quinta-feira, 3 de novembro de 2016

SMS 690. O vírus do populismo

3 novembro 2016

Obrigado, Jorge Sampaio, vem na hora exacta o alerta. O populismo é um vírus. Um vírus contagioso e muito resistente que consegue passar anos sem se evidenciar, mas é o responsável pelo surto, primeiro, da desconfiança, depois da abstenção e, finalmente, de destruição da democracia tal como a entendemos já por rotina, embora muitos a tenham desejado festivamente. E é um vírus que não ataca apenas lá em cima. Lá em cima, o trabalho do vírus só tem êxito quando cá por baixo se propaga e chega a ser cultivado como santo da casa. Esse vírus começa por anular a consciência dos que infeta, manipula com habilidade os valores do bem-comum em função de interesses, uns difusos, outros hostis ao que a sociedade de melhor quer, deseja e sabe ser possível, e porque é vírus, dissimula-se levando o infectado ao discurso enganador, à recusa do escrutínio dos actos, e à convicção dele e dos outros que contagia, de que se pauta por valores, serve o bem-comum e reforça as instituições da própria democracia onde se alojou pela lógica da conquista do poder ou da manutenção do poder. E porque é vírus, convence.

Nas sociedades onde não há comunicação ou onde a comunicação é confinada, inadequada e insuficiente (como é o caso do Algarve), não havendo escrutínio, análise e despiste, o vírus nem precisa de ter nome porquanto tem o nome de cada um dos portadores, nome que até passa por respeitável. Grassa à vontade e circula por todos os partidos sempre que o poder alcançado não coincide com o dever que o vírus atraiçoa. Grassa não apenas pelos directórios e pelas assembleias circunstanciais dos partidos locais. Grassa pelas instituições das freguesias e dos municípios, onde, em vez do serviço público e da disponibilidade criativa e apaziguadora do cidadão, faz de cada divisão, departamento ou gabinete, uma unidade beligerante que contradiz o discurso do chefe dos vírus que, por regra, é um discurso redigido pelo próprio vírus.

Esse vírus do populismo age de preferência cá em baixo, evita que alguma vez pareça provocar uma doença de Estado, porquanto nesta eventualidade, por pudor ou por sobrevivência do próprio Estado, dificilmente evitaria uma acção de erradicação, ainda que aparente. Cá em baixo é o seu terreno, sabendo o vírus que pouco a pouco vai grassando o mapa e, sem que os administrados se dêem conta, fica com o proveito da doença do Estado, sem que desta tenha fama.

Jorge Sampaio tem toda a razão. É preciso retirar do seu aviso todas as ilações.

Carlos Albino
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Flagrante cúmulo: Disseram-me e provaram que, num dado município algarvio, para um projecto de arquitectura de um jazigo, os serviços exigiram planos de água, gás e electricidade… É do outro mundo.  

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