quinta-feira, 29 de setembro de 2016

SMS 686. Educação pública, usos e costumes

29 setembro 2016

Amiúde, carros parados, alguns bem longe do abate, e homens regalados com seus repuxos de bexiga contemplando os três mil componentes do fluido excretório que o fecho-éclair facilita como ato heróico. Por vezes, com instalações sanitárias disponíveis a dez metros. Amiúde, em cafés centrais das localidades a fazerem regra dos das periferias, conversas que deviam ser em tom brando mas que se desenrolam aos berros, cada língua a atropelar o céu da boca do outro e ninguém se ouvindo como se diálogo fosse uma batalha de megafones implantados nas gargantas. Amiúde, o mais baixo calão onde a matéria-prima das Etares faz de sujeito, verbo e complemento direto, com murros nas mesas sobretudo nas sessões televisivas que já fazem da bola uma aula de embrutecimento consentido se é que não é mesmo desejado. Amiúde, uma valente escarradela como tiros ao alvo para o espaço livre entre dois desconhecidos que vão à frente. Amiúde, gente aperaltada e saída esmeradamente do salão de cabeleireira, a coscuvilhar da vida privada alheia aos supetões para que quem ouça fique a saber mais dos ausentes do que se ficaria a saber fazendo devassa dos segredos do confessionário. Amiúde, em restaurantes e quando menos se espera, um poderoso arroto só comparável aos arrotos das vacas domesticadas em cuja ração, para obviar isso, não entra a alfafa e a semente de linhaça, que estão mais próximas das gramíneas que haviam comido no estado selvagem, antes de serem domesticadas. Amiúde, nas grandes superfícies, umas amostras de gás metano de quem se sente no dever de fazer lembrar os outros como é respirar em Marte no centro de uma erupção de gás metano.

Já nem vale a pena falar da cara-de-pau do funcionário ou da funcionária que não diz bom dia, se faz favor, em que posso ajudar, mas dispara aquele “o qué que quer”, ou aquele “diga lá”, ou ainda, o que é pior, nada diz mas abrindo os olhos como polícia do estado islâmico sem se aperceber que a má educação, o mau feito a falta de civilidade lhe transforma a vestimenta de boa marca na pior burka, por mais que pinte os lábios, exiba unhas de gel ou, no caso dos homens funcionários, por mais que pintem a antiga quarta classe com as cores de mestrados. Já nem vale a pena falar dos que atiram à rua pelas janelas todo o género de desperdícios desde os íntimos aos que os frutos se arrependem por terem nascido com caroço. Já nem vale a pena falar dos que circulam a 150 à hora num beco, ou com os altifalantes de seus carros numa exibição de novo-riquismo só comparável a carrossel montado na selva africana, ou que entendem que uma passadeira de peões é mesmo para passar a ferro, ou que, de modo geral, que com um volante na mão, vidros fechados e nariz de catavento se julgam senhores do mundo dispensados de gentileza, dispensados de um sorriso como sinal de agrado por alguma delicadeza alheia.

Etc. Sim, etc… Quem conhece o País, sabe que isto no Algarve é pior que noutros lados, quer pelo que amiúde se constata, quer por aquilo que já nem vale a pena falar. Se houvesse um ranking nacional de educação pública, estou em crer que o Algarve está na cauda, pelo que não é de admirar que a sociedade, além de ser infelizmente uma sociedade com elevado teor e risco de desenraizamento, seja uma sociedade agressiva e até incendiária por dá aquela palha.

As autarquias que tanto dinheiro gastam na promoção de “eventos” com cartazes pelos cantos, folhetos às montanhas e respetivos cálculos populistas, poderiam e deveriam desviar um por cento, um por cento bastaria, para uns papelotes pedagógicos, papelotes de educação pública, a começar pela boa utilização dos equipamentos públicos. E como é de pequenino que se torce o pepino, poderiam e deveriam em parceria com as escolas e bibliotecas das suas áreas cultivar um esforço conjunto e eficaz no sentido do civismo, da civilidade e. já agora usando palavras que todos referem mas poucos levam à prática, no sentido dos Valores.

Carlos Albino
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Flagrante sugestão: Vai nos 18 anos de existência o Encontro de Música Antiga de Loulé, que este ano abre já neste domingo (dia 2), na Igreja de Querença com o músico sevilhano Emilio Villalba no concerto “Secretos Medievales /El sonido olvidado”. Depois, dia 8 de outubro, segue-se o Ensemble de Flautas de Loulé (do Conservatório de Música de Loulé) e o Ensemble Pictórico (Escola de Música do Conservatório Nacional), num concerto de música vocal e instrumental do período barroco, na Igreja de Boliqueime. E por aí afora, até 30 de outubro. A Música Antiga de Loulé, agora dirigido pela flautista Ana Figueira, corre, por assim dizer, pelas igrejas e capelas, e esta é uma das tais coisas que eu gostaria de ver o Ministro da Cultura a aplaudir por é uma das tais coisas em que não há discriminação entre visitantes e visitados. Mas quem chegar primeiro, visita melhor.

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