quinta-feira, 8 de setembro de 2016

SMS 683. Um elevado ato de cultura

8 setembro 2016

Uma simples carta pode ser um elevado ato de cultura, sobretudo quando abre com a frase de Dmitri Shostakovich - “A Arte destrói o silêncio”. A carta foi endereçada por Joana Carneiro, maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, os destinatários, presumo, foram muitos, mas na parte que me toca não poderia ficar em silêncio. Todas as orquestras começassem a temporada com cartas como esta e todas as orquestras tivessem maestrinas ou maestros que semanas antes de suspenderem na batuta o silêncio geral da sala, escrevessem - “sempre entendi a Música como uma arte de relação: relação entre os músicos da orquestra e da orquestra com os criadores de todas as artes, com a comunidade e com a História”. Na verdade, sem esta relação, músicos, criadores, comunidade e História ficam em silêncio e sem a Arte que destrua os silêncios mortais. Joana Carneiro definiu essa relação como a ideia fundamental da orquestra que dirige e que, assim se espera, depois do Centro Cultural de Belém vai percorrer o País, País onde há muito silêncio.

A concretizar a relação da Orquestra Sinfónica Portuguesa com criadores de outras artes, diz-nos Joana Carneiro que “é com enorme alegria que podemos anunciar uma criação do grande artista Júlio pomar que, generosamente, graças ao seu traço genial, acedeu ajudar-nos a compreender uma das mais importantes peças sacras de hoje: as Sete Últimas Palavras de Cristo, de James MacMilan.” Sublinhe-se que, no País onde nem sequer a Arte destruiu o silêncio, quando uma orquestra, desde a de pífaros escolares à de solistas reunidos, apanha uma sombra de Júlio Pomar que seja ou mesmo um qualquer criador que faça sombra, não é a orquestra que é ajudada a compreender, mas, pelo contrário, ela ou o seu maestro é que faculta ao Artista ou criador a aprendizagem. É claro que, perante orquestras e maestros destes, os “públicos” ficam em silêncio por uma questão de civilidade e de lhaneza.

A temporada ainda não começou, os músicos estão longe de tomarem as suas cadeiras no palco e na estante de regência está para ser colocada esse pequeno bastão para substituir o rolo de partitura a que se chama batuta, introduzida por Carl von Weber, vai para 200 anos, e que ficou para sempre a distinguir o silêncio da Música. Desconhece-se como a temporada vai ser, desconhece-se se o périplo da Orquestra pelo País vai ou não ser uma espécie dessa semi-volta a meio-Portugal, mas, para começar, a carta de Joana Carneiro, redigida com alegria, juventude e crença em que só a Arte destrói os horríveis silêncios próprios do despovoado, tal carta foi e é um elevado ato de Cultura.

Assim sendo, se Joana Carneiro e a sua Orquestra vierem ao Algarve, sejam bem-vindos que a gente precisa de combater a sazonalidade cultural.

Carlos Albino
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Flagrante Vítor Neto: A Associação Empresarial da Região do Algarve (NERA) propõe que seja realizada «uma reflexão regional séria sobre as causas da evolução positiva do ano», que envolva «empresários, instituições e forças sociais da região interessadas na economia e no emprego», para manter esta dinâmica positiva, nomeadamente no setor do turismo. Adverte Vítor Neto que  o Turismo beneficiou das crises de destinos concorrentes, mas que seria um grave erro pensar que essa situação se vai manter. Com ritmos diferentes, todos eles irão tentar recuperar. E têm atrás de si poderosos interesses a apoiá-los (Estados intervencionistas, grandes investidores internacionais, operadores turísticos, cadeias hoteleiras, companhias aéreas…). Mais adverte, que o Turismo dos portugueses na região, exige análise rigorosa: dos números, formas de alojamento, consumos. Tal reflexão regional impõe-se porque não bastam as análises «nacionais» que «esquecem» sistematicamente a especificidade do Algarve e diluem – por razões políticas – o seu peso no quadro nacional. Quem me avisa, bem me quer.

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