quinta-feira, 28 de novembro de 2013

SMS 541Regresso aos campos ou liquidação?

28 novembro 2013

A manchete do Jornal do Algarve da passada semana, “Governo aperta o cerco a pequenos agricultores”, foi branda. Na verdade, não lhes aperta apenas o cerco, aperta-lhes o pescoço, garrota-os, liquida-os. Sobretudo no Algarve, onde domina a pequena e média propriedade, sendo esta média propriedade pequena, e aquela pequena pequeníssima. E neste retrato de micro-agricultura variada, além dos citrinos e das hortas que resistem, as pequenas e pequeníssimas propriedades resultam, como é sabido, nos frutos secos – amêndoa, figo e alfarroba, esta, aproveitável a 100%, a alimentar uma pequena cadeia de fábricas de trituração que, aqui e ali, asseguram postos de trabalho e alguma exportação para usufruto de intermediários espanhóis e da indústria alimentar suíça. Não muito mais.  Pois tudo isto que tem sido a base dos campos em luta permanente pelo remedeio ou mesmo contra a pobreza, está condenado à derrocada com a obrigação generalizada para aos micro-agricultores de emitirem fatura e com o fim da isenção de IVA. O resultado vai estando ou já está à vista: o abandono dos campos, os frutos a ficarem nas árvores, fábricas à venda. Fazer agricultura como se fosse atirar barro à parede, não só não compensa como resulta em prejuízo. No tempo em que estamos, é um erro clamoroso de política agrícola e de cegueira fiscal que, para uma região como o Algarve, significa desastre.

É oportuno recordar que o deputado Mendes Bota, em março deste ano, dirigiu, e bem,  perguntas certeiras à ministra das Finanças. Perguntou primeiramente se a ministra tinha consciência da situação e depois se estava disponível para suspender de imediato a aplicação de IVA aos micro-agricultores, procedendo a um estudo sobre o impacto das medidas. A ministra respondeu ao deputado quatro meses depois (em julho) isentando-se com a invocação de algo da União Europeia e referindo que “os agricultores cujo volume de negócios não exceda os 10.000 euros (…) continuam a beneficiar de um regime de isenção de IVA”. Nada respondeu quanto a um estudo de impacto e quanto ao pedido de medidas que enquadram fiscalmente a atividade dos micro-agricultores sem obrigações declarativas pesadas que levem os micro-agricultores a desistir da apanha dos frutos das suas árvores. Quer dizer: a ministra descartou-se, como se lhe ficasse bem, por um amor sem imaginação a Bruxelas e por um rigor nefelibata com o seu País, estar longe da realidade, sendo realidade a liquidação dos campos e dos circuitos produtivos tradicionais. Uma ministra a sério iria ao local, falaria com os industriais e agricultores em causa, responderia ao deputado com substância e não apenas com pretextos formais de gabinete. Há já uns bons anos foi a mesma história com as pescas, agora é com a agricultura para a qual se fazem paradoxalmente apelos ao regresso, apelos patéticos, portanto.

Em vez de uma política agrícola e fiscal que potencie o aproveitamento e transformação dos produtos agrícolas, designadamente com estímulos à aplicação da investigação científica disponível (como é o caso particular da alfarroba, com a instalação de novas unidades industriais que deixem no País as mais-valias), assiste-se a uma política ao contrário, a uma política de autofagia, a uma política cobradora que, por natureza, tem cada vez menos por onde cobrar, já que o horizonte que se antevê é o da pobreza geral, do abandono e do desalento, com a cumplicidade das mordomias regionais desconcentradas ou descentralizadas que em vez de darem voz aos interesses do Algarve, castram-lhe a voz como se o Algarve estivesse condenado a ser um eunuco a cantar na catedral da política de Lisboa.

Carlos Albino
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Flagrante erro de palmatória: Além do mais, o fecho da Segurança Social em Quarteira clama aos céus. É desconhecer o que aquilo é.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

SMS 540. A pobreza envergonhada

21 novembro 2013

Não vale a pena esconder porque está à vista. Cada vez mais, à noitinha, se vê gente a vasculhar caixotes do lixo nas cidades e vilas do Algarve, à procura de qualquer coisa que pareça alimento; cada vez mais os carenciados, cabisbaixos e tapando o rosto, procuram as sobras das cantinas escolares; cada vez mais, os mesmos ou outros, no fecho de pastelarias e restaurantes pedem a comida inaproveitada. Não há estatísticas da pobreza envergonhada, mas ela aí está apunhalando o coração dos mais sensíveis e acordando sentimentos de solidariedade urgente. Sabe-se, pelos números das instituições de apoio social (banco alimentar, misericórdias, Cáritas), que a pobreza assumida galopa, Da pobreza envergonhada, causada pelo desemprego prolongado e pela redução drástica e cega do socorro público, dessa não há números mas sobe em flecha, paradoxalmente tanto quanto em flecha sobe o enriquecimento de uma minoria que, por tradicional coerência, também enriquece pela calada (o número de bimilionários cresceu 20% em Portugal, o que é obra em tempo de crise extrema). Quanto a pobres, já foi assim (quem não ouviu ou não sabe dos relatos dos tempos do mercado negro?) e volta a ser assim. Ainda não se vêem, como nos anos 50 do século passado, dezenas de pedintes em alas à porta das igrejas pedindo “uma esmolinha para o pobrezinho” ou “um panito pelas alminhas dos seus”, mas o que está a acontecer e que pode ser observado por quem percorra as ruas com a intenção de observar, dá no mesmo.

Acontece isto numa terra cheia de hotéis sumptuosos mas na generalidade ancorados no estrangeiro, numa terra com o litoral esquadrinhado por campos de golfe a perder de vista e a fornecer sempre matéria para as revistas sociais, numa terra de desfile de turistas sem dúvida inebriados pelo sol, praias e pouco mais, numa terra cujas marinas estão repletas de iates milionários. Nada disso se inveja ou se deve invejar, desde que tudo isso fosse sinal de uma economia saudável, equitativa, geradora de emprego com remuneração justa, e circuito de trabalhadores e empresários responsáveis. Ninguém pode exigir que o paraíso esteja na terra mas também ninguém pode conviver com o inferno na mesma terra.  

Mal está decorrido um mês e picos sobre os calores eleitorais das autárquicas, em que todos, fossem apoiantes do actual poder governamental ou titulares da oposição, proclamaram que “o importante são as pessoas” e que a política “deve estar ao serviço das pessoas”, a tal ponto que na maior parte das comarcas em disputa quase não havia diferença de discurso entre gente do poder que se dissimulou e gente da oposição que oxalá não se tenha simulado, e parece que, decorrido este mês, esse discurso “para as pessoas” está esquecido. Pode ser engano mas parece. Ainda não se viu uma única medida urgente para as pessoas, sendo estas pessoas, obviamente os pobres quer os envergonhados quer os assumidos. Regista-se apenas que foi a Igreja Católica a ordenar a criação de gabinetes em cada paróquia para apuramento da situação.  Situação que é grave, não vale a pena esconder e que, pelo menos nas câmaras eleitas pelo discurso “para as pessoas”, justificaria a criação de pelouros com vereadores responsáveis para atacar o problema pela via de políticas públicas locais e não pela caridadezinha. Um pregão de solidariedade que se esgota numa campanha eleitoral, não é pobreza, é miséria.

Carlos Albino
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Flagrantes vizinhos: A execução do Cadastro Predial começou pelo município de Loulé como experiência pioneira no País e mal começou, começou também o roubo dos novos marcos delimitadores das terras. Por favor, não digam agora que os ladrões são ciganos, moldavos, russos, senegaleses, marcianos… 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

SMS 539. Poiares Maduro, muito obrigado

14 novembro 2013

Pondo de lado jogos de palavras cifradas e critérios estatísticos artificiais para a classificação do Algarve na corrida aos fundos comunitários e que levam a discussão sem fim, o Quadro de Referência Estratégico Nacional, que a generalidade conhece pela estafada sigla QREN, era esperado na região como deus relativamente salvador para os próximos anos, designadamente já em 2014. Muitos políticos nas suas apostas locais e regionais, bastantes burocratas nas suas mordomias e número apreciável de empresários nos seus vaticínios deram, até anteontem, confiança a esse deus que, segundo parece, caiu por terra pelo anúncio do ministro responsável, Poiares Maduro. Segundo este, 93% dos fundos, em 2014, serão dirigidos “às regiões mais pobres” do Norte, Centro, Alentejo e Açores e os restantes 7% serão para as regiões de Lisboa, Algarve e Madeira. Portanto, para o Algarve será uma amostra.
Ainda recentemente, em agosto, Poiares Maduro afirmara em Lagoa (na FATACIL), que a grande prioridade do próximo QREN deveria ser, não supostamente as quatro “regiões mais pobres” mas o reforço da competitividade de bens e serviços transacionáveis e com capacidade para serem exportados. Agora acaba de explicitar essa intenção ao referir que a prioridade dos fundos será para projectos que melhorem a competitividade da economia e que as “empresas que investem, empregam e produzem (…) serão as primeiras destinatárias dos fundos europeus”. Nada a opor a este princípio se fosse geral. Mas o que repugna é que o ministro tenha dividido o país em duas partes separadas por um fosso sem dúvida cavado por lóbis: de um lado, o país dos 93% e do outro lado o país dos 7%, onde não haverá pobreza, e por sinal as mais elevadas taxas de desemprego, ao lado de empresas que também investem como no Norte, também empregam como no Centro, também produzem como no Alentejo e que também necessitam do reforço da competitividade como nos Açores.

Mais uma vez aí temos um ministro insensível ao significativo número de indicadores do Algarve, anormalmente desfavoráveis para o desempenho socioeconómico e de coesão da região e mais uma vez fica adiada e prejudicada a capacitação do Algarve, das suas empresas e dos seus recursos humanos para os desafios que tem de enfrentar se é que os poderá enfrentar com a pequena fatia que lhe caberá dos 7%.

Carlos Albino
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Dois flagrantes: 1 - Os doentes oncológicos residentes no Algarve não têm acesso facilitado à medicina nuclear (exames PET) como os outros portugueses do continente. Dos 12 equipamentos disponíveis nenhum está localizado no Algarve e nem sequer no Alentejo. É a própria Entidade Reguladora da Saúde a afirmar que a disparidade põe em causa a equidade no acesso à saúde.
2 – As televisões por aí se desdobram e cobrem as vindimas, a apanha das azeitonas e até das castanhas. Para a apanha da alfarroba, no Algarve, não há câmaras nem tempo de emissão que dê conta desse valor económico. 93% das câmaras estão no Norte, no Centro, no Alentejo e nos Açores…

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SMS 538. Crise de representação

7 novenbro 2013

Quando se sente que há um problema, soluções há muitas, não há ninguém que não tenha a melhor solução. Nisto de salvadores somos especialistas. E então mesmo sem se identificar o problema, aí temos montanhas de soluções. Solução para a educação e ensino, para as empresas, para o emprego, para a cultura, para a política local, para as instituições. Nadamos em soluções mesmo que se desconheça ou não se queira mesmo conhecer o problema. No entanto, o importante e o fundamental seria começarmos por responder a uma simples pergunta e que é esta – Qual é o problema?

Não é difícil perceber que o Algarve tem um problema que, em traço comum, passa por todas as terras, da maior cidade à mais recôndita aldeia, problema esse que infeta  as poucas organizações e organismos regionais, infeta cargos desde os de grande influência aos de mero impacto local, infeta a política, infeta a sociedade se é que se pode falar de uma “sociedade algarvia”, porquanto ela está esquartejada por esse mesmo problema, como num talho, em pequenas sociedades locais fechadas e sempre nas mãos de pequenos grupos também estes fechados, alguns antropófilos, outros antropófagos.

O Algarve tem um problema de representação. Não está representado verdadeiramente por ninguém, e os poucos cargos de representação efetiva e legítima prefiguram interesses nisto ou por aquilo, ou seja, controlam o bolo sempre que há bolo ou enquanto há bolo. É um campo aberto para os populistas e para os sortudos, mais para os sortudos do que para os populistas porque o populismo não tem grande futuro perante uma multidão de gente que, nas melhores horas do dia e que de Aljezur a Alcoutim, não prescinde do sofá em frente da televisão convertida em deusa do lar, de gente que não lê absolutamente nada ou se lê é a notícia da facada ou do amor anavalhado, que não sente a falta de jornais locais e muito menos dos regionais, de gente que se abstém nas eleições porque antes e depois destas se abstém em tudo o que esteja para além do humor egocêntrico. É abstenção das bibliotecas que, salvo exceções pontuais, não se converteram em centros de ideias, de escrutínio e de criatividade; é a abstenção das associações que sem subsídios morreriam; é a abstenção do teatro, da música e do livro; é a abstenção da convivência não se confundindo esta com ajuntamento do camarão e da cerveja; é a abstenção dos sindicatos desde que não haja problema com o salário ou com a regalia; é a abstenção de uma sociedade em que se mistura gente desenraizada com gente que perdeu as raízes e nem se esforça por, conhecendo as raízes, conhecer a terra onde vive.

O abstencionismo, no Algarve, não é um abstencionismo político, mas sim um abstencionismo cultural. E um Algarve assim e a caminhar assim, só por milagre não mergulharia num problema de representação, numa grave crise de representação que normalmente resulta numa crise de identidade. E este é o problema. Problema que afeta e infeta as nossas escolas e a nossa universidade, os nossos jornais, as nossas assembleias municipais e as nossas assembleias de freguesia, a nossa chamada “comunidade intermunicipal” em cuja bandeira parece já não constar o rei mouro e o rei cristão mas sim os dinheiros do QREN em função dos quintais pouco comunitários e que, nas cabeças dos que não querem saber do problema, são a solução.

Carlos Albino
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Flagrantes reservas naturais: As tertúlias, muitas, que por esse Algarve há. Algumas são já escolas de convivência.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

SMS 537. As orquestras dos nossos 11 mil milionários

31 outubro 2013

Porque as palavras no Facebook não só voam mas evaporam, aqui fica impresso. Tenham a paciência de ler.

Eram umas quatro da manhã, encontrava-me no auditório principal do CCB. Inexplicavelmente, um homem já falecido, que fora meu amigo durante anos e anos mas que, depois de umas navalhadas nas costas, lhe mudei o nome para Aldrabão Sorridente, fez-me chegar o convite para um anunciado concerto clássico. O convite era já de si estranho. Na tarja em diagonal, lia-se “Lugar reservado no palco”. E assim era. Chegado ao CCB fui encaminhado para o estrado onde, no lugar tradicionalmente ocupado pela orquestra, estavam uns sessenta outros convidados, entre os quais não foi difícil identificar uma dúzia de sem-abrigos, quatro frades franciscanos descalços, dúzia e meia de caras amareladas típicas de desempregados sem qualquer apoio, alguns reformados com casacos engelhados e camisas coçadas, e bastantes jovens com face de desalento. Fiquei sentado entre uma professora despedida e um moldavo que me confidenciou não ter dinheiro para regressar à terra depois de dez anos de clandestino ao serviço de um empreiteiro. Ainda não estava eu refeito desta surpresa com os convidados para o palco do CCB, quando, olhando para sala apinhada, notei que todos os espetadores na enorme plateia e nos balcões, cada um tinha o seu instrumento, das cordas e metais à percussão. Ou seja, o convite do Aldrabão Sorridente para o concerto clássico colocou-me numa sala ao contrário: sessenta espetadores em palco no lugar da orquestra, e uma orquestra de oitocentos e tal elementos vestidos com impecáveis roupas de marca, homens agitando os pulsos com relógios de pulso inegavelmente de ouro, e mulheres, sobretudo as dos violinos, exibindo paraísos fiscais nos decotes, enchendo por completo plateia e balcões, num cenário dantesco de uma gigantesca orquestra possidente e feliz, pronta a tocar para regalo de sessenta desgraçados. Foi então que olhei para o folheto explicativo do espetáculo. Aí se lia tratar-se da “estreia mundial” de uma orquestra formada exclusivamente pelos portugueses com uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares (815 mil euros) escolhidos criteriosamente por entre um total de 11 mil milionários lusitanos registados com tais condições segundo estudo certificado do «World Wealth Report 2012», o que, feitas as contas com os que ficaram de fora da orquestra nacional do CCB, daria para mais doze orquestras regionais. Mas quando li também que o maestro residente da orquestra era aquele mesmo Aldrabão Sorridente que me convidou, então aí, acordei. Foi um pesadelo.

Carlos Albino
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Flagrantes previsões estatísticas: Para que se meça a saúde do turismo, há quem sugira que se conte não tanto as dormidas (tão do agrado e proveito dos operadores com sede no estrangeiro) mas o número de dias em que os visitantes andam acordados, comprem, circulem, transacionem...

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

SMS 536. A questão da liderança regional

23 outubro 2013

Queixam-se muitos, por certo com razão, de que o Algarve não tem liderança regional. Liderança política, liderança cívica e liderança moral amplamente reconhecida. Não é visível que haja alguém ou alguns com um projeto com pés e cabeça para a região, independentemente da região não existir como tal, e de, portanto, não haver um “posto de comando” a que corresponda a função de liderança, embora toda a gente saiba que é a função faz o órgão. É verdade que temos a comunidade intermunicipal que é uma manta de retalhos, com a sua presidência sempre muito disputada ou muito concertada nem se sabe bem porquê, pois essa presidência não corresponde a mais do que um salário de prestígio social e a que, até hoje, não correspondeu prestígio político. Esperar-se que daí resulte “liderança regional” é o mesmo que querer pescar um atum com anzol para bogas. Também é verdade que temos uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional que é um serviço periférico da administração direta do Estado, mas o seu chapéu, na melhor das hipóteses, corresponde a um funcionário zeloso, e na pior, a uma mordomia, pelo que, ou o funcionário está calado pelas leis da sobrevivência, ou o mordomo fala, e aquilo que diz não é mais que a voz do dono, tudo isso não indo mais além da autonomia administrativa e financeira de mais uma máquina burocrática de resultados duvidosos e de procedimentos conflituantes com outras máquinas. Também é verdade que, como em todo o País, tivemos o governo civil que teve os seus tempos áureos de temor na ditadura, mas que, em democracia, nem era governo como nunca foi, nem era muito civil – era uma paróquia de culto partidário com umas procissões de protocolo pífio.

Nestas circunstâncias, sempre que há eleições, autárquicas ou legislativas, esperam esperançosamente muitos que uma liderança regional possa emergir, ou de uma autarquia cujo protagonista tenha sido mais ou menos exitoso na corrida interna da comunidade intermunicipal, ou dos cabeças de listas de deputados eleitos para S. Bento, já que, nas suas campanhas, os candidatos a deputados, desta ou daquela forma, alargam-se nas garantias de representação e defesa dos interesses da região com programas políticos enformados nesse desiderato. Só que tomara os autarcas conduzirem bem os seus ducados e tomara os deputados cuidarem da pose nas respetivas bancadas. Não é daí que uma liderança se afirma, porquanto ovos de codornizes dão codornizes e não geram águias.

Para uma liderança, democrática, claro, e não populista e com síndrome de autoritarismo, não basta que haja quem queira e possa. É preciso ter saber atuante e consolidado, independentemente de quem isso tenha, ser ou não autarca ou deputado, e para que esse saber se comprove, é necessário tempo. Mas também é preciso estar identificado com um projeto ou um programa, deixando que sejam os seus concidadãos a reconhecer a justeza e adequação dos princípios e valores, para o que é necessário espaço, seja este um espaço partidário ou extra-partidário. E finalmente é preciso ter peso, autoridade moral, probidade e respeitabilidade pública que se note e seja referência para além do Caldeirão, para o que é necessário ter matéria e não apenas carreira. Ou seja: líder regional será mais o que tende a sê-lo sem pretender, do que aquele que provincianamente espalha aos quatro vento que pretende sem ter estofo para essa tendência. Chefes temos muitos, a liderança ou desejavelmente lideranças alternativas é que, segundo parece, não há e também não pode ser recrutada por anúncio ou por concurso público. Reconhecer este problema já é um grande passo, o primeiro passo.

Carlos Albino
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Flagrante aplauso: Grande discurso em Loulé, o do prof. Mário Patinha Antão (PSD, da assembleia municipal cessante) na tomada de posse de Vítor Aleixo (PS, presidência da câmara). Foi uma lição de democracia pública e também de democracia interna dos partidos, quer ganhem ou percam. Esse discurso merecia ser publicado na íntegra.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

SMS 535. Aparelhismo, o Alzheimer da democracia

17 outubro 2013

Fazem-se os partidos para a conquista do poder ou da representação através do voto geral. As escolhas de quem se apresenta para essa conquista, a nível regional (deputados) ou local (municípios e juntas) fazem-se pelos mecanismos da chamada “democracia interna” segundo critérios em que deveria imperar a competência aliada à probidade, o dinamismo aliado à criatividade e também as incontornáveis provas públicas. Nem sempre estes critérios são tomados em devida conta, com os partidos a deixarem-se ir na onda dos jogos de influência pessoal ou a deixarem-se arrastar por interesses apostadores, voltando costas a princípios, valores, programas e ideias e a focarem o poder pelo poder na mira do poder ser exercido em função de interesses difusos ou de afirmações pessoais. Quando isto acontece, de vez em quando os partidos entram também na chamada “rutura interna”, do que resultam facções dominantes ou literalmente dominadas ou, então, mais tempo menos tempo, dão azo, por enquanto apenas a nível local, a candidaturas independentes, umas com êxito, outras não, conforme a implantação da facção dissidente e a bitola da dissidência. Também acontece, os partidos chegarem ao ponto de que se convencerem de “não terem ninguém”, recorrendo a independentes cuja independência apenas significa não estarem inscritos em partidos, o que é muito pouco ou mesmo nada para traduzir independência. Isto é normal, não é por aí que a democracia se corrói, antes pelo contrário, pode contribuir para os partidos se confrontarem com a sua própria verdade. A democracia apenas ganha com as escolhas feitas pelo critério de excelência e probidade dos candidatos, independentemente da militância ou não dos candidatos. Claro que também podem surgir os independentes fora dos mecanismos partidários mas que, na prática, não deixam de configurar uma espécie de “partidos espontâneos” ou partidos ad hoc”, com maior ou menor duração, por vezes a exercerem o escrutínio dos partidos formais e que estes internamente atempadamente não fizeram. Somos livres e o sufrágio manda.


O problema é quando os partidos, a nível regional ou local, julgando-se isentos do escrutínio público ou com resultados à vista que pensam ser favas contadas, propõem a sufrágio listas emanadas do clientelismo, umas vezes impostas pelos diretórios de Lisboa, outras vezes prefigurando a mera distribuição, entre compadres, dos lugares tidos como elegíveis. Ou seja, listas de nomes do aparelho e da vontade circunstancial do aparelho, sem atender a critérios de competência e probidade (uma coisa, na hora do voto, não se desliga da outra, e raramente o marketing político compensa essa falta de visão, como estas autárquicas, aqui e ali, comprovaram). A nível local (municípios e juntas), o fator de proximidade pode corrigir a distorção do clientelismo. Já a nível regional (eleição de deputados) essa proximidade apresenta-se muito mais rarefeita, se é que existe dado que a “vivência regional” ou identitária, no caso do Algarve, é uma figura de estilo que pouco passa para além da realidade geográfica.

As eleições para o parlamento aproximam-se (as europeias são apenas fator de consideração dos diretórios de Lisboa e o Algarve nelas pouco conta como se tem verificado) e se queremos ter deputados que representam a sério a região e desta sejam porta-vozes com constância e excelência, é esta a hora de lembrar que o aparelhismo é o Alzheimer da democracia. O Alzheimer da democracia interna dos partidos e o Alzheimer da própria democracia onde os próprios partidos se fundamentam e justificam.

Carlos Albino
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Flagrante esquecimento: Contrariamente ao que acontece com outras regiões (Açores, Beiras, Alentejo, por aí fora) o Algarve esquece e deixa cair como velharia inútil  a sua Casa do Algarve em Lisboa, quando dela a região tanto precisaria. Sinal dos tempos.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

SMS 534. Como o desafio à lei rende

10 outubro 2013

Pela primeira vez, observei “in loco” estas eleições locais. As anteriores foram sempre inteiramente vividas em Lisboa, pelo que aquele “in loco” significa a província, chegando a tempo e horas para o voto em Lisboa. E nesta província observei o que é inadmissível em eleições democráticas.

A lei proíbe afixar propaganda em edifícios públicos, nos sinais de trânsito ou nas placas de sinalização rodoviária, e no interior de repartições e de edifícios públicos? Proíbe, mas vi propaganda em edifícios públicos, em placas de sinalização (nas rotundas, então!), no interior de repartições e em equipamentos públicos. Designadamente, num centro de saúde de freguesia rural e de idosos, apinhado de idosos, lá estava propaganda de um só.

Existem espaços especialmente destinados à afixação de propaganda? Existem, mas observei que painéis destinados às candidaturas por juntas de freguesia, e que deveriam ser equitativamente distribuídos pelas listas concorrentes, estavam repletos não de propaganda (cartazes, fotografias, manifesto, avisos, etc.) mas repletos dos editais que segundo a lei deveriam ser afixados obrigatoriamente à porta das juntas. E quanto a utilização abusiva de equipamentos públicos, observei que até os caixotes de lixo camarários foram usados como painéis de propaganda, com colagens a desoras feitas pelos próprios candidatos.

A lei permite que os candidatos possam estar presentes nas assembleias de voto? Lá isso permite, desde que nas assembleias de voto isso apenas se justifique na ausência do respetivo delegado mas, em qualquer caso, não podem praticar atos que constituam, direta ou indiretamente, propaganda à sua candidatura. Observei um caso em que, às claras, o candidato lá esteve, explicando a eleitores o símbolo partidário em que deveriam votar… Qual lei! A lei estipula que é punido com pena de prisão até 6 meses ou pena de multa não inferior a 60 dias, caso essa prevaricação ocorra no dia da eleição, abrangendo toda a atividade passível de influenciar, ainda que indiretamente, os eleitores quanto ao sentido de voto, mas o desafio à lei rende.

A lei proíbe a realização de eventos na véspera e no dia da eleição? Não proíbe desde que não haja aproveitamento de tais eventos, no sentido de serem entendidos como propaganda eleitoral e nos quais os candidatos não devem assumir uma posição de relevo. Ora, observei eventos, designadamente a pretexto de forçado romantismo religioso, organizados não tanto por fé mas pelo chico-espertismo que nada tem a ver com a fé.

Observei muito mais pelo que a lição destas locais “in loco” foi grande. Num sofá em Lisboa não se imagina o que um chico-esperto pode fazer na província. Impunemente, não se sabendo até quando.

Carlos Albino
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Flagrantes contas: Mas como é interessante a consulta dos Orçamentos de Campanha apresentados pelos partidos, conforme a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos do Tribunal Constitucional discrimina, terra a terra. Sobretudo em matéria de angariação de fundos e donativos. A bota não bate com a perdigota.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

SMS 533. Claro, um Algarve diferente

3 outubro 2013

Com dez câmaras para o PS, cinco para o PSD (uma, a de Faro, em coligação com o CDS) e uma para o PCP (CDU, para os devidos efeitos), obviamente que o Algarve ficou com uma expressão política diferente. Em 2009, o bolo era dominado pelo PSD com nove câmaras (uma, também em coligação com o CDS), restando então para o PS a liderança em sete municípios.

Facto relevante foi, de modo geral, o comportamento do eleitorado mais rural, quer para juntas de freguesia, quer, por arrastamento, para assembleias municipais, que deu um expressivo empurrão ao PCP e amparou o PSD numa queda maior. Relevantes também foram a vitória de Isilda Gomes em Portimão (depois de tudo o que se passou), ainda a vitória de Vítor Aleixo em Loulé (aqui, de facto, uma vitória de David contra Golias, em função dos meios desproporcionados e da campanha luxuosa do PSD), como também, pela negativa, a derrota em Lagos do deputado do CDS, Artur Rêgo, que não foi além dos 6,37 por cento dos votos.

Mas, independentemente de vitoriosos ou derrotados, e de forças regionalmente liderantes, há algumas conclusões a tirar destas eleições. Para já, Faro por que todos os candidatos pugnaram, desta ou daquela forma, para se afirmar como “capital” da região, ficou na contra-corrente da mesma região, perdendo manifesto protagonismo político que também não soube ou não conseguiu afirmar quando as eleições de 2009 lhe deram sopa no mel. Pelas inevitáveis consequências dos resultados do dia 29 (na AMAL e, mais tarde ou mais cedo em órgãos regionalmente relevantes, como a RTA), a “capitalidade” vai ficar repartida, senão mesmo deslocada. É uma questão de tempo, até porque as europeias e as legislativas aproximam-se e os sinais da alteração do mapa político da região são mais do que evidentes.

Depois, como muitos previam e bem, pela primeira vez a eleição dos presidentes das juntas de freguesia ganhou importância, nalguns casos decisiva para o desfecho dos sufrágios para as câmaras. Os presidentes de juntas eram, até há pouco e por inércia, uma espécie de atrelados políticos dos candidatos às câmaras, e a situação inverteu-se. Alguns presidentes de câmaras foram eleitos pela influência dos candidatos às juntas e alguns perderam também por isso mesmo. Nem sempre os métodos foram recomendáveis e, aqui e ali, houve mesmo casos de figuras que atuaram como os antigos regedores do Estado Novo, prestando-se a procedimentos próximos do caciquismo, a deslealdades que desonram a dignidade do voto. Casos isolados, sem dúvida, mas fica, para memória futura, a grande lição de que os candidatos às juntas não são verbos de encher, ou figuras decorativas das campanhas. E num momento em que as juntas recebem mais competências e mais verbas, tudo aponta para que os partidos repensem a sua responsabilidade nas escolhas e nos procedimentos, sobretudo nos meios rurais, de eleitorado idoso e onde a democracia mais faz transparecer inevitavelmente as suas contradições.

Carlos Albino     
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 Flagrantes independentes: Nem todos.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

SMS 532. António Ramos Rosa

26 setembro 2013

Dizer que António Ramos Rosa é um dos maiores poetas do Século XX é dizer pouco. É preciso acrescentar que é um dos maiores poetas portugueses da segunda metade desse século. E para se precisar um pouco mais, talvez convenha acrescentar que se manteve como um porta marcado pela dedada da terra onde nasceu. O seu endereço de nascimento é este – Cidade de Faro, Algarve.

Que é uma honra para nós, seus parceiros de terra? Sim. O seu primeiro poema, datado de 1958, “Os Dias sem Matéria”, foi publicado em  A Voz de Loulé. Ao longo do tempo e dos seus abundantes títulos, as marcas de uma paisagem luminosa que lembra o Sul, parecem sobreviver desde o primeiro título “O Grito Claro”, datado também de 1958, até ao último, “Figuras Solares”, de 1996. Talvez o seu maior esplendor como poeta da originalidade – e aqui originalidade refere-se sobretudo à origem - esteja concentrado nas recolhas de 74 e 75, bem como no livro “O Ciclo do Cavalo”. Depois, a pureza de António Ramos Rosa nunca foi manchada por nenhum descuido ou cochilo. Sempre grande, por vezes quase imaterial, quase sem raiz na terra pátria, para passar a ter só raiz no mundo. Não importa.

O que há a salientar, no momento que passa, e é tão fugaz, é que António Ramos Rosa tenha sido tão fiel à poesia pura. Numa hora tão absurda como é aquela em que vivemos, em que a Literatura se mistura na alcofa das vendas a retalho, é bom que um poeta tenha escrito:

Às vezes um homem consegue ser a palavra
Entre a terra e a terra
E abrir uma porta.

A Biblioteca Municipal de Faro tem o seu nome e a sua obra. Oxalá nós tivéssemos na nossa vida a inteireza da sua poesia.

Carlos Albino
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 Flagrante indicação de voto: Escolham estes ou aqueles e, conforme, depois não se queixem, dizendo que foram enganados e que estão arrependidos.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

SMS 531. Os nomes das coisas

19 setembro 2013

Dar nomes a ruas, praças, escolas ou edifícios públicos, é um ato que, para além de simbólico, é marcante. Traduz, ou deveria traduzir, os valores em que a sociedade acredita e quer deixar vivos para a posteridade, ou põe em letra de forma, por princípio, gente de bem que a sociedade não quer que se esqueça. E é assim que os nomes das coisas, da travessa e avenida à praça de referência, passam a fazer parte do quotidiano de quem aí habita ou passa.

E nisto de nomes, também há modas. Houve tempo em que a moda foi dos reis da simpatia ou dos presidentes da República, ou por terem nascido na localidade ou por amizade com o regedor da circunstância. Noutro tempo, foram os navegadores e figuras emblemáticas da expansão marítima. Há muito Vasco da Gama, muito Afonso de Albuquerque, bastante Pedro Álvares Cabral e uma coleção de marinheiros mesmo em terras onde ninguém sabe nadar. Houve também a moda de heróis, uns heróis a sério, outros por dá cá aquela palha, sendo essa a razão de, por aí, quase não haver terra que não tenha a sua Rua Tenente Valadim, embora ninguém saiba quem foi, o que fez e porque consta. Também houve a moda dos ideais, com as ruas da Liberdade, do 5 de Outubro e do 25 de Abril a substituírem, por vezes, anteriores nomes que tão depressa foram impostos como expediente de idolatria, como rapidamente caíram em desgraça, passando a figurar na lista dos detestáveis. E o que se passou ou passa com nomes de ruas, passou-se e passa-se com escolas e demais edifícios públicos a que se queira dar bilhete de identidade.

Mas independente de modas, o que interessa é avaliar os critérios. E nem sempre os critérios são suportáveis. Porque uma coisa é dar a uma rua o nome do Poeta Aleixo, outra é perpetuar numa travessa alguém que publicou dois ou três livrecos de quadras onde coração rima sempre com feijão e não passam da cepa torta. Uma coisa é dar nome de rua a uma figura pública nacional ou local que tenha deixado obra de excelência, pensamento e exemplo estimável na sociedade, outra é usar a rua para tornar em figura pública quem foi figura normal e por vezes pouco exemplar. Até por vezes os nomes são dados “porque não há mais ninguém”. Neste caso, rendo-me à sageza de uma terra do Alentejo que, à falta de personalidade local de relevo e com direito à consideração pública, resolveu o problema atribuindo à rua o nome de “Rua de Ninguém”. Ou, outro caso, também se encontra em Palmela a Rua de Nenhures. Na verdade, dar a uma escola o nome de alguém que não produziu uma linha pedagógica ou científica, que nunca foi professor ou investigador a sério, e que jamais se revelou um lutador da instrução pública com nome para ficar, não lembra a ninguém. Pensem nisto e dêem uma volta pela vossa cidade.

Carlos Albino
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Flagrante autarca sem limitação de mandatos: André Jordan.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

SMS 530. Os novos educadores do povo

12 setembro 2013

É uma originalidade portuguesa, esta de, semanas atrás de semanas, ex-líderes de partidos, ex-governantes e deputados no ativo ou reformados se sentarem nas televisões, entrando como comentaristas e saindo como entrevistados. Falam dos mais variados temas, da economia e finanças até à educação e ambiente, com ar de peritos em tudo. Não é difícil perceber que os temas são previamente escolhidos e estudados determinando as perguntas, e que as respostas são preparadas em função da militância partidária e da capacidade de tecer argumentos ardilosos, frequentemente perto do embuste. As televisões chamam a isso comentários mas são de facto entrevistas, conferindo continuadamente a essa gente que teve tribuna e não usou na hora em que devia ter dado explicações, ou que tem e não usa para os devidos efeitos, uma espécie de direito adquirido. Mesmo que no passado tivessem feito o mal e a caramunha, aparecem impositivamente nas casas de cada um como educadores do povo, como exemplos de ética política, e como papas infalíveis.

Não é que, como cidadãos, não tenham direito ao comentário ou à expressão de opinião. Obviamente que não se lhes pode nem deve retirar esse direito. O que repugna é que, a coberto desse direito, sejam entrevistados em dia certo ao longo de tempos e tempos, como se fosse um dever nacional ouvi-los e eles tivessem o direito também nacional de serem ouvidos. Ou Portugal não tem ensaístas, pensadores, politólogos, comentadores independentes e especialistas a ponto de se ter de recorrer a políticos errantes mas disponíveis para tais serviços, ou então, estamos enganados, e o pensamento crítico, a avaliação da realidade, o escrutínio do passado e a abertura de perspetivas de futuro, terá mesmo de passar pelos estafados recrutas partidários que, por este ou aquele motivo mais que sabido, estão a fazer a travessia do deserto.

Em nenhuma democracia ocidental acontece este fenómeno português de entregar a políticos que falharam à mingua de ideias, que erraram clamorosamente ou que perderam no voto a confiança dos cidadãos, surgirem como pensadores impostos, agendados e com honras de luminárias, em entrevistas que mais não são que uma serviçal mistificação do jornalismo, a que normalmente, nas democracias maduras, se chama frete.

Se não vejam, agora que atravessamos o período eleitoral autárquico, como sub-repticiamente interferem ou tentam interferir, no que a cada um convém partidariamente. É verdade que não pisam o risco da lei, ou não sejam na generalidade advogados, mas a mensagem subliminar, a ideia apelativa subtil e o intencional argumento falacioso, lá estão. Entram nas televisões como comentadores supostamente independentes e fora da política ativa mas saem delas génios dependentes e clérigos experimentais dos diretórios partidários. Com tais novos educadores do povo, sem dúvida que, feitas as contas, a instrução pública desce. Convertem o pensamento político na tagarelice com sorriso de salão.

Carlos Albino
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 Flagrantes queixas: Na Comissão Nacional de Eleições, pelos dados mais recentes, deram entrada 157 queixas relativas a estas autárquicas. O maior número (39) relaciona-se com a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, seguindo-se (31) casos de tratamento jornalístico discriminatório e (27) com publicidade comercial. No Algarve também há casos em que, segundo parece, todos os meios justificam os fins…

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

SMS 529. Independentes de quê?

5 setembro 2013

Quanto à independência crítica, todos, estejam ou não filiados em partidos, é bom que a tenham, a conservem e torçam por ela. A independência de espírito é um bem inestimável, e se algum partido eventualmente a não tolera, estará a esgotar a democracia interna ou terá deturpado gravemente os procedimentos estatutários. Só que a invocação de independência dá para tudo. Por vezes nada mais é que a camuflagem de subserviências e interesses em nome de “grupos de cidadãos”, ou, pior, a máscara de vaidades pessoais, de ressaibos mal administrados e de fato eleitoraleiro dos vira-casacas.

Nesta época de candidatos livres, aí temos os independentes de várias espécies. Há os independentes por mera afirmação ou motivação pessoal, há os independentes “apoiados” por um partido ou concorrendo em lista de partido, há os independentes que já foram de um partido mas que, perdendo a corrida interna da sua facção, surgem como espécie de vingança acrítica e de pregação emotiva, e há também os independentes, sobretudo nos pequenos meios ou nos meios rurais, que em anteriores eleições foram apoiados por um partido e agora surgem com apoio de outro. Se me dizem que o independente é aquele que isso invoca por não ser filiado num partido ou neste não tem militância, sendo próximo, nada haverá a opor. Os partidos têm o direito, a legitimidade e até o dever de recrutar os melhores da sociedade, os probos, os honestos, os competentes e, naturalmente, os que tenham dado provas de independência crítica. A presença destes independentes no jogo eleitoral é saudável, enriquece a democracia e vai ao encontro dos eleitores que, estes também tenham independência crítica. E até se admite que de fora dos partidos também surjam independentes probos, honestos e competentes, com algum programa de ação e ideias que os partidos recusaram ou não previram, e que um grupo de cidadãos assuma. O problema não é esse, o problema é quando a independência é uma máscara, o resultado do mais reles oportunismo e, pior será, quando o independente julga que o mandato que quer renovar ou conquistar é como coisa de sua propriedade privada, algo que lhe pertence por direito próprio, como se cada eleitor fizesse mera figura de notário.

Mas olhando bem para programas, slogans e ideias-chave, dos que, no Algarve, invocam ser independentes, de modo geral, os programas são pobres quando não irreais, os slogans de campanha são inócuos e andam perto dos anúncios dos supermercados, e quanto a ideias-chave, ou repetem o pior populismo criticável nos partidos, ou não passam de exploração do que julgam ser as emoções localmente mais fortes. E dizem à boca cheia que são “independentes” porque dependem de si próprios, sabendo-se que o convencimento da auto-dependência é a maior negação de independência. E um embuste. Não é o grupo de cidadãos que trabalha, é o eu.

Carlos Albino
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 Flagrante pormenor: Até dia 9 (segunda-feira), os partidos políticos, coligações de partidos e grupos de cidadãos devem comunicar à junta de freguesia os representantes das candidaturas nas mesas de voto. É aconselhável que indiquem gente de olho atento para que os mortos, abstencionistas por velhice, invalidez ou sabidos, não votem. Para que não se repita o que já tem acontecido, pois há gente que não olha a meios para atingir os fins.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SMS 528. O que é demais não presta

29 agosto 2013

Ainda me recordo de eleições autárquicas em que a publicidade partidária até usava avionetas com longos panos a esvoaçavam sobre aldeias, vilas e cidades apelando ao voto, numa manifestação de poder, força e dinheiro. Na inteira propriedade do termo, tais avionetas pagas sobretudo por empreiteiros e ofícios liberais correlativos, voavam acima das nossas possibilidades. Entretanto cá em baixo, aquilo é que eram montanhas de esferográficas, cachecóis, bonés, medalhas e medalhões, tudo para lançar o “nome”, para afirmar a suposta autoridade moral do candidato e fundamentalmente para caçar o voto, como um período eleitoral fosse uma época de caça. Muito pobre diabo assim se transformou, apenas por via do slogan lá em cima e dos bonés cá em baixo, em luminar e em génio da política local, embora pouca luz irradiassem e raros pensamentos próprios fossem capaz de apresentar sem o papel de auxílio escrito por terceiros. Depois, os “caçados” foram vendo o comportamento dessa gente, uns atrás de outros, nas jogadas de interesses, na ginástica de fazer legal o ilegal, lícito o ilícito e na arte de dar um ar sério às brincadeiras com o interesse geral e às trafulhices com o bem comum. Alguns casos pontuais transformaram-se em escândalos, mas, de modo geral, tudo o que não chegou a escândalo contribuiu para a abstenção dos eleitores, para o desapontamento dos contribuintes e para a descrença dos cidadãos.

Agora, os partidos fazem questão em não fazer espavento financeiro com as propagandas eleitorais, como dizem, devido à crise, mas também, como deixam sugerido, porque numa sociedade com gente à fome, desempregada, indefesa, com a maior parte das pessoas a não saberem como será o dia de amanhã e até como vencerão o dia de hoje, o dinheiro gasto a rodos com a propaganda produziria o efeito contrário ao desejado. Mas ainda assim há bastante espavento. Aqui e ali, há sementeiras de cartazes que são uma agressão e uma ofensa a quem conta os cêntimos para enfrentar o dia a dia, e que já aprendeu na pele que o bom candidato não depende do cartaz mas das suas ideias, do seu programa, das suas propostas, da sua visão da sociedade e das garantias ou provas que o seu passado pessoal dá.

Só que a força do marketing político de fatela e o desespero de alguns em caçar votos, levam ainda alguns a continuar os velhos métodos que contribuíram para pôr nódoas nesta Democracia. Não resisto a observar que alguns desses cartazes mais me parecem cartazes de aiatolas do Irão, caras enormíssimas semelhantes às dos aldrabões sorridentes, supostamente dominadoras das opiniões públicas locais, mas que espremidas dão em cabeças de alfinete.

Carlos Albino
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Flagrantes desperdício: Surgem por aí uns livros editados com apoios autárquicos, que são desperdício de dinheiro, massacres para quem tenha o mínimo de cultura, inutilidades para a instrução pública, alguns verdadeiras peças pimba, embora sejam monumentos de vaidades pessoais de gente que apenas sonha com os seus nomes numa travessa local. Enfim, com papas e bolos…

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

SMS 527. Terra de ninguém

22 agosto 2013

O primeiro-ministro esteve a banhos na Manta Rota, dias calmos, e ainda bem, porque a democracia exige serenidade na manifestação pública e respeito pela vida privada. No final da semana passada, foi a rentrée política no Calçadão de Quarteira, com o que se convencionou chamar Festa do Pontal, onde não faltaram ministros por conveniência, dirigentes no seu direito ao palanque e comentadores que nos restantes dias do ano pintam a cara de semi-independentes e se reclama de estar “fora da política ativa”. Enfim, foi o Pontal. Mas o curioso é que Pedro Passos Coelho, tendo estado uma semanita no Algarve e discursando no Algarve, sobre o Algarve nada disse, e para o Algarve não disse nada. É como se tivesse falado numa terra de ninguém, onde não está ninguém, ou onde se alguém está, é de passagem pelo Pontal. Sendo a região do País mais fustigada pelo desemprego, com gente mais do que assolada pela fome às claras, e das mais atingidas no seu coração económico pela crise financeira, com a construção civil parada, as autarquias nas lonas, o comércio a fechar e os serviços a fazerem das tripas coração, pois em cima do vulcão social, o primeiro-ministro nem uma palavra dirigiu ao alvo, entretendo-se em esperanças gerais e com alfinetadas retóricas.

Se fosse regra não falar dos dramas locais, com certeza, seriam critérios discutíveis, mas critérios. Mas não tem sido assim noutros lados. Por exemplo, noutra festa, a Festa do Bodo no Pombal, dias antes de vir para a Monta Rota, Pedro Passos Coelho, segundo os anais, andou um quilómetro a pé numa volta às obras de recuperação urbana. E uns dias antes, noutra festa, a Festa das Romanas, nas Pedras Salgadas, também andou por lá, falou de lá e para lá. Mas em Quarteira, e naquele Calçadão que é a capital do Algarve em estado puro, foi como que falar do nunca em terra de ninguém.

Ele não fez sequer 20 metros a pé, perante as câmaras de televisão, para se inteirar das obras de requalificação do muro de Berlim que é a estrada 125; não fez uns 15 metros que fossem para comprovar o abandono de Faro; dois metros para indagar as consequências para as populações do regabofe financeiro das câmaras de sua simpatia ou de algumas outras de sua antipatia; ou, o que seria quase um milagre, um passo para lançar a segunda pedra no Hospital Central do Algarve. Nem fez isso, nem falou disso, como passou ao lado das dramáticas questões de segurança da população residente e visitante, da bela obra dos mega-agrupamentos escolares que espatifaram com o que melhor havia no sistema de ensino numa população dispersa mas coesa, não perdeu cinco minutos para ouvir os pequenos comerciantes, os pequenos empreiteiros, os pequenos agricultores, todos os pequenos que são o tecido do Algarve. Mas se não escutou, não foi ver, ou não lançou uma segunda pedra, também isso se compreende em função da agenda. O que não se compreende é que venha ao Calçadão de Quarteira, faça a sua rentrée política no Algarve com todo o bronze e trate esta terra como terra de ninguém. E assim sendo, para os algarvios, foi a Festa de Ninguém.

Carlos Albino
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Flagrantes jogos informáticos: Ou muito nos enganamos, há por aí uma candidatura autárquica cujos jogos informáticos não são caso jornalístico, são caso de polícia, de procurador e de tribunal.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

SMS 526. A questão ética dos mandatos

15 agosto 2013

A 45 dias das eleições autárquicas, os tribunais pronunciaram-se pela inelegibilidade de dois candidatos no Algarve (Francisco Amaral em Castro Marim, após cinco mandatos em Alcoutim, e José Estevens em Tavira, depois de quatro mandatos em Castro Marim). Nos restantes nove casos de impugnação no resto do País, os tribunais dividem-se. Como é sabido, as sentenças de inelegibilidade não são pedra sobre o assunto, porquanto há a hipótese de reclamação e ainda a de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo ser colocado um ponto final apenas a 9 de setembro, ou seja, escassas três semanas antes do sufrágio.

Está fora de questão que Francisco Amaral e José Estevens não mereçam prosseguir para um sexto ou quinto mandato noutra terra paredes-meias com as terras onde esgotaram o número legal de mandatos, como fora de questão está que outros autarcas, alguns bons e com provas dadas, não tenham mérito para andar com a casa às costas num singular nomadismo autárquico. Sabemos todos que alguns bons autarcas viram impedido mais um fôlego à frente dos “destinos da terra”, não por demérito ou punição mas porque a lei é a lei. Mas não é só a lei.

A questão é de ética, de ética política. Prende-se com o espírito da lei, com a intenção da lei, com o pressuposto ético que informa a lei. Está muito para além da questão do “de” ou “da” que a Presidência da República descobriu, num daqueles momentos de minudência que não tem, quando contrações de preposições com vogais surgem avantajadas à frente dos olhos, como no caso do BPN.

A lei foi confecionada para tolher uma excessiva permanência de autarcas no poder local (presidentes de câmara e de juntas) e fixou o limite em três mandatos sucessivos. Para voltarem ao cargo, só depois de um quadriénio de interrupção. Já se chama a isto quebra-cabeças, que assim é num ponto de vista pura e simplesmente legal, compreendendo-se dessa forma as interpretações contraditórias dos tribunais. Já  de um ponto de vista ético ou de ética política, ou seja, indo ao encontro da intenção ética que subjaz na lei, não se vê onde haja quebra-cabeças. De um ponto de vista estritamente ético, a limitação de mandatos não humilha os autarcas inconformados, reduzindo-os à situação de caracóis com casa às costas. A lei diz-lhes – “interrompam a renovação sucessiva de mandatos” e assim se titula, independentemente do onde, com quem, para onde.

Como a questão é ética, de ética política, é no mínimo estranho que se pretenda que sejam os tribunais a decidirem uma questão ética, empurrando-se tudo até ao Tribunal Constitucional como se este fosse um supremo tribunal ético ou suprema instância de gramática caso o assunto ainda esteja no “de” ou no “da”. E a questão é ética porque como toda a gente sabe embora alguns finjam não entender, a limitação de mandatos apenas visa impedir que a corrupção e o tráfico de influências entrem pelos municípios e juntas adentro com falinhas mansas e ofertas tentadoras como a cobra do paraíso. O escrutínio público não está nos três mandatos, está na interrupção. É uma interrupção cautelar e que, por sinal, até deveria ser entendida e assumida como protetora dos bons autarcas.

Carlos Albino
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Flagrante Pontal: Agora que o tempo passou e permite comparações, saudades do Pontal de Sá Carneiro, aberto, sem medos, corajoso, convivial, sem necessidade de cordões de polícia, enfim, festa democrática diferente de outras festas porque a democracia é isso – pluralismo, e o sinal de saúde da democracia também é isso – ausência de receio e de medo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

SMS 525. Publicidade política enganosa

8 agosto 2013

Vai para quase século e meio, Bismark observou que “Nunca se mentiu tanto como em vésperas de eleições, durante a guerra e depois da caça”… A questão não é que isso não pudesse acontecer no final do século XIX, quando as democracias saíam de sistemas obsoletos e quando grande parte das sociedades estava mergulhada no analfabetismo e organizada em compartimentos estanques, sendo que os mais pobres, desprovidos de haveres, sem acesso à cultura, a postos de decisão e ao próprio voto, eram mesmo estanques. O problema é que, passados cento e tal anos, a frase de Bismark continua a ter atualidade, com a mentira a aparecer mais sofisticada ou disfarçada, com subtilezas e ardis.

É claro que numa sociedade evoluída, a publicidade ou propaganda política enganosa acabará sempre por provocar o efeito de boomerang sobre a cabeça dos candidatos que a tais métodos recorram. O cartaz pode ser um primor de marketing e o slogan poderá parecer uma mensagem caçadora do voto, mas quem se apercebe do logro, do ardil e do procedimento enganoso, acaba por punir o seu autor ainda que fotografado na pose mais majestática, civilizada e aparentemente séria. Como no século XIX, sentido por Bismark, isso apenas funciona junto dos que, sem culpa, foram condenados ao atraso, mas que são os alvos preferenciais de quem não olha a meios para atingir os fins. Aqui e além, vê-se isso, nota-se isso, expõe-se isso à vista de todos. Cada um que conclua.

Muito gostaria que neste Algarve democrático do século XXI, os partidos (todos) não mentissem em vésperas de eleições, não mentissem como se escolher ideias, programas e gente séria, fosse andar na guerra, e não mentissem como se a conquista do poder (no caso, o poder local) fosse como contar perdizes dadas como prova de tiro certeiro mas que, em verdade, foram adquiridas no supermercado e penduradas à cintura pelo farsante caçador.

Não há lei nem decreto possível que impeça a mentira depois da caça, durante a guerra e em vésperas de eleições. Há apenas leis e decretos para a caça ilegal, para a guerra que viola a protecção de dados pessoais e para a compra de votos em vésperas de sufrágio. A frase de Bismark, vinda desses confins de 1890, dirige-se apenas à consciência de cada um – à consciência dos candidatos e à consciência dos eleitores. O outdoor, esse, não tem consciência, mas quanto mais uma sociedade é culta, mais boomerang se torna, sendo conveniente até saber o que é boomerang – arma de arremesso que cai sobre a própria cabeça de quem o atira.

Carlos Albino
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Flagrante oferta: Vítor Neto enviou-me o seu “Portugal Turismo – Relatório Urgente / Onde Estamos e Para Onde Queremos Ir”, que apenas conhecia de episódica recensão. Vou na pág. 58 (são 181) e vai de certeza dar azo a um apontamento. Pelas 58 páginas já lidas, precisamos muito de Vítor Neto.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

SMS 524. Património do Algarve

Guilherne d''Oliveira Martins no jantar-debate em Querença
1 agosto 2013

Pergunta simples mas importante foi dirigida a Guilherme d’Oliveira Martins no final de uma palestra sobre bens culturais, em Querença, na noite de sexta-feira passada: (fotos em cima e no final deste texto). Em resumo, a pergunta foi esta: A atenção deve ser dada com primazia para o património imaterial ou para o património material? A resposta não se fez esperar: para os dois em simultâneo porque um está intimamente ligado ao outro. Homenageava-se na ocasião Manuel Viegas Guerreiro, filho de Querença, um dos mais notáveis operários do património imaterial que lhe passou pela vista ou pelas mãos, e que deu nome a fundação exemplar encastoada na magnífica falda inicial da serra algarvia. Resposta certa, porquanto quer seja a poesia popular, sejam provérbios, sejam cantares, sejam quaisquer manifestações depuradas artisticamente da tradição e das gerações, das mais eruditas às mais espontâneas, todo o património imaterial não se desliga das pedras de construções históricas ou de qualquer marco que testemunhe a ocupação humana, a vontade humana e o significado mais ou menos vasto, mais ou menos emblemático para a humanidade, desde a humanidade que faz fronteira com cada um de nós até àquela humanidade que julgamos longínqua mas que cada vez mais tem vindo a visitar a nossa casa e só a volta a visitar se a dermos a conhecer, conhecendo-a.

Mas, dada a resposta, acabado o debate e feitos todos os cumprimentos devidos, vindo de regresso naquelas curvas da estrada, fui acrescentando algumas observações naquele debate íntimo que a gente faz sempre quando se acaba de participar numa “sessão em cheio”, como se diz. E o que acrescentei? Acrescentei que tão importante como a simultaneidade de primazia para patrimónios imateriais e materiais, é o seu escrutínio e que se o escrutínio do que se recebe do passado (material ou imaterial) pertence ou deve pertencer, numa primeira linha, a toda uma legião de especialistas intelectualmente sérios e escrupulosos, e, numa segunda linha, aos curiosos de valores e amantes de identidade cultural, já o escrutínio do património que se vai construindo ou modificando sob os nossos olhos, pertence não apenas a especialistas mas a todos os que ocupam esta terra chamando-lhe “nossa”, no momento da construção ou da modificação.

Puxando pela memória do que mais recentemente se tem construído no Algarve e que vamos deixar para os vindouros precisamente como “património construído”, há de tudo, do excelente ao péssimo. É excelente o que se integra na paisagem, o que se integra sem violência na arquitetura algarvia (temos uma arquitetura), o que entretece o moderno com o adquirido histórico. É péssimo o que não passa de enxertia do exótico, de transposição de outras culturas para a nossa cultura e para a nossa paisagem, e sobretudo em aldeamentos e urbanizações turísticas o que não passa de colonialismo abancado infantilmente por imposição do investimento ou do investimento desprovido de tato, de vista, de olfato, de sabor e de audição. Não admira que muito deste património que se vai construindo seja votado ao fracasso e tenha já mergulhado no fracasso.

Um exemplo? Pois que êxito pode ter na paisagem e na história algarvia (o presente rapidamente é passado) uma urbanização apenas concebível e aceitável em Marraquexe ou na periferia de Casablanca? Podem fazer isso com golfe, mas o único êxito ficará confinado ao golfe.

Portanto, primazia concomitante para o património material e património imaterial, mas nenhuma primazia para o fracasso. Este é que deve ser riscado da história presente, da paisagem a que desejamos que tenha futuro, além de que, certamente, não fará parte da poesia popular nem constará em nenhum provérbio que prove sabedoria. E pelo fracasso somos todos responsáveis, a começar pelos que não escrutinaram e deviam ter escrutinado.

Carlos Albino
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Flagrante proximidade: É que, nesta quinta-feira, faltam apenas já 58 dias para as eleições autárquicas. Muito pouco tempo para trocar as voltas.
Edifício da Fundação Manuel Viegas Guerreiro (em Querença), quando da inauguração
registando-se a presença do presidente da instituição, eng. Luís Guerreiro
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quinta-feira, 25 de julho de 2013

SMS 523. A A-22 e a EN-125


25 julho 2013

Não é pelos protestos mas pela premência do tema que é inevitável regressarmos à questão da Via do Infante. O governo tratou o assunto de ânimo leve, olhando apenas para os traços do mapa e para a caixa registadora, sem atender às características da região e que são radicalmente diferentes de quando a EN-125 ficou construída. A questão não se limita a pagar ou não pagar portagens, a questão é de ver a região, pensar a região, servir a região. A EN-125 concebida inicialmente para atravessar longitudinalmente o litoral do Algarve, ligando antiga terra a terra antiga desde Vila do Bispo a Vila Real de Santo António, há muito que deixou de ser essa travessia rural por entre hortas e herdades agrícolas, hoje é uma rua, uma extensa rua em grande parte densamente ocupada por casas e estabelecimentos de comércio e de serviços. Onde outrora existiam apenas sítios e aldeolas, hoje estão prolongamentos urbanos cheios de vida e de movimento. A Via do Infante surgiu e assim foi saudada para ser a nova e única travessia do Algarve, com as principais cidades, vilas e sobretudo aglomerados de relevo a adaptarem as entradas e escoamento de tráfego a essa solução que levou décadas a ser concretizada, quando, com a previsibilidade do que o turismo iria instalar na região, era por aí que se devia ter começado. Mas, enfim, toda a gente compreendeu que nem sempre o planeamento é possível e que era incontornável aguardar-se pelos dinheiros europeus. Aliás, os algarvios só entenderam que tinham entrado da União Europeia quando os cartazes de financiamento das obras deixaram claro sobre quem as pagava, não por caridade mas por solidariedade. Acreditou-se nisso.

Com a introdução das portagens, o tráfego voltou a ser empurrado para a antiga estrada com promessas de requalificação do que é impossível ser requalificado. A requalificação onde houve, ou onde foi projetada, consistiu no alargamento das faixas e na implantação de extensos separadores, aumentando a insegurança, destruindo vizinhanças consolidadas e potenciando a EN-125 como um corredor da morte. Na verdade, uma requalificação da EN-125 apenas seria compreensível e até admissível como rua aqui, avenida ali, e não como “estrada”.

Estragou-se tudo. A A-22 deixou de servir muita gente, além de introduzir o caos, má imagem e desmotivação junto dos visitantes de quem o turismo depende, e a EN-125, ainda mais do que já era, passou a ser o inferno transversal do Algarve, jamais travessia, desconhecendo-se os efetivos ganhos com as portagens além da imoralidade de taxar obra paga por entidades terceiras na maior parte a fundo perdido.

Lamentável foi e continua a ser é que as chamadas “forças vivas” representativas da região não tenham mostrado nem força nem vida, num comprometimento entre o receio de perda de mordomias, fidelidades partidárias espúrias e o rosto com que enfrentam as populações. Depois de um “não” tímido inicial, passaram ao “não-mas-sim”, e deste  ao “sim-devido-à-crise”. Ora, a verdade é que a A-22 aumentou a crise e a a EN-125 vai resolvendo a mesma crise mas nos cemitérios.

Carlos Albino
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Flagrante esquecimento: No apontamento da semana anterior, a propósito das lojas do senhor Belmiro e do senhor Alexandre, ficou por dizer que acabámos por comprar fruta autêntica numa casinha tradicional – pêssegos de Paderne (só no paraíso!), melancia da Patã (que até o Papa Francisco bisaria), laranjas do Vale Telheiro, maçãs de Messines… 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

SMS 522. A loja do Senhor Belmiro

18 julho 2013

Em todas as ruas principais há uma seta a indicar a loja do Senhor Belmiro, nenhuma a sugerir as pequenas lojas de comércio tradicional. E querendo comprar alguma fruta, lá fui esta semana à loja do Senhor Belmiro depois de ter ido à loja do Senhor Alexandre para ter uma ideia, verificando que é tudo mais ou menos igual quanto a “estratégias” embora tudo relativamente diferente quanto a “logísticas”. Aos olhos, quer na loja do Senhor Belmiro, quer na loja do Senhor Alexandre, as frutas e as verduras são esplêndidas, as cores magníficas, e se os olhos comessem aquilo é que seria fruta. Já quanto ao cheiro, nada, sabendo-se que a fruta começa pelo cheiro. E quanto ao tato, a coisa ou era dura que nem pedra, ou era mole que nem alforreca. Então, era de fazer a interrogação sobre a origem daquilo tão bonito aos olhos.

Pois na loja do Senhor Belmiro, percorrendo os expositores de ponta à ponta, os limões e as mandarinas eram do Uruguai e as toranjas da África do Sul; havia maçãs da Bolívia, do Chile, da Nova Zelândia, de França e da Polónia; as nectarinas, melancias, meloas e melões verdes, de Espanha; ameixas e pêssegos, também de Espanha; romãs e ameixas pretas, de Chipre; bananas às rodelas, das Filipinas; miolo de amêndoa, ainda de Espanha, e já o miolo de amêndoa torrado, dos EUA, como dos EUA era também o miolo de noz. E o amendoim torrado com casca? Da China. Havia mais de todo o lado. Enfim, a loja do Senhor Belmiro, quanto a frutas, parecia a ONU.

E de Portugal, para não precisar do Algarve? Pois de Portugal, a loja do Senhor Belmiro apresentava umas laranjas que ou já foram laranjas ou então poderiam vir a ser, e umas bananas da Madeira. Mais nada.
Perante isto, fica-se sem saber se a loja do Senhor Belmiro, tal como a loja do Senhor Alexandre, visam beneficiar o consumidor que não tenha cheiro nem tato, já que em nada favorecem o produtor português, e mesmo assim se isso favorece de algum modo os produtores da Nova Zelândia, da China, de Chipre, das Filipinas, por aí fora, porque caridade não é.

Carlos Albino
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Flagrantes sondagens: Os partidos que têm ainda algum dinheiro ou alguém lhes dá fizeram sondagens locais, aqui e ali, mudando inclusivamente candidatos já apresentados e alterando “estratégias” em função das sondagens. O certo é que, hoje, quinta-feira, faltam já 72 dias para as eleições autárquicas e não há sondagem que emende o carácter e a honra.   

quinta-feira, 11 de julho de 2013

SMS 521. Os estrangeiros nossos vizinhos

11 julho 013

Os estrangeiros com residência permanente no Algarve são muito mais que os 6.731 que se inscreveram como eleitores para estas autárquicas de setembro, mas esse número já é apreciável e há que ter em conta. E embora os estrangeiros inscritos nos cadernos eleitorais da região, na sua maior parte, possam eleger e ser eleitos, até agora não é conhecida qualquer candidatura a cargo local ou participação expressiva em lugar elegível nas listas. Ou seja: bastantes dos nossos vizinhos estrangeiros participam, por certo irão votar, mas não querem meter-se diretamente no barulho. E compreende-se porquê. A população estrangeira está muito dispersa pelo Algarve, na maior parte das freguesias confina-se em microcomunidades, e, por uma questão cultural, é uma população discreta e aversa à intrusão. Em todo o caso, contam e cada vez mais, até porque começa já a existir uma segunda geração nada e criada no Algarve, perfeitamente integrada e inserida.

É curioso verificar que é o concelho de Loulé aquele que apresenta o maior número de eleitores estrangeiros inscritos: 1.322 (831 cidadãos da UE e 491 de países extra-UE). Segue-se Albufeira, com 1.193 inscritos (451 da UE e 742 extra-UE). Depois Silves, com 687 (554 UE e 123 extra-UE); Tavira, 673 (609 UE, 64 extra); Lagos, 646 (616 UE, 30 extra); Portimão, 521 (292 UE, 229 extra), enfim, cá já em baixo Faro com 297 eleitores estrangeiros (134 da UE e 163 extra-UE).

Toda esta gente, nossa vizinha, é em número esmagador uma gente culta, conhecedora de como funciona ou deve funcionar a democracia, muitos com vivência e experiência dramática da história, quase todos tendo surpreendido Portugal já em democracia, têm muito para dar, com raras exceções falam português, muitos lêem e escrevem a língua de acolhimento, e todos usam o sorriso como linguagem universal de simpatia que é algo que entre nós, os nacionais, vai faltando porque dar os bons dias já quase desapareceu e dizer obrigado só muito bem pago.

Ora os nossos vizinhos estrangeiros, ao inscreverem-se nos cadernos eleitorais, querem dizer antes de tudo que estão presentes, que vivem os problemas, e que, embora com discrição, querem participar através do voto na escolha de soluções. A partir das câmaras e das juntas há olhar de maneira diferente do passado, para estes vizinhos com muitos dos quais só temos a aprender.

Carlos Albino
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Flagrante soma: Faltam 80 dias para as eleições autárquicas. Infelizmente para alguns, talvez muitos, é a soma de 40 dias para enganar e de outros 40 dias para ser enganado,

quinta-feira, 4 de julho de 2013

SMS 520. Lagos esqueceu-se? Possivelmente não.

4 julho 2013

Neste sábado (dia 6, 18:30) debate-se em Lisboa, na Casa da Achada (Rua da Achada, n.º 11, na Mouraria), a questão do bairro da Meia Praia, questão de Lagos mas que vai sendo um emblema dos tempos. Vale a pena recordar porquê, bastando seguir as palavras dos promotores da iniciativa.

Quando se deu a revolução de Abril de 1974, as barracas de zinco de uma comunidade de pescadores, em Lagos, desapareceram desse lugar. Através do serviço ambulatório de apoio local, conhecido como projecto SAAL, o governo cedeu o terreno, o apoio técnico e parte do dinheiro, e as populações avançaram com a mão-de-obra.

O fim do bairro de lata de Lagos ficaria a dever-se ao arquitecto José Veloso. Foi difícil convencer os moradores do bairro. Desconfiavam das promessas e chegaram a ameaçar correr José Veloso à pedrada. O arquitecto não desistiu. Aos poucos, os pescadores acreditaram que poderiam ter direito a uma casa.

A população, ansiosa por deixar as barracas, organizou-se em turnos. Quando os homens estavam no mar, eram as mulheres que trabalhavam nas obras. Havia duas regras: as habitações tinham de começar a ser construídas ao mesmo tempo e todos teriam de ajudar na construção de todas as casas.

O realizador de cinema António da Cunha Telles decidiu fixar em imagens a transformação que estava em marcha no documentário «Índios da Meia Praia» e José Afonso criou a música com o mesmo nome.

Quase quarenta anos depois, o bairro, localizado a poucos passos da praia, numa zona de expansão turística e ao lado de um campo de golfe, parece ter os dias contados.

Nesse debate vão estar presentes precisamente o arquitecto José Veloso e o sociólogo João Baía. Esperemos pelas conclusões.

Carlos Albino
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Flagrante contagem de eleitores: A 87 dias das eleições autárquicas (a partir de hoje, quinta), segundo o mapa oficial publicado esta semana, no Algarve estão inscritos 373.714 eleitores, dos quais 366.983 são cidadãos nacionais, 2.023 são estrangeiros residentes e 4.708 são cidadãos da UE.