muito acima das nossas possibilidades, há uma solução – entregar-se o automóvel ao Museu Etnográfico de Boliqueime….

quinta-feira, 30 de junho de 2016

SMS 673. Não teremos Algarvexit

30 junho 2016

O que se temia está a acontecer. No dia seguinte ao 24 de Junho, um pouco por todo o Reno Unido, assiste-se a manifestações xenófobas desabridas e revelam-se rancores racistas até agora mantidos em silêncio, lá onde havia um certo fair play ou pelo menos uma tolerância educada. É a prova de que o tom dos políticos, as suas frases, as suas promessas, as suas mentiras e as suas verdades agem sobre a conduta das populações. A prova de que o discurso político solta efeitos imitativos que se reproduzem como as imagens em espelhos paralelos, efeitos que se propagam e expandem em progressão geométrica. Nada de pior poderia acontecer, no momento em que do outro lado do Atlântico uma figura como Donald Trump anda à solta pelas pradarias dos Estados Unidos, ateando o ódio. É caso para reflectirmos, para percebermos quem somos e em que lugar nos encontramos.

Os portugueses não são nem racistas nem xenófobos, ou pelo menos não o são numa escala percetível que nos coloque entre os povos intolerantes perante a diferença étnica e cultural. O facto de nos adaptarmos a todas as latitudes da Terra, e o termos feito ao longo dos séculos, sem dramatismos, leva-nos a aceitar o reverso, a aceitar no estreito rectângulo onde vivemos, pessoas provenientes de todas as latitudes e todas as culturas. O Algarve, como se sabe, no sul desse rectângulo, funciona como uma espécie de resultado de todas as somas dessa cultura, mais do que tolerante, pacífica. Podemos ter muitos defeitos, mas o convívio de igual para igual é a nossa marca de água local. Por outro lado, a comunidade britânica residente, à exceção de esporádicas manifestações de altivez, acessos de arrogância imperialista que por vezes acontecem, vive e convive entre nós, respeitando-nos, compreendendo-nos, trocando connosco o que têm de melhor. São bons visitantes que escolheram a nossa terra como segunda pátria. Bem-vindos sejam. Neste momento, porém, o que se desenha no horizonte não está ausente de nuvens. A descida da libra, e todas as alterações que se avizinham, pode criar dificuldades aos britânicos e consequências para nós. Por eles e por nós, devemos estar preparados. Porém, se algum estremecimento vier a ocorrer, que ele nunca provenha de ressentimentos, vingança xenófoba, incompreensão pelas diferenças. Os motivos que levaram os britânicos a votarem o Brexit não serão por certo aqueles que moverão a população do Algarve eventualmente afetada. Na nossa região, por certo, por nossa vontade, sentimento, e conveniência, nunca haverá Algarvexit. Essa palavra não existe no nosso dicionário latino. Mas que sejam os próprios ingleses residentes na região ou passantes, a concluir que a lição não é apenas para inglês ver.

Carlos Albino
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Flagrante miopia: Depois dos fracos e escassos resultados de Faro Capital da Cultura e da tontearia do Allgarve, um terceiro programa que se anuncia como que caído das nuvens, sem se ouvir ninguém e como que outorga do poder central como se a Cultura tivesse que ter sazonalidade, sugere todos os elementos para falhar. Insiste-se na muita parra e pouca uva. As instituições e pessoas de referência da região deviam ter sido ouvidas. Assunto para desenvolver.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

SMS 672. Educação ou temperamento?

23 junho 2016

Se queremos estar em paz connosco próprios, devemos evitar discutir como se define o comportamento de um povo. Esse é um assunto inquietante porque nunca se chega à conclusão sobre se se trata de um modo de agir fruto de um temperamento, isto é, o resultado de uma formação orgânica, e pensamos nos genes, no território, na direcção do vento, na incidência do sol, e até na água que bebemos, ou, se pelo contrário, as atitudes cívicas dependem de factores culturais, como sejam a História e a Educação. Para nosso sossego, preferimos sempre por optar pela segunda via. A crença em que a Escola, as Instituições e a Política podem alterar para melhor os comportamentos humanos, fazem-nos acreditar que não só a melhoria é possível, como o ritmo da mudança pode ser acelerado se nos empenharmos nesse sentido. É o que parece ter sido tentado ao longo das últimas décadas. Mas o sucesso, que é algum, ainda é muito limitado. O povo não é uma abstracção, é o somatório de actos individuais, e quando descemos aí, percebemos que o povo, o nosso povo, no sentido mais lato, aquele que engloba as classes altas e as ditas baixas, mantêm os antigas estigmas de lentidão e falta de iniciativa absolutamente assustadores.

Os exemplos colhidos do quotidiano são gritantes. Basta sair de casa e confrontarmo-nos com os serviços públicos. Um exemplo? A Estrada 125 está em obras, a zona de intervenção não é extensa, os nós em causa são simples de ultrapassar. Então porque se formam filas de carros, com pessoas ao volante que não sabem para onde ir, nem com quem falar? Experimentem a querer informar-se junto de um dos muitos agentes da GNR que estão parados junto ás obras. Eles acabam de chegar de terras estranhas ou longínquas, e por isso não conhecem o assunto e apenas dizem para seguir as setas. Ou então dizem que não têm alternativa e rolam o braço para que se acelere, e se avance em frente. Ou então não conhecem o piso e estão ali deslocados de outros serviços. Se perguntamos porque não existe um croqui, uma indicação mais precisa, o agente limita-se a dizer – “Vá ao posto e faça queixa”. E continuam a fazer com o braço aquilo que a seta faz - “Vá em frente”. E em frente, vamos dar ao lugar oposto para onde queremos ir.

Muitos parabéns a esta ajuda. Estamos no centro do centro de uma região turística de excelência, consideramos. Este mesmo desmazelo justifica que o poder central nos ignore, e que as petrolíferas queiram abrir poços no Algarve. Eles sabem com o que contam – com pessoas que estendem o braço para dizerem de olhos fechados pela força do sol – “Olhe, vá em frente”. Até José Hermano Saraiva considerava que o problema deste povo consistia na coexistência de élites corruptas e populações passivas. Se passarem pela 125, e mergulharem no caos do trânsito, em vez da queixa junto do comando da GNR, sugiro que chamem uns quantos agentes da polícia de Espanha ou do Reino Unido. Talvez eles não se limitem a levantar o braço como autómatos. Talvez se tenham informado dos circuitos alternativos e sintam que é bom cumprir por iniciativa própria. Quanto nos falta para chegarmos lá?

Carlos Albino
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Flagrante reforço: Na caça à multa e com partes gagas. Claro que qualquer polícia inglês, espanhol ou francês sabe que não pode mandar parar sem motivo aparente ou fundamentado. 

quinta-feira, 16 de junho de 2016

SMS 671. Jóia da coroa

16 junho 2016

Não é preciso dar muitas voltas para se perceber que a Universidade do Algarve precisa de ser rodeada de mais cuidados. Acessos, envolvência, sinalética, o próprio território universitário, etc., merece melhores olhos. Qualquer coisa, muita coisa está mal à vista desarmada por aquelas bandas. Não digo que seja laxismo, mas parece; não digo que seja lassidão, mas tudo leva a crer que é isso; não digo que seja uma espécie de desprezo, mas parece que, nas Gambelas, a universidade para ali está atirada para um retiro e que, na Penha, para ali está arrumada numa espécie de bazar labiríntico. É claro que, quer num sítio quer noutro, a coisa nasceu e possivelmente cresceu mal, designadamente quanto ao urbanismo que só não entra pelos muros porque tem que haver espaço para a carreira do pachorrento autocarro que serpenteia como que num sacrifício para ligar Faro aos confins do seu mundo. Não é preciso discorrer muito para se concluir que se cometeram erros insanáveis para que a Universidade do Algarve se abrisse aos olhos num cenário digno, adequado e estimulante, com profunda e evidente ligação à cidade que lhe serve de cama.

Por dentro da universidade, a coisa diz respeito à própria universidade, às circunstâncias de crise, às derivas da política geral, enfim, a tudo o que vai bater com o orçamento de um Estado que, em matéria de universidades, também se tem revelado excelente pai para umas e mau padrasto para outras. Mas por fora, a coisa diz respeito a quem desde há muito já devia ter reconhecido a universidade como a jóia da coroa do Algarve, se é que ainda o Algarve esteja coroado onde deve ser coroado - em Faro e não propriamente no Cachopo.

Repensar as ligações dos espaços universitários com a cidade anfitriã; repensar traçados de acesso ou pelo menos melhorar as condições de circulação; repensar a iluminação; repensar o ambiente físico de acolhimento; estimular serviços e atividades que se compaginem com a instituição, independentemente do que no seu interior ocorra, enfim, há um sem número de iniciativas que deviam ser tomadas, algumas com imediata urgência.

Nisto, Faro tem responsabilidades.

Carlos Albino
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Flagrante policiamento: Com certeza! Depois da Guardia Civil, polícias ingleses e franceses a patrulhar o Algarve. Mas quem patrulhará os polícias, a não ser Capacetes Azuis?