quinta-feira, 26 de setembro de 2013

SMS 532. António Ramos Rosa

26 setembro 2013

Dizer que António Ramos Rosa é um dos maiores poetas do Século XX é dizer pouco. É preciso acrescentar que é um dos maiores poetas portugueses da segunda metade desse século. E para se precisar um pouco mais, talvez convenha acrescentar que se manteve como um porta marcado pela dedada da terra onde nasceu. O seu endereço de nascimento é este – Cidade de Faro, Algarve.

Que é uma honra para nós, seus parceiros de terra? Sim. O seu primeiro poema, datado de 1958, “Os Dias sem Matéria”, foi publicado em  A Voz de Loulé. Ao longo do tempo e dos seus abundantes títulos, as marcas de uma paisagem luminosa que lembra o Sul, parecem sobreviver desde o primeiro título “O Grito Claro”, datado também de 1958, até ao último, “Figuras Solares”, de 1996. Talvez o seu maior esplendor como poeta da originalidade – e aqui originalidade refere-se sobretudo à origem - esteja concentrado nas recolhas de 74 e 75, bem como no livro “O Ciclo do Cavalo”. Depois, a pureza de António Ramos Rosa nunca foi manchada por nenhum descuido ou cochilo. Sempre grande, por vezes quase imaterial, quase sem raiz na terra pátria, para passar a ter só raiz no mundo. Não importa.

O que há a salientar, no momento que passa, e é tão fugaz, é que António Ramos Rosa tenha sido tão fiel à poesia pura. Numa hora tão absurda como é aquela em que vivemos, em que a Literatura se mistura na alcofa das vendas a retalho, é bom que um poeta tenha escrito:

Às vezes um homem consegue ser a palavra
Entre a terra e a terra
E abrir uma porta.

A Biblioteca Municipal de Faro tem o seu nome e a sua obra. Oxalá nós tivéssemos na nossa vida a inteireza da sua poesia.

Carlos Albino
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 Flagrante indicação de voto: Escolham estes ou aqueles e, conforme, depois não se queixem, dizendo que foram enganados e que estão arrependidos.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

SMS 531. Os nomes das coisas

19 setembro 2013

Dar nomes a ruas, praças, escolas ou edifícios públicos, é um ato que, para além de simbólico, é marcante. Traduz, ou deveria traduzir, os valores em que a sociedade acredita e quer deixar vivos para a posteridade, ou põe em letra de forma, por princípio, gente de bem que a sociedade não quer que se esqueça. E é assim que os nomes das coisas, da travessa e avenida à praça de referência, passam a fazer parte do quotidiano de quem aí habita ou passa.

E nisto de nomes, também há modas. Houve tempo em que a moda foi dos reis da simpatia ou dos presidentes da República, ou por terem nascido na localidade ou por amizade com o regedor da circunstância. Noutro tempo, foram os navegadores e figuras emblemáticas da expansão marítima. Há muito Vasco da Gama, muito Afonso de Albuquerque, bastante Pedro Álvares Cabral e uma coleção de marinheiros mesmo em terras onde ninguém sabe nadar. Houve também a moda de heróis, uns heróis a sério, outros por dá cá aquela palha, sendo essa a razão de, por aí, quase não haver terra que não tenha a sua Rua Tenente Valadim, embora ninguém saiba quem foi, o que fez e porque consta. Também houve a moda dos ideais, com as ruas da Liberdade, do 5 de Outubro e do 25 de Abril a substituírem, por vezes, anteriores nomes que tão depressa foram impostos como expediente de idolatria, como rapidamente caíram em desgraça, passando a figurar na lista dos detestáveis. E o que se passou ou passa com nomes de ruas, passou-se e passa-se com escolas e demais edifícios públicos a que se queira dar bilhete de identidade.

Mas independente de modas, o que interessa é avaliar os critérios. E nem sempre os critérios são suportáveis. Porque uma coisa é dar a uma rua o nome do Poeta Aleixo, outra é perpetuar numa travessa alguém que publicou dois ou três livrecos de quadras onde coração rima sempre com feijão e não passam da cepa torta. Uma coisa é dar nome de rua a uma figura pública nacional ou local que tenha deixado obra de excelência, pensamento e exemplo estimável na sociedade, outra é usar a rua para tornar em figura pública quem foi figura normal e por vezes pouco exemplar. Até por vezes os nomes são dados “porque não há mais ninguém”. Neste caso, rendo-me à sageza de uma terra do Alentejo que, à falta de personalidade local de relevo e com direito à consideração pública, resolveu o problema atribuindo à rua o nome de “Rua de Ninguém”. Ou, outro caso, também se encontra em Palmela a Rua de Nenhures. Na verdade, dar a uma escola o nome de alguém que não produziu uma linha pedagógica ou científica, que nunca foi professor ou investigador a sério, e que jamais se revelou um lutador da instrução pública com nome para ficar, não lembra a ninguém. Pensem nisto e dêem uma volta pela vossa cidade.

Carlos Albino
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Flagrante autarca sem limitação de mandatos: André Jordan.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

SMS 530. Os novos educadores do povo

12 setembro 2013

É uma originalidade portuguesa, esta de, semanas atrás de semanas, ex-líderes de partidos, ex-governantes e deputados no ativo ou reformados se sentarem nas televisões, entrando como comentaristas e saindo como entrevistados. Falam dos mais variados temas, da economia e finanças até à educação e ambiente, com ar de peritos em tudo. Não é difícil perceber que os temas são previamente escolhidos e estudados determinando as perguntas, e que as respostas são preparadas em função da militância partidária e da capacidade de tecer argumentos ardilosos, frequentemente perto do embuste. As televisões chamam a isso comentários mas são de facto entrevistas, conferindo continuadamente a essa gente que teve tribuna e não usou na hora em que devia ter dado explicações, ou que tem e não usa para os devidos efeitos, uma espécie de direito adquirido. Mesmo que no passado tivessem feito o mal e a caramunha, aparecem impositivamente nas casas de cada um como educadores do povo, como exemplos de ética política, e como papas infalíveis.

Não é que, como cidadãos, não tenham direito ao comentário ou à expressão de opinião. Obviamente que não se lhes pode nem deve retirar esse direito. O que repugna é que, a coberto desse direito, sejam entrevistados em dia certo ao longo de tempos e tempos, como se fosse um dever nacional ouvi-los e eles tivessem o direito também nacional de serem ouvidos. Ou Portugal não tem ensaístas, pensadores, politólogos, comentadores independentes e especialistas a ponto de se ter de recorrer a políticos errantes mas disponíveis para tais serviços, ou então, estamos enganados, e o pensamento crítico, a avaliação da realidade, o escrutínio do passado e a abertura de perspetivas de futuro, terá mesmo de passar pelos estafados recrutas partidários que, por este ou aquele motivo mais que sabido, estão a fazer a travessia do deserto.

Em nenhuma democracia ocidental acontece este fenómeno português de entregar a políticos que falharam à mingua de ideias, que erraram clamorosamente ou que perderam no voto a confiança dos cidadãos, surgirem como pensadores impostos, agendados e com honras de luminárias, em entrevistas que mais não são que uma serviçal mistificação do jornalismo, a que normalmente, nas democracias maduras, se chama frete.

Se não vejam, agora que atravessamos o período eleitoral autárquico, como sub-repticiamente interferem ou tentam interferir, no que a cada um convém partidariamente. É verdade que não pisam o risco da lei, ou não sejam na generalidade advogados, mas a mensagem subliminar, a ideia apelativa subtil e o intencional argumento falacioso, lá estão. Entram nas televisões como comentadores supostamente independentes e fora da política ativa mas saem delas génios dependentes e clérigos experimentais dos diretórios partidários. Com tais novos educadores do povo, sem dúvida que, feitas as contas, a instrução pública desce. Convertem o pensamento político na tagarelice com sorriso de salão.

Carlos Albino
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 Flagrantes queixas: Na Comissão Nacional de Eleições, pelos dados mais recentes, deram entrada 157 queixas relativas a estas autárquicas. O maior número (39) relaciona-se com a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, seguindo-se (31) casos de tratamento jornalístico discriminatório e (27) com publicidade comercial. No Algarve também há casos em que, segundo parece, todos os meios justificam os fins…

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

SMS 529. Independentes de quê?

5 setembro 2013

Quanto à independência crítica, todos, estejam ou não filiados em partidos, é bom que a tenham, a conservem e torçam por ela. A independência de espírito é um bem inestimável, e se algum partido eventualmente a não tolera, estará a esgotar a democracia interna ou terá deturpado gravemente os procedimentos estatutários. Só que a invocação de independência dá para tudo. Por vezes nada mais é que a camuflagem de subserviências e interesses em nome de “grupos de cidadãos”, ou, pior, a máscara de vaidades pessoais, de ressaibos mal administrados e de fato eleitoraleiro dos vira-casacas.

Nesta época de candidatos livres, aí temos os independentes de várias espécies. Há os independentes por mera afirmação ou motivação pessoal, há os independentes “apoiados” por um partido ou concorrendo em lista de partido, há os independentes que já foram de um partido mas que, perdendo a corrida interna da sua facção, surgem como espécie de vingança acrítica e de pregação emotiva, e há também os independentes, sobretudo nos pequenos meios ou nos meios rurais, que em anteriores eleições foram apoiados por um partido e agora surgem com apoio de outro. Se me dizem que o independente é aquele que isso invoca por não ser filiado num partido ou neste não tem militância, sendo próximo, nada haverá a opor. Os partidos têm o direito, a legitimidade e até o dever de recrutar os melhores da sociedade, os probos, os honestos, os competentes e, naturalmente, os que tenham dado provas de independência crítica. A presença destes independentes no jogo eleitoral é saudável, enriquece a democracia e vai ao encontro dos eleitores que, estes também tenham independência crítica. E até se admite que de fora dos partidos também surjam independentes probos, honestos e competentes, com algum programa de ação e ideias que os partidos recusaram ou não previram, e que um grupo de cidadãos assuma. O problema não é esse, o problema é quando a independência é uma máscara, o resultado do mais reles oportunismo e, pior será, quando o independente julga que o mandato que quer renovar ou conquistar é como coisa de sua propriedade privada, algo que lhe pertence por direito próprio, como se cada eleitor fizesse mera figura de notário.

Mas olhando bem para programas, slogans e ideias-chave, dos que, no Algarve, invocam ser independentes, de modo geral, os programas são pobres quando não irreais, os slogans de campanha são inócuos e andam perto dos anúncios dos supermercados, e quanto a ideias-chave, ou repetem o pior populismo criticável nos partidos, ou não passam de exploração do que julgam ser as emoções localmente mais fortes. E dizem à boca cheia que são “independentes” porque dependem de si próprios, sabendo-se que o convencimento da auto-dependência é a maior negação de independência. E um embuste. Não é o grupo de cidadãos que trabalha, é o eu.

Carlos Albino
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 Flagrante pormenor: Até dia 9 (segunda-feira), os partidos políticos, coligações de partidos e grupos de cidadãos devem comunicar à junta de freguesia os representantes das candidaturas nas mesas de voto. É aconselhável que indiquem gente de olho atento para que os mortos, abstencionistas por velhice, invalidez ou sabidos, não votem. Para que não se repita o que já tem acontecido, pois há gente que não olha a meios para atingir os fins.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SMS 528. O que é demais não presta

29 agosto 2013

Ainda me recordo de eleições autárquicas em que a publicidade partidária até usava avionetas com longos panos a esvoaçavam sobre aldeias, vilas e cidades apelando ao voto, numa manifestação de poder, força e dinheiro. Na inteira propriedade do termo, tais avionetas pagas sobretudo por empreiteiros e ofícios liberais correlativos, voavam acima das nossas possibilidades. Entretanto cá em baixo, aquilo é que eram montanhas de esferográficas, cachecóis, bonés, medalhas e medalhões, tudo para lançar o “nome”, para afirmar a suposta autoridade moral do candidato e fundamentalmente para caçar o voto, como um período eleitoral fosse uma época de caça. Muito pobre diabo assim se transformou, apenas por via do slogan lá em cima e dos bonés cá em baixo, em luminar e em génio da política local, embora pouca luz irradiassem e raros pensamentos próprios fossem capaz de apresentar sem o papel de auxílio escrito por terceiros. Depois, os “caçados” foram vendo o comportamento dessa gente, uns atrás de outros, nas jogadas de interesses, na ginástica de fazer legal o ilegal, lícito o ilícito e na arte de dar um ar sério às brincadeiras com o interesse geral e às trafulhices com o bem comum. Alguns casos pontuais transformaram-se em escândalos, mas, de modo geral, tudo o que não chegou a escândalo contribuiu para a abstenção dos eleitores, para o desapontamento dos contribuintes e para a descrença dos cidadãos.

Agora, os partidos fazem questão em não fazer espavento financeiro com as propagandas eleitorais, como dizem, devido à crise, mas também, como deixam sugerido, porque numa sociedade com gente à fome, desempregada, indefesa, com a maior parte das pessoas a não saberem como será o dia de amanhã e até como vencerão o dia de hoje, o dinheiro gasto a rodos com a propaganda produziria o efeito contrário ao desejado. Mas ainda assim há bastante espavento. Aqui e ali, há sementeiras de cartazes que são uma agressão e uma ofensa a quem conta os cêntimos para enfrentar o dia a dia, e que já aprendeu na pele que o bom candidato não depende do cartaz mas das suas ideias, do seu programa, das suas propostas, da sua visão da sociedade e das garantias ou provas que o seu passado pessoal dá.

Só que a força do marketing político de fatela e o desespero de alguns em caçar votos, levam ainda alguns a continuar os velhos métodos que contribuíram para pôr nódoas nesta Democracia. Não resisto a observar que alguns desses cartazes mais me parecem cartazes de aiatolas do Irão, caras enormíssimas semelhantes às dos aldrabões sorridentes, supostamente dominadoras das opiniões públicas locais, mas que espremidas dão em cabeças de alfinete.

Carlos Albino
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Flagrantes desperdício: Surgem por aí uns livros editados com apoios autárquicos, que são desperdício de dinheiro, massacres para quem tenha o mínimo de cultura, inutilidades para a instrução pública, alguns verdadeiras peças pimba, embora sejam monumentos de vaidades pessoais de gente que apenas sonha com os seus nomes numa travessa local. Enfim, com papas e bolos…

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

SMS 527. Terra de ninguém

22 agosto 2013

O primeiro-ministro esteve a banhos na Manta Rota, dias calmos, e ainda bem, porque a democracia exige serenidade na manifestação pública e respeito pela vida privada. No final da semana passada, foi a rentrée política no Calçadão de Quarteira, com o que se convencionou chamar Festa do Pontal, onde não faltaram ministros por conveniência, dirigentes no seu direito ao palanque e comentadores que nos restantes dias do ano pintam a cara de semi-independentes e se reclama de estar “fora da política ativa”. Enfim, foi o Pontal. Mas o curioso é que Pedro Passos Coelho, tendo estado uma semanita no Algarve e discursando no Algarve, sobre o Algarve nada disse, e para o Algarve não disse nada. É como se tivesse falado numa terra de ninguém, onde não está ninguém, ou onde se alguém está, é de passagem pelo Pontal. Sendo a região do País mais fustigada pelo desemprego, com gente mais do que assolada pela fome às claras, e das mais atingidas no seu coração económico pela crise financeira, com a construção civil parada, as autarquias nas lonas, o comércio a fechar e os serviços a fazerem das tripas coração, pois em cima do vulcão social, o primeiro-ministro nem uma palavra dirigiu ao alvo, entretendo-se em esperanças gerais e com alfinetadas retóricas.

Se fosse regra não falar dos dramas locais, com certeza, seriam critérios discutíveis, mas critérios. Mas não tem sido assim noutros lados. Por exemplo, noutra festa, a Festa do Bodo no Pombal, dias antes de vir para a Monta Rota, Pedro Passos Coelho, segundo os anais, andou um quilómetro a pé numa volta às obras de recuperação urbana. E uns dias antes, noutra festa, a Festa das Romanas, nas Pedras Salgadas, também andou por lá, falou de lá e para lá. Mas em Quarteira, e naquele Calçadão que é a capital do Algarve em estado puro, foi como que falar do nunca em terra de ninguém.

Ele não fez sequer 20 metros a pé, perante as câmaras de televisão, para se inteirar das obras de requalificação do muro de Berlim que é a estrada 125; não fez uns 15 metros que fossem para comprovar o abandono de Faro; dois metros para indagar as consequências para as populações do regabofe financeiro das câmaras de sua simpatia ou de algumas outras de sua antipatia; ou, o que seria quase um milagre, um passo para lançar a segunda pedra no Hospital Central do Algarve. Nem fez isso, nem falou disso, como passou ao lado das dramáticas questões de segurança da população residente e visitante, da bela obra dos mega-agrupamentos escolares que espatifaram com o que melhor havia no sistema de ensino numa população dispersa mas coesa, não perdeu cinco minutos para ouvir os pequenos comerciantes, os pequenos empreiteiros, os pequenos agricultores, todos os pequenos que são o tecido do Algarve. Mas se não escutou, não foi ver, ou não lançou uma segunda pedra, também isso se compreende em função da agenda. O que não se compreende é que venha ao Calçadão de Quarteira, faça a sua rentrée política no Algarve com todo o bronze e trate esta terra como terra de ninguém. E assim sendo, para os algarvios, foi a Festa de Ninguém.

Carlos Albino
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Flagrantes jogos informáticos: Ou muito nos enganamos, há por aí uma candidatura autárquica cujos jogos informáticos não são caso jornalístico, são caso de polícia, de procurador e de tribunal.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

SMS 526. A questão ética dos mandatos

15 agosto 2013

A 45 dias das eleições autárquicas, os tribunais pronunciaram-se pela inelegibilidade de dois candidatos no Algarve (Francisco Amaral em Castro Marim, após cinco mandatos em Alcoutim, e José Estevens em Tavira, depois de quatro mandatos em Castro Marim). Nos restantes nove casos de impugnação no resto do País, os tribunais dividem-se. Como é sabido, as sentenças de inelegibilidade não são pedra sobre o assunto, porquanto há a hipótese de reclamação e ainda a de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo ser colocado um ponto final apenas a 9 de setembro, ou seja, escassas três semanas antes do sufrágio.

Está fora de questão que Francisco Amaral e José Estevens não mereçam prosseguir para um sexto ou quinto mandato noutra terra paredes-meias com as terras onde esgotaram o número legal de mandatos, como fora de questão está que outros autarcas, alguns bons e com provas dadas, não tenham mérito para andar com a casa às costas num singular nomadismo autárquico. Sabemos todos que alguns bons autarcas viram impedido mais um fôlego à frente dos “destinos da terra”, não por demérito ou punição mas porque a lei é a lei. Mas não é só a lei.

A questão é de ética, de ética política. Prende-se com o espírito da lei, com a intenção da lei, com o pressuposto ético que informa a lei. Está muito para além da questão do “de” ou “da” que a Presidência da República descobriu, num daqueles momentos de minudência que não tem, quando contrações de preposições com vogais surgem avantajadas à frente dos olhos, como no caso do BPN.

A lei foi confecionada para tolher uma excessiva permanência de autarcas no poder local (presidentes de câmara e de juntas) e fixou o limite em três mandatos sucessivos. Para voltarem ao cargo, só depois de um quadriénio de interrupção. Já se chama a isto quebra-cabeças, que assim é num ponto de vista pura e simplesmente legal, compreendendo-se dessa forma as interpretações contraditórias dos tribunais. Já  de um ponto de vista ético ou de ética política, ou seja, indo ao encontro da intenção ética que subjaz na lei, não se vê onde haja quebra-cabeças. De um ponto de vista estritamente ético, a limitação de mandatos não humilha os autarcas inconformados, reduzindo-os à situação de caracóis com casa às costas. A lei diz-lhes – “interrompam a renovação sucessiva de mandatos” e assim se titula, independentemente do onde, com quem, para onde.

Como a questão é ética, de ética política, é no mínimo estranho que se pretenda que sejam os tribunais a decidirem uma questão ética, empurrando-se tudo até ao Tribunal Constitucional como se este fosse um supremo tribunal ético ou suprema instância de gramática caso o assunto ainda esteja no “de” ou no “da”. E a questão é ética porque como toda a gente sabe embora alguns finjam não entender, a limitação de mandatos apenas visa impedir que a corrupção e o tráfico de influências entrem pelos municípios e juntas adentro com falinhas mansas e ofertas tentadoras como a cobra do paraíso. O escrutínio público não está nos três mandatos, está na interrupção. É uma interrupção cautelar e que, por sinal, até deveria ser entendida e assumida como protetora dos bons autarcas.

Carlos Albino
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Flagrante Pontal: Agora que o tempo passou e permite comparações, saudades do Pontal de Sá Carneiro, aberto, sem medos, corajoso, convivial, sem necessidade de cordões de polícia, enfim, festa democrática diferente de outras festas porque a democracia é isso – pluralismo, e o sinal de saúde da democracia também é isso – ausência de receio e de medo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

SMS 525. Publicidade política enganosa

8 agosto 2013

Vai para quase século e meio, Bismark observou que “Nunca se mentiu tanto como em vésperas de eleições, durante a guerra e depois da caça”… A questão não é que isso não pudesse acontecer no final do século XIX, quando as democracias saíam de sistemas obsoletos e quando grande parte das sociedades estava mergulhada no analfabetismo e organizada em compartimentos estanques, sendo que os mais pobres, desprovidos de haveres, sem acesso à cultura, a postos de decisão e ao próprio voto, eram mesmo estanques. O problema é que, passados cento e tal anos, a frase de Bismark continua a ter atualidade, com a mentira a aparecer mais sofisticada ou disfarçada, com subtilezas e ardis.

É claro que numa sociedade evoluída, a publicidade ou propaganda política enganosa acabará sempre por provocar o efeito de boomerang sobre a cabeça dos candidatos que a tais métodos recorram. O cartaz pode ser um primor de marketing e o slogan poderá parecer uma mensagem caçadora do voto, mas quem se apercebe do logro, do ardil e do procedimento enganoso, acaba por punir o seu autor ainda que fotografado na pose mais majestática, civilizada e aparentemente séria. Como no século XIX, sentido por Bismark, isso apenas funciona junto dos que, sem culpa, foram condenados ao atraso, mas que são os alvos preferenciais de quem não olha a meios para atingir os fins. Aqui e além, vê-se isso, nota-se isso, expõe-se isso à vista de todos. Cada um que conclua.

Muito gostaria que neste Algarve democrático do século XXI, os partidos (todos) não mentissem em vésperas de eleições, não mentissem como se escolher ideias, programas e gente séria, fosse andar na guerra, e não mentissem como se a conquista do poder (no caso, o poder local) fosse como contar perdizes dadas como prova de tiro certeiro mas que, em verdade, foram adquiridas no supermercado e penduradas à cintura pelo farsante caçador.

Não há lei nem decreto possível que impeça a mentira depois da caça, durante a guerra e em vésperas de eleições. Há apenas leis e decretos para a caça ilegal, para a guerra que viola a protecção de dados pessoais e para a compra de votos em vésperas de sufrágio. A frase de Bismark, vinda desses confins de 1890, dirige-se apenas à consciência de cada um – à consciência dos candidatos e à consciência dos eleitores. O outdoor, esse, não tem consciência, mas quanto mais uma sociedade é culta, mais boomerang se torna, sendo conveniente até saber o que é boomerang – arma de arremesso que cai sobre a própria cabeça de quem o atira.

Carlos Albino
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Flagrante oferta: Vítor Neto enviou-me o seu “Portugal Turismo – Relatório Urgente / Onde Estamos e Para Onde Queremos Ir”, que apenas conhecia de episódica recensão. Vou na pág. 58 (são 181) e vai de certeza dar azo a um apontamento. Pelas 58 páginas já lidas, precisamos muito de Vítor Neto.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

SMS 524. Património do Algarve

Guilherne d''Oliveira Martins no jantar-debate em Querença
1 agosto 2013

Pergunta simples mas importante foi dirigida a Guilherme d’Oliveira Martins no final de uma palestra sobre bens culturais, em Querença, na noite de sexta-feira passada: (fotos em cima e no final deste texto). Em resumo, a pergunta foi esta: A atenção deve ser dada com primazia para o património imaterial ou para o património material? A resposta não se fez esperar: para os dois em simultâneo porque um está intimamente ligado ao outro. Homenageava-se na ocasião Manuel Viegas Guerreiro, filho de Querença, um dos mais notáveis operários do património imaterial que lhe passou pela vista ou pelas mãos, e que deu nome a fundação exemplar encastoada na magnífica falda inicial da serra algarvia. Resposta certa, porquanto quer seja a poesia popular, sejam provérbios, sejam cantares, sejam quaisquer manifestações depuradas artisticamente da tradição e das gerações, das mais eruditas às mais espontâneas, todo o património imaterial não se desliga das pedras de construções históricas ou de qualquer marco que testemunhe a ocupação humana, a vontade humana e o significado mais ou menos vasto, mais ou menos emblemático para a humanidade, desde a humanidade que faz fronteira com cada um de nós até àquela humanidade que julgamos longínqua mas que cada vez mais tem vindo a visitar a nossa casa e só a volta a visitar se a dermos a conhecer, conhecendo-a.

Mas, dada a resposta, acabado o debate e feitos todos os cumprimentos devidos, vindo de regresso naquelas curvas da estrada, fui acrescentando algumas observações naquele debate íntimo que a gente faz sempre quando se acaba de participar numa “sessão em cheio”, como se diz. E o que acrescentei? Acrescentei que tão importante como a simultaneidade de primazia para patrimónios imateriais e materiais, é o seu escrutínio e que se o escrutínio do que se recebe do passado (material ou imaterial) pertence ou deve pertencer, numa primeira linha, a toda uma legião de especialistas intelectualmente sérios e escrupulosos, e, numa segunda linha, aos curiosos de valores e amantes de identidade cultural, já o escrutínio do património que se vai construindo ou modificando sob os nossos olhos, pertence não apenas a especialistas mas a todos os que ocupam esta terra chamando-lhe “nossa”, no momento da construção ou da modificação.

Puxando pela memória do que mais recentemente se tem construído no Algarve e que vamos deixar para os vindouros precisamente como “património construído”, há de tudo, do excelente ao péssimo. É excelente o que se integra na paisagem, o que se integra sem violência na arquitetura algarvia (temos uma arquitetura), o que entretece o moderno com o adquirido histórico. É péssimo o que não passa de enxertia do exótico, de transposição de outras culturas para a nossa cultura e para a nossa paisagem, e sobretudo em aldeamentos e urbanizações turísticas o que não passa de colonialismo abancado infantilmente por imposição do investimento ou do investimento desprovido de tato, de vista, de olfato, de sabor e de audição. Não admira que muito deste património que se vai construindo seja votado ao fracasso e tenha já mergulhado no fracasso.

Um exemplo? Pois que êxito pode ter na paisagem e na história algarvia (o presente rapidamente é passado) uma urbanização apenas concebível e aceitável em Marraquexe ou na periferia de Casablanca? Podem fazer isso com golfe, mas o único êxito ficará confinado ao golfe.

Portanto, primazia concomitante para o património material e património imaterial, mas nenhuma primazia para o fracasso. Este é que deve ser riscado da história presente, da paisagem a que desejamos que tenha futuro, além de que, certamente, não fará parte da poesia popular nem constará em nenhum provérbio que prove sabedoria. E pelo fracasso somos todos responsáveis, a começar pelos que não escrutinaram e deviam ter escrutinado.

Carlos Albino
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Flagrante proximidade: É que, nesta quinta-feira, faltam apenas já 58 dias para as eleições autárquicas. Muito pouco tempo para trocar as voltas.
Edifício da Fundação Manuel Viegas Guerreiro (em Querença), quando da inauguração
registando-se a presença do presidente da instituição, eng. Luís Guerreiro
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quinta-feira, 25 de julho de 2013

SMS 523. A A-22 e a EN-125


25 julho 2013

Não é pelos protestos mas pela premência do tema que é inevitável regressarmos à questão da Via do Infante. O governo tratou o assunto de ânimo leve, olhando apenas para os traços do mapa e para a caixa registadora, sem atender às características da região e que são radicalmente diferentes de quando a EN-125 ficou construída. A questão não se limita a pagar ou não pagar portagens, a questão é de ver a região, pensar a região, servir a região. A EN-125 concebida inicialmente para atravessar longitudinalmente o litoral do Algarve, ligando antiga terra a terra antiga desde Vila do Bispo a Vila Real de Santo António, há muito que deixou de ser essa travessia rural por entre hortas e herdades agrícolas, hoje é uma rua, uma extensa rua em grande parte densamente ocupada por casas e estabelecimentos de comércio e de serviços. Onde outrora existiam apenas sítios e aldeolas, hoje estão prolongamentos urbanos cheios de vida e de movimento. A Via do Infante surgiu e assim foi saudada para ser a nova e única travessia do Algarve, com as principais cidades, vilas e sobretudo aglomerados de relevo a adaptarem as entradas e escoamento de tráfego a essa solução que levou décadas a ser concretizada, quando, com a previsibilidade do que o turismo iria instalar na região, era por aí que se devia ter começado. Mas, enfim, toda a gente compreendeu que nem sempre o planeamento é possível e que era incontornável aguardar-se pelos dinheiros europeus. Aliás, os algarvios só entenderam que tinham entrado da União Europeia quando os cartazes de financiamento das obras deixaram claro sobre quem as pagava, não por caridade mas por solidariedade. Acreditou-se nisso.

Com a introdução das portagens, o tráfego voltou a ser empurrado para a antiga estrada com promessas de requalificação do que é impossível ser requalificado. A requalificação onde houve, ou onde foi projetada, consistiu no alargamento das faixas e na implantação de extensos separadores, aumentando a insegurança, destruindo vizinhanças consolidadas e potenciando a EN-125 como um corredor da morte. Na verdade, uma requalificação da EN-125 apenas seria compreensível e até admissível como rua aqui, avenida ali, e não como “estrada”.

Estragou-se tudo. A A-22 deixou de servir muita gente, além de introduzir o caos, má imagem e desmotivação junto dos visitantes de quem o turismo depende, e a EN-125, ainda mais do que já era, passou a ser o inferno transversal do Algarve, jamais travessia, desconhecendo-se os efetivos ganhos com as portagens além da imoralidade de taxar obra paga por entidades terceiras na maior parte a fundo perdido.

Lamentável foi e continua a ser é que as chamadas “forças vivas” representativas da região não tenham mostrado nem força nem vida, num comprometimento entre o receio de perda de mordomias, fidelidades partidárias espúrias e o rosto com que enfrentam as populações. Depois de um “não” tímido inicial, passaram ao “não-mas-sim”, e deste  ao “sim-devido-à-crise”. Ora, a verdade é que a A-22 aumentou a crise e a a EN-125 vai resolvendo a mesma crise mas nos cemitérios.

Carlos Albino
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Flagrante esquecimento: No apontamento da semana anterior, a propósito das lojas do senhor Belmiro e do senhor Alexandre, ficou por dizer que acabámos por comprar fruta autêntica numa casinha tradicional – pêssegos de Paderne (só no paraíso!), melancia da Patã (que até o Papa Francisco bisaria), laranjas do Vale Telheiro, maçãs de Messines… 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

SMS 522. A loja do Senhor Belmiro

18 julho 2013

Em todas as ruas principais há uma seta a indicar a loja do Senhor Belmiro, nenhuma a sugerir as pequenas lojas de comércio tradicional. E querendo comprar alguma fruta, lá fui esta semana à loja do Senhor Belmiro depois de ter ido à loja do Senhor Alexandre para ter uma ideia, verificando que é tudo mais ou menos igual quanto a “estratégias” embora tudo relativamente diferente quanto a “logísticas”. Aos olhos, quer na loja do Senhor Belmiro, quer na loja do Senhor Alexandre, as frutas e as verduras são esplêndidas, as cores magníficas, e se os olhos comessem aquilo é que seria fruta. Já quanto ao cheiro, nada, sabendo-se que a fruta começa pelo cheiro. E quanto ao tato, a coisa ou era dura que nem pedra, ou era mole que nem alforreca. Então, era de fazer a interrogação sobre a origem daquilo tão bonito aos olhos.

Pois na loja do Senhor Belmiro, percorrendo os expositores de ponta à ponta, os limões e as mandarinas eram do Uruguai e as toranjas da África do Sul; havia maçãs da Bolívia, do Chile, da Nova Zelândia, de França e da Polónia; as nectarinas, melancias, meloas e melões verdes, de Espanha; ameixas e pêssegos, também de Espanha; romãs e ameixas pretas, de Chipre; bananas às rodelas, das Filipinas; miolo de amêndoa, ainda de Espanha, e já o miolo de amêndoa torrado, dos EUA, como dos EUA era também o miolo de noz. E o amendoim torrado com casca? Da China. Havia mais de todo o lado. Enfim, a loja do Senhor Belmiro, quanto a frutas, parecia a ONU.

E de Portugal, para não precisar do Algarve? Pois de Portugal, a loja do Senhor Belmiro apresentava umas laranjas que ou já foram laranjas ou então poderiam vir a ser, e umas bananas da Madeira. Mais nada.
Perante isto, fica-se sem saber se a loja do Senhor Belmiro, tal como a loja do Senhor Alexandre, visam beneficiar o consumidor que não tenha cheiro nem tato, já que em nada favorecem o produtor português, e mesmo assim se isso favorece de algum modo os produtores da Nova Zelândia, da China, de Chipre, das Filipinas, por aí fora, porque caridade não é.

Carlos Albino
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Flagrantes sondagens: Os partidos que têm ainda algum dinheiro ou alguém lhes dá fizeram sondagens locais, aqui e ali, mudando inclusivamente candidatos já apresentados e alterando “estratégias” em função das sondagens. O certo é que, hoje, quinta-feira, faltam já 72 dias para as eleições autárquicas e não há sondagem que emende o carácter e a honra.   

quinta-feira, 11 de julho de 2013

SMS 521. Os estrangeiros nossos vizinhos

11 julho 013

Os estrangeiros com residência permanente no Algarve são muito mais que os 6.731 que se inscreveram como eleitores para estas autárquicas de setembro, mas esse número já é apreciável e há que ter em conta. E embora os estrangeiros inscritos nos cadernos eleitorais da região, na sua maior parte, possam eleger e ser eleitos, até agora não é conhecida qualquer candidatura a cargo local ou participação expressiva em lugar elegível nas listas. Ou seja: bastantes dos nossos vizinhos estrangeiros participam, por certo irão votar, mas não querem meter-se diretamente no barulho. E compreende-se porquê. A população estrangeira está muito dispersa pelo Algarve, na maior parte das freguesias confina-se em microcomunidades, e, por uma questão cultural, é uma população discreta e aversa à intrusão. Em todo o caso, contam e cada vez mais, até porque começa já a existir uma segunda geração nada e criada no Algarve, perfeitamente integrada e inserida.

É curioso verificar que é o concelho de Loulé aquele que apresenta o maior número de eleitores estrangeiros inscritos: 1.322 (831 cidadãos da UE e 491 de países extra-UE). Segue-se Albufeira, com 1.193 inscritos (451 da UE e 742 extra-UE). Depois Silves, com 687 (554 UE e 123 extra-UE); Tavira, 673 (609 UE, 64 extra); Lagos, 646 (616 UE, 30 extra); Portimão, 521 (292 UE, 229 extra), enfim, cá já em baixo Faro com 297 eleitores estrangeiros (134 da UE e 163 extra-UE).

Toda esta gente, nossa vizinha, é em número esmagador uma gente culta, conhecedora de como funciona ou deve funcionar a democracia, muitos com vivência e experiência dramática da história, quase todos tendo surpreendido Portugal já em democracia, têm muito para dar, com raras exceções falam português, muitos lêem e escrevem a língua de acolhimento, e todos usam o sorriso como linguagem universal de simpatia que é algo que entre nós, os nacionais, vai faltando porque dar os bons dias já quase desapareceu e dizer obrigado só muito bem pago.

Ora os nossos vizinhos estrangeiros, ao inscreverem-se nos cadernos eleitorais, querem dizer antes de tudo que estão presentes, que vivem os problemas, e que, embora com discrição, querem participar através do voto na escolha de soluções. A partir das câmaras e das juntas há olhar de maneira diferente do passado, para estes vizinhos com muitos dos quais só temos a aprender.

Carlos Albino
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Flagrante soma: Faltam 80 dias para as eleições autárquicas. Infelizmente para alguns, talvez muitos, é a soma de 40 dias para enganar e de outros 40 dias para ser enganado,

quinta-feira, 4 de julho de 2013

SMS 520. Lagos esqueceu-se? Possivelmente não.

4 julho 2013

Neste sábado (dia 6, 18:30) debate-se em Lisboa, na Casa da Achada (Rua da Achada, n.º 11, na Mouraria), a questão do bairro da Meia Praia, questão de Lagos mas que vai sendo um emblema dos tempos. Vale a pena recordar porquê, bastando seguir as palavras dos promotores da iniciativa.

Quando se deu a revolução de Abril de 1974, as barracas de zinco de uma comunidade de pescadores, em Lagos, desapareceram desse lugar. Através do serviço ambulatório de apoio local, conhecido como projecto SAAL, o governo cedeu o terreno, o apoio técnico e parte do dinheiro, e as populações avançaram com a mão-de-obra.

O fim do bairro de lata de Lagos ficaria a dever-se ao arquitecto José Veloso. Foi difícil convencer os moradores do bairro. Desconfiavam das promessas e chegaram a ameaçar correr José Veloso à pedrada. O arquitecto não desistiu. Aos poucos, os pescadores acreditaram que poderiam ter direito a uma casa.

A população, ansiosa por deixar as barracas, organizou-se em turnos. Quando os homens estavam no mar, eram as mulheres que trabalhavam nas obras. Havia duas regras: as habitações tinham de começar a ser construídas ao mesmo tempo e todos teriam de ajudar na construção de todas as casas.

O realizador de cinema António da Cunha Telles decidiu fixar em imagens a transformação que estava em marcha no documentário «Índios da Meia Praia» e José Afonso criou a música com o mesmo nome.

Quase quarenta anos depois, o bairro, localizado a poucos passos da praia, numa zona de expansão turística e ao lado de um campo de golfe, parece ter os dias contados.

Nesse debate vão estar presentes precisamente o arquitecto José Veloso e o sociólogo João Baía. Esperemos pelas conclusões.

Carlos Albino
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Flagrante contagem de eleitores: A 87 dias das eleições autárquicas (a partir de hoje, quinta), segundo o mapa oficial publicado esta semana, no Algarve estão inscritos 373.714 eleitores, dos quais 366.983 são cidadãos nacionais, 2.023 são estrangeiros residentes e 4.708 são cidadãos da UE. 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

SMS 519. A sinalização do que o Algarve tem

27 junho 2013

Tem-se chamado a isso “sinalética turística” mas prefiro escrever sinalização cultural, histórica, paisagística. Não é o turismo que dita a cultura, o património ambiental, a história e pré-história, mas é tudo isto que deve estar na base do turismo. Ora, quem chegue ao Algarve, atravesse as portas do aeroporto e ande pelas estradas de lés a lés, não encontra qualquer sinalização para monumentos nacionais (há poucos, mas há e esplêndidos monumentos), para monumentos de interesse público, para parques naturais e para zonas históricas relevantes. É verdade que quem vem de Lisboa encontra um painel com o castelo de Silves e outro para a velha praça militar de Paderne, mas a coisa fica por aí. Nada mais. E pelo emaranhado das estradas secundárias, as referências históricas, culturais e ambientais são raras, embora seja muita a chuva de placas de praias com chapéus de sol e três riscos ondulados a sugerir ondas do mar com que as autarquias marcam território e até disputam provincianamente território.

Não é que tudo o que o Algarve tem, possa ou deva ser indicado, mas, para já, os monumentos nacionais, dois ou três museus de valia que há e os sítios classificados deviam aparecer aos olhos, não só para amostra da região para quem a visita mas também para a auto-estima dos habitantes, muitos dos quais até já desconhecem o que têm na própria terra ou o que há na terra ao lado.

Podem argumentar à vontade que muitos desses monumentos estão sistematicamente fechados pelas mais diversas razões e motivos. É verdade que muitos estão fechados quando deviam ser visitáveis com a disponibilização de folhetos explicativos. Para tanto, as instituições implicadas deviam pôr-se de acordo e estabelecer protocolos de colaboração, que não sejam apenas aqueles para sacar dinheiro do Estado a pretexto de obras de conservação e restauro. Que falem entre si, mas tornem os monumentos visitáveis, dêem-lhes vida, evitem que os monumentos algarvios sejam monumentos mortos, jazigos de portas fechadas a criar teaças.

De vez em quando fala-se no tal estudo encomendado para a “sinalética turística”, sabendo-se que tais estudos feitos por quem está fora ou que só vem ao Algarve para justificar a avença, pouco mais serão do que sumo de mapas Michelin espremidos. E mesmo sendo assim, passam os anos e os estudos não aparecem.

Carlos Albino
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Flagrante pergunta: A partir de hoje, faltam 94 dias para as eleições autárquicas. Para qualquer pergunta, veremos a resposta do eleitorado algarvio.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

SMS 518. A ética política e a lei

20 junho 2013

A 101 dias exatos das eleições autárquicas, são inevitáveis dois assuntos diferentes entre si mas que têm o denominador comum da ética política: a “suspensão provisória” do mandato em Faro por Macário Correia e os casos de candidaturas para quarto mandato, ali ao lado que é o mesmo ou melhor ainda. No primeiro caso, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a perda do mandato do autarca que, num primeiro momento, disse não acatar garantindo que iria entrar todos os dias pela mesma porta, mas, num segundo momento, anunciando a suspensão provisória. Quer dizer: não acata, mas em 101 dias, com os tribunais que temos, o provisório é definitivo. No segundo caso, os que porfiam por quarto mandato, agarram-se à forma de escritura da lei, letra a mais, letra a menos, e não tanto ao espírito da lei ou ao princípio ético que informa a lesma lei, confiantes em que Portugal continue a ser aquele tal país em que tudo o que não é proibido, é permitido.

Não estão em causa, no primeiro caso, as razões ou motivos que Macário Correia tenha para discordar dos juízes, que veja nisso tramóia que o injustiça, ou que a punição política é excessiva. Nem, no segundo caso, se põe em causa a competência ou até mesmo a moral pessoal dos que, impedidos pela lei para prosseguirem a saga do poder na terra onde têm pé, ponham o pé na terra ao lado e siga a roda. O que está em causa é a ética política. Ora, esta mesma ética não faz nem justifica partido (já tivemos um “partido ético” que se evaporou porque qualquer ética evapora…), nem se pode nem se deve esperar que sejam os tribunais a determinar a ética (tomara eles, os tribunais, serem meticulosos na sua própria ética, a ética judicial, não se deixando contaminar pelos interesses difusos que a ética política recrimina e de que a sabedoria popular se apercebe, desalentando-se, descrendo e abstendo-se, o que não é apenas mau, é péssimo).

É evidente que a lei não diz expressamente, nem consta em nenhum lado que um mandato qualquer que seja (de autarca, de deputado ou de governante) não pode nem deve ser considerado por quem para ele é eleito, como coisa da sua propriedade privada e de que dispõe como um bem próprio, herdado ou adquirido, ou como dom que lhe deve ser reconhecido acima de todas as fronteiras, ainda que, para tanto, o espírito da lei possa ser contornado, pelo que, para isso, nada melhor do que a ajuda tíbia dos tribunais, em matéria que não é judicial mas ética.

Perante os olhos de quem está atento, os primeiros a ficarem diminuídos são os que enveredam nessa jogada entre lei e espírito da lei, mas haverá um momento em que será o próprio sistema da sociedade a ficar lesado insanavelmente, agindo-se em democracia como ela fosse autoritarismo (ou seja, total isenção da ética política) o que não deixará de tentar alguns a visionarem o autoritarismo como sub-espécie de democracia, coisa em que Portugal tem longa experiência e experiência transmitida de pais para filhos. Essa mazela terminal de que tudo o que não é proibido, é permitido, dá nisso, se se tolerar que a mazela cheque ao extremo.

Carlos Albino
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Flagrante contagem: Neste blogue, foi colocado um contador de dias regressivo para as eleições autárquicas. Em cada dia, vai faltando menos um dia para votos que, pelas circunstâncias, mais do que nunca são soberanos. Boas escolhas! 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

SMS 517. Uma ideia, por exemplo

13 junho 2013

Há iniciativas que em nome do Algarve deveriam ou poderiam ser tomadas, sem grande dispêndio ou com dispêndio relativo, se não é que com saldo positivo. Há empreendimentos, designadamente na área cultural e por arrastamento na área da afirmação cultural da região, que poderiam chegar a bom porto sem subsídios estatais mas com o mínimo de entendimento, coordenação e pondo de lado a guerra de protagonismos provincianos.

Assim por exemplo, na Feira do Livro de Lisboa. Quem andou por ali entre 23 e de Maio e 10 de junho, por entre as dezenas de pavilhões das editoras, notou a presença da cultura dos Açores, um stand com as publicações editadas nessa região ou sobre essa região. E apesar de não exceder vinhos ou comes e bebes, lá estava o Ribatejo. Não nos alonguemos, mas isto para se dizer que seria perfeitamente possível um stand do Algarve onde se colocasse á disposição pública as obras editadas na região, desde as de escassas editoras privadas às publicações de câmaras, RTA, Universidade, tudo ou o mais possível. Não todas, mas algumas dessas publicações são de comprovado valor, desde livros de pesquisa a álbuns. Há matéria e há material para um stand, junto do qual, à semelhança de outros instalados na feira, poderiam ser também colocados à disposição pública produtos que nada têm a ver com livros mas que, com moderação, adoçam ou alegram qualquer leitura – doçaria e vinhos, entre outros.

Mas quem poderia concretizar tal ideia? A AMAL? A RTA? Câmaras isoladas ou em grupo concertado? Admito que seja difícil, embora não impossível. Mas seria extremamente fácil se houvesse recurso a um chapéu que desse cobertura a tal iniciativa em Lisboa exposta a centenas de milhares visitantes. Refiro-me à quase esquecida Casa do Algarve que outrora já foi tratada como a embaixada da região na capital, mas que, nos tempos que correm, embora viva dias de resistência, ainda terá muito para dar, desde que se queira e haja o tal entendimento e a tal coordenação. Os custos de uma tal iniciativa, repartidos proporcionalmente por todos, não seriam excessivos e é de crer que o saldo final revelar-se-ia positivo quanto a contas, para não se falar do lucro que isso representaria para a imagem da região. Não é coisa que esteja além do que promete a força humana.

Para isto, bastará alguém que diga aos outros interessados ou contagiados: “Mãos à obra!”

Carlos Albino
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Flagrante pérola esquecida por uns, desconhecida por outros: E por homenagem a António Rosa Mendes, leia-se um livro que nos deixou por legado - "Olhão fez-se a si próprio".  Lê-se como ficção, avança-se nas páginas como saga, não falta poesia, surpreende-se uma história local como se fosse metáfora da história universal. Leiam.   

quinta-feira, 6 de junho de 2013

SMS 516. O Algarve sem a garra do Porto

6 junho 2013

Do Porto foi expedida uma Carta Aberta ao Governo de Portugal, em defesa do crescimento económico e do respeito pelo Porto. Os signatários são de peso, o enorme batalhão de influências da capital do Norte está lá, da universidade ao mundo empresarial até ao bispo do Porto que não se coibiu de subscrever preocupações do foro do poder temporal.  Mudando o que deve ser mudado, o que nessa carta aberta se afirma também poderia ser escrito em defesa do Algarve e do respeito pelo Algarve. Só que no Porto há um batalhão de influências e de vontades, e, no Algarve, se vontades não faltam, as influências ou são poucas, ou estão atadas. E mesmo que se desatassem, não sei se o bispo do Algarve tomaria a decisão de aderir a um pedido de respeito, como o seu colega do Porto fez em consciência e ciente de estar bem acompanhado.

A economia regional está nas lonas, o desemprego é percentualmente e de longe o mais elevado do país, somos os menos culpados e os mais modestos beneficiários da excessiva construção de auto-estradas, o reclamado hospital central está no papel e não deve sair daí tão cedo, as ligações ferroviárias para o País e Espanha são uma lástima, a política portuária tem sido de um laxismo atroz, a promoção internacional e interna do turismo algarvio além de não ter rasgo não pesa na balança, a política cultural não existe, enfim, o rol de pretextos para uma carta aberta ao governo é extenso e a lista de motivos para se pedir respeito pelo Algarve é tão interminável como os grãos de areia sobre os quais nos habituámos a ver governantes atrás de governantes a bronzearem-se, porque após o bronzeamento “adeus Algarve, que vou para Portugal”.

É claro que não temos personalidade promotora da igualha de um Rui Rio, mas à falta de lideranças nacionalmente firmadas, políticas ou empresariais, que imponham respeitinho, ainda assim temos uma Universidade que não deveria continuar por ali, fechada como vieira, por entre os pruridos de Gambelas e da Penha, se calhar à espera da cataplana. Competiria à Universidade tomar essa iniciativa, tomar a dianteira, dar prova de que possui um bilhete de identidade vitalício com o nome e o sobrenome da sociedade onde se insere e da qual filialmente depende.

Carlos Albino
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Flagrante suspeita: Tudo leva a crer que as próximas autárquicas vão ser uma enorme manifestação...

quarta-feira, 5 de junho de 2013

GRANDE TRISTEZA. A morte de António Rosa Mendes

Portanto, uma grande tristeza. Morreu o prof. António Rosa Mendes, meu amigo, que não resistiu a uma pneumonia dupla. Defensor da minha região natal, homem íntegro e de uma cultura contagiante, nos últimos anos deu um contributo inexcedível para a investigação científica em torno da História do Algarve. Grande tristeza. Ia nos seus 59 anos e muito, muito de esperava dele, tudo menos que a sua terra natal fosse já, tão inesperadamente, também a sua terra mortal. Grande tristeza.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

SMS 515O Correio de Boliqueime

30 maio 2013

Se volto a Boliqueime, é porque isso é o prenúncio de muito que por aí vai acontecer. Depois do encerramento da estação de comboios e de ser retirada a direção autónoma à sua escola que era modelar, essa terra acaba de ser alvo da decisão consumada dos CTT em fechar os correios. E fizeram-no sem informação bastante aos cidadãos, e, ao que se sabe, na sequência apenas de troca de ofícios com a autarquia local nos quais se deixou enrolar. Não há muitos anos que o edifício dos correios foi inaugurado com ar modernaço – dinheiro portanto sem planeamento e deitado à rua –, as pessoas viam naquilo, enfim, a última das suas inexpugnáveis fortalezas locais, mas os sinais já estavam a ser dados – os carteiros de giro passaram a vir de longe, cartas e cartas algumas de responsabilidade trocadas nas caixas postais, o mensageiro deixou de conhecer e de ser conhecido pelas pessoas, restava o balcão que foi encerrado e que era um dos poucos centros de confiança pública, agora transferido para uma loja, tomara ela vender os iogurtes com prazo de validade. Suspeito que esta decisão dos CTT, a que não será alheia a senda da privatização, não ficará por Boliqueime, irá ocorrer aí pelo Algarve afora.

Ainda está no ouvido o slogan propagandeado pelos CTT no propósito de firmar prestígio e confiança. "Queremos estar onde os portugueses estão", dizia esse slogan se é que ainda não continua a dizer. Mas parece que, pelo contrário e pelos factos, os CTT não querem estar onde haja portugueses, pretendem é que os portugueses tenham que ir onde os CTT estão. Como nas mercearias privadas. E até se admitiria que assim fosse, se aos CTT não competisse estatutariamente “assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e do serviço público de correios”. Pelo menos por enquanto, os CTT têm nas mãos a rede pública de correios e o leque de atividades subsidiárias designadamente financeiras, de cobranças contratualizadas e de parcerias fiscais. E se detêm a rede pública e o serviço postal público, para qualquer mexida na rede, por ser pública, os CTT mesmo sendo uma sociedade anónima, têm que ouvir os legítimos representantes do interesse público. E estes, caso sejam eventualmente ouvidos, não podem nem devem guardar essa correspondência como se fosse confidencial, remetida por deuses e destinada a deuses entretidos numa brincadeira de cartas pouco azuis embora registadas com aviso de receção. Devem dar conhecimento aos que representam, pelas regras da atempada responsabilidade e do bom senso.

Carlos Albino
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Flagrante presença: Por acaso, numa manifestação improvisada, em Boliqueime, contra o encerramento dos Correios, a presença apenas de um deputado algarvio – Paulo Sá (CDU). Foi nesta segunda-feira, o dia em que os deputados estão livres de S. Bento para, segundo o seu estatuto, os “encontros com o eleitorado”.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

SMS 514. O erro alemão, deutsch fehler

23 maio 2013

Não é de crer que a Alemanha queira ou deseje provocar mais um grande conflito europeu como os dois que armou no século XX, um no típico estilo prussiano e outro na lógica de uma ditadura erguida sobre uma democracia indolente e mal avisada. Todavia, o facto de não querer ou não desejar, não significa que a Alemanha não resvale para essa tendência sem que se saiba até que ponto ela pode ser contida, emendada ou até rejeitada pelos próprios alemães. O governo da chanceler Merkel, animado por alguma popularidade interna episodicamente mais alta ou mais baixa, está hoje longe dos pressupostos que estiveram na base da constituição das Comunidades Europeias e que ditaram o rumo para uma União Europeia, incompleta como união e longe de esconjurar nacionalismos que têm tudo menos de europeu. É impossível uma união que não ultrapasse o patamar de mero grémio ou sindicato de soberanias que só por hipocrisia se recolhem e que por isso mesmo prosseguem as clássicas estratégias de intervenção. Este tem sido o erro alemão que antes da crise económica e financeira era latente mas que ficou exposto mal a doutrina dos factos revelou o estado dramático em que a Europa projetada se encontra. Com uma Comissão Europeia tibiamente burocrática, sem golpe de asa e que se arrasta quotidianamente no oportunismo político, não se falando das outras figuras de retórica e meramente decorativas a que correspondem as instituições europeias decorrentes do Tratado, a Alemanha permitiu-se interferir nos outros Estados parceiros, a começar pelos mais fragilizados pela crise, pondo condições, aconselhando intempestivamente orientações sobretudo na política económica e nos modelos sociais, estigmatizando por conveniências próprias os "países do sul" como exemplos a punir, e arrastando os países satélites de Berlim nesse entusiasmo de divisão, alguns dos quais não se coibiram de ser embaixadores do propósito que passou a ser mais germânico que alemão, no simbolismo trágico que os adjetivos acarretam. O erro alemão consistiu e continua a ser prosseguido nessa interferência condicionante e intervenção declarada do "Estado mais forte", a tal ponto que não apenas os alemães mas já grande parte da Europa chegou a pensar que a União Europeia era ou é uma realidade paga pela Alemanha, pelo que a Alemanha terá ou tem direitos próprios de exceção democrática, ou que a Europa, incluindo os países do sul não pagaram absolutamente nada para que a Alemanha seja o que é, designadamente para a sua recomposição territorial. Por esse erro alemão, os Estados mais fracos da almejada união, serão os primeiros a pagar, como já estão a pagar. Mas chegará a vez, possivelmente em último lugar, de ser a Alemanha a pagar pelo seu próprio erro.

Carlos Albino
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Flagrante pergunta pública: De vez em quando, pergunto privada e discretamente ao diretor Fernando Reis: “Estou a servir o Jornal do Algarve e os seus leitores?”. Desta vez a pergunta é pública: “Estou a servir?” É que a cada leitor corresponde um eleitor…

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Neste blogue

Além da Página PRINCIPAL, como se pode reparar nos botões acima, estão criadas páginas suplementares: PARA que CONSTE e NOTA do DIA. Basta clicar no botão para abrir a página respetiva.

Na NOTA do DIA será colocada observação datada, sempre que se justifique.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

SMS 513. Não dá para acreditar

Foto disponibilizada pelo deputado Mendes Bota
16 maio 2013

Lêem-se as perguntas diretas do deputado Mendes Bota ao Governo, designadamente ao Ministério da Economia, e custa a acreditar. Custa a acreditar que seja necessário um deputado a denunciar o que está a acontecer no aeroporto de Faro, sem que antes a comunicação social, as instituições a quem compete o zelo regional e os próprios interessados, não o tivessem feito desde a primeira hora. E custaria a acreditar no que o próprio deputado denuncia se ele não se tivesse munido de fotografias. A principal porta de entrada do Algarve, para o que interessa, é deveras o aeroporto, e a imagem da região cai por terra logo aí.  Afirma o deputado que as ações praticadas pela concessionária ANA, indiciam situações de abuso de posição dominante, prepotência e coação sobre cerca de 40 pequenas empresas algarvias de rent-a-car, forçadas a subscrever uma declaração humilhante. Mas não é apenas isso que está em causa. O que está em causa é a imagem do Turismo algarvio e a ideia que se faz de quem nos visita como se quem nos visita e de quem o Algarve precisa tivesse que ser tratado como parte de um rebanho de cabras, sem a mínima consideração, atenção e acolhimento.

Desconheço se outros deputados cá do nosso círculo se interessaram pela questão, mas se um oitavo da situação de Faro ocorresse no Porto, estou convicto de que as televisões já se tinham encarregado de arvorar um escândalo nacional, que as rádios sem coração a Sul reportariam sem parar, e que os jornais e lóbis do Norte que estão atrás das respetivas fichas técnicas já tinham desfeito em pedaços as inteligências que estão colocadas na portaria do Algarve, forçando o governo a mexer-se. Como é no Algarve, boi manso, paciente e sem grande voz ativa, as coisas chegam ao limite e ainda bem que Mendes Bota denuncia esse limite.

Obviamente que só por ingenuidade se espera que seja a ANA a acautelar e a defender os interesses do Algarve numa atividade da qual a região depende. A ANA não é uma autarquia eleita, não é uma delegação estatal, não é um órgão de comunicação regional e muito menos uma representante sufragada pelo círculo eleitoral do Algarve. Sendo uma empresa concessionária, é bem possível que tenha as suas razões e motivos face a quem gere o Aeroporto de Faro ou face a entidades responsáveis pelo turismo e cujo descuido fica sugerido. Mas então explica, remete ou endossa, como se queira.

Quando havia obras no aeroporto, eram as obras. E agora? Não dá para acreditar. A gente, por exemplo, vai à Suíça e só falta levarem os turistas num andor. Aqui são tratados como intrusos vindos do sertão, atirados para ali, a um canto. Que se amanhem. Há que pôr um ponto final a isso.

Carlos Albino
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Flagrante laxismo: A sinalética cultural (património arqueológico, histórico, natural e artístico) do Algarve não existe. A região parece um sítio ermo de história. Pior que os terramotos é o sismo que abala as inteligências.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

SMS no Facebook

Para além deste blogue, estes apontamentos passam a constar também no Facebbok → SMS-Apontamentos. De gosto em gosto se enche o entreposto.
Meramente simbólico. É que precisamente hoje, 15 de maio, perfaz dez anos sobre o início dos apontamentos "SMS", no Jornal do Algarve, a convite do seu diretor, Fernando Reis. Foi isso uma espécie de reencontro com os leitores algarvios dessas páginas onde, na década de 70, mantivemos também longa série de apontamentos, então massacrados pela censura. Chamava-se "Filtrações", apontamentos coevos de outros do mesmo período e também algarvienses, sob a designação de "Sintaxe Oportuna", publicados no bem escrito "Correio do Sul", sob a direção do saudoso e bom homem Mário Lyster Franco. Digamos que o Algarve podia ficar-me longe da vista, mas esteve sempre perto do coração. Ora, dez anos de pequenos e modestos apontamentos não se celebram com bolos, muito menos com foguetes, jamais com galas. Uma página no Facebook que os recolha, basta.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

SMS 512. O Algarve em risco de implosão


9 maio 2013

A advertência vem de vários sítios, seja a propósito das provas de crise social profunda, seja pelas evidências do estado da economia da região, seja pela asfixiante constatação da falta de política coerente e esperançosa, seja ainda pelo jogo do empurra por parte dos responsáveis que não assumem erros de ação ou de omissão.

Quanto à crise social, o desemprego algarvio é o mais elevado do País, a situação de fome não é já contabilizável e a exploração do trabalho barato atinge níveis que apenas podem ser sinais de uma sociedade em profunda angústia. A voz mais recente a erguer-se foi a da Igreja da região que, com o que disse e com o alcance dos avisos que lançou, não hesitou no incómodo de ser quase uma voz a clamar no deserto, pois na verdade o Algarve não tem voz que protagonize o bem-comum com firmeza reivindicativa, com argumentário acima de interesses parcelares e com propostas que não decorram meramente do combate político sumindo-se nesse combate como a água na areia.

Quanto ao estado da economia, não são dois meses e meio de turismo a preços de saldo que irão evitar a trajetória para a implosão da atividade da qual a região está dependente e até prisioneira, se não houver uma política firme e sábia que salve o que pode ser salvo, política essa que não pode ser apenas política fiscal, obsessivamente fiscal e fundamentalmente fiscal. A cultura, da criação à animação, que é uma das asas indispensáveis para um Turismo viável e integrado numa estratégia de desenvolvimento, tem a coluna vertebral partida e não tem agenda. A promoção externa e interna é uma lástima. O acolhimento lástima é. As coisas vão acontecendo como se bastasse despejar pessoas nas praias até à hora de embarque. A caminharmos assim, pouco faltará para que o património hoteleiro construído tenha o epílogo das fábricas de conserva cujos silvos de chamada ao trabalho outrora acordavam algumas vilas e cidades para um sonho de efémera prosperidade mas que acabaram geralmente no abandono, com telhados caídos e paredes em ruínas. Os sinais da derrocada estão já aí no desemprego que não é apenas causado pela paragem da construção civil e pela ausência de obras públicas, é em grande parte corolário da perda de ritmo e da falência por ora adiada da atividade.

A regionalização não foi implantada porque o poder central chamou a si a responsabilidade de conduzir diretamente os destinos à exceção de umas derivas que um municipalismo sem quadros, sem meios e sem suficiente entrosamento e inter-ligação deu como ilusória proximidade entre administração e administrados, e também à exceção de uma malha de delegações governamentais que longe de delegarem, funcionam como sinecuras, mordomias calculadas e pespontos desenraizados. Muitos choram confrontados com os efeitos mas omitem as causas, furtam-se a atacar as causas, evitam o debate das causas e fogem da identificação das causas como o diabo da cruz.

A agravar o quadro, o Algarve tem ou sofre de um gravíssimo problema de comunicação. A sociedade algarvia desconhece-se a si própria como tal, entregue a localismos cada vez mais reduzidos de tal modo que é já quase regra geral que pouco saibam o que acontece na própria rua, a começar pela fome, pelo desemprego, pelos factos da insegurança. E uma sociedade sem política e sem comunicação, além de se abandonar aos oportunismos mais inconcebíveis e de se conformar com os vira-casacas transformados em santos milagreiros, não pode ter esperança, e se algum rumo pode ter, esse será um rumo caído ao acaso do céu, como alguma chuva inesperada consoante a nuvem. 

É hora de fazer alguma coisa contra o risco da implosão. Numa democracia, a hora do voto é o momento adequado para responder, mas não basta. E não basta porque a economia regional está nas lonas, estriçada pelo fisco e pela anemia política; porque a fome já não é apenas um espectro, é uma multidão de seres; e porque o desemprego não é já vício de uns tantos, mas calamidade social. Identificar o problema, e assumir o problema, é o ponto de partida para alguma solução. Para uma solução que encontre porta-voz.

Carlos Albino
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Flagrante símbolo: Volta a estar atual o velho mas abandonado símbolo constante do brasão de armas do Algarve – dois reis mouros e dois reis cristãos...

quinta-feira, 2 de maio de 2013

SMS 511. Facebook, blogues, websites...

2 maio 2013

É a tentação do clique. Não se pode falar em inundação, mas em cheia. A contrastar com uma Imprensa que, em particular no Algarve, se debate numa crise sem precedentes (crise sobretudo por excessiva dependência de fontes noticiosas estranhas, por inevitável produção sediada a centenas de quilómetros e por cada vez maior desligamento do potencial leitor), aí temos a região inundada por blogues, por websites, pelas mensagens do facebook, pelos emails distribuídos por listas mais ou menos amplas, enfim, pelos vídeos do youtube em que, descontada a paisagem, até se conseguem filmar inverdades. E há de tudo. Há o belo e o feio; há o limpo e o porco; há o bom e o mau. O feio, porco e mau, por regra, é anónimo, e tão mais anónimo quanto os alvos são bem identificados e dados como alvos a abater, embora os fins não sejam confessos. O belo, o limpo e o bom, também por regra, parte de gente que assume a autoria ou que, por pudor, se fica pelas iniciais, mas cuja generosidade, sentido crítico e interesse pelo bem-comum são patentes, haja convergência ou divergência com os pontos de vista.

Depois de algum período de incerteza e também de desconfiança quanto ao valor e eficácia, os novos instrumentos de comunicação instalaram-se no Algarve e vieram para ficar. Dos websites mais ou menos aprimorados de instituições às páginas de associações culturais, cívicas ou recreativas, dos portais das câmaras melhor ou pior entrosados no serviço público aos sites de empresas, escolas e bibliotecas uns mais parados que outros, do reclamado online dos jornais que resistem com papel mas que viram nos novos meios sistemas complementares e de promoção dos seus cabeçalhos aos espontâneos navegadores da internet, o Algarve não fugiu à regra do mundo, juntando-se a isso, as newsletters de deputados e de candidatos que se prezam, os emails apelativos ao seguidismo político ou à participação em “eventos”, e sobretudo, as irresistíveis mensagens no facebook e os blogues de cidadãos, uns que nascem para funcionar como pretendida espécie de jornais locais ou até regionais mas também morrendo longe disso, outros que brotam como sinceras páginas literárias ou como recursos de intervenção política, da geral à local, mas que se esboroam ou pelo cansaço ou pelo laxismo dos que não conseguem conviver com a crítica.

A enxurrada de informação expedida e recebida é já apreciável, sem dúvida que foi criado um público destinatário novo, ainda não contabilizado mas que é um nicho na sociedade, aqui maior, ali menor, mas nicho. Esta enxurrada de informação, com as suas verdades e inverdades, corre abertamente mas em grupos fechados, enquanto os tradicionais meios de comunicação não saíram do ponto onde se encontraram sempre no Algarve, e que, quanto ao papel, é o ponto da insuficiência tecnológica de produção e da relutância à leitura em que o algarvio é incorrigível, porque quanto à rádio é gira-discos com verbos de encher, e quanto à televisão é inexistente. Resumindo e concluindo, apesar dos novos meios e do esforço que alguns meios tradicionais fazem, o Algarve tem um problema de comunicação. Um grave problema de comunicação, apesar do facebook, dos blogues, dos websites...

Carlos Albino
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Flagrante ouro: A atribuição da medalha de mérito (grau ouro) pela Câmara de Loulé a Guilherme d’Oliveira Martins, antigo ministro da Educação, das Finanças e da Presidência, e atual presidente do Tribunal de Contas, com fortes ligações familiares a Boliqueime que até considera a sua terra natal, significa que Boliqueime não é só isso ou se resume a isso. E o ouro também ao deputado Mendes Bota, é justo reconhecimento pelo seu trabalho no Conselho da Europa, designadamente pelo seu desempenho e brio em levar a bom porto a Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica.