Julgava-se que
estava definitivamente enterrado aquele velho ditado vigente a Norte e
Centro-Norte do País segundo o qual “Algarvios, Marroquinos e cães de caça são
todos da mesma raça”. Segundo as conveniências, os marroquinos eram
substituídos por alentejanos, mas a coisa dava no mesmo. Esse ícone da cultura
racista portuguesa (que também é cultura…) produziu efeitos, a tal ponto que
não foram poucos os algarvios que, até muito recentemente se não hoje mesmo, tiveram
ou têm vergonha de assumir a sua terra natal nos salões de Lisboa e nas escadas
por onde sobem os candidatos ao poder, seja no Estado ou mesmo nos partidos e
centros de influência. Digamos que, para muitos, assumir o Algarve como terra
natal funciona como mancha curricular e como fator inibidor de progressão na
carreira de influência pública. Assim foi no Estado Velhíssimo: o Regulamento
de Disciplina Militar, já em plena vida republicana do Século XX, chegava ao
ponto de estatuir que os mancebos algarvios apenas poderiam ser cozinheiros e
corneteiros. Foi assim no Estado Novo: o algarvio, pelo seu espírito liberal de
nascença, era tomado como elemento de exceção sediciosa a quem não se poderia
outorgar confiança. E de certo modo continuou a ser assim no Estado Novíssimo
em que começámos a viver, convencidos de que o preconceito racista e
discriminatório iria desaparecer e seria enterrado na vala comum das coisas
podres do Estado Novo e do Velhíssimo.
Mas nada disso! A
coisa continua, embora camuflada, e nota-se muito bem o esforço de muitos que
subiram degraus, em evitar dizer que são algarvios. Nota-se uma espécie de
vergonha e até de medo em que isso funcione como nódoa curricular que nenhuma
lavagem a seco limpará, sobretudo se a lavagem for encomendada a lavandaria do
Norte ou às suas inúmeras delegações na Capital. A rede está bem montada.
E a coisa continua
nas listas concorrentes ao poder onde o algarvio só pode ser cozinheiro, nas
bancadas do poder onde o algarvio só pode ser corneteiro, chega aos concursos
públicos onde o algarvio só pode ser marroquino, e chega às esplanadas dos
cafés onde até os cães de caça não disfarçam um riso obediente à voz do dono,
quando lhes cheira a algarvio. Pior ainda: a coisa já chegou ao próprio
Algarve, à coisa pública do próprio Algarve onde já, por vezes, o ser da terra
é uma contra-indicação. Assunto para continuar.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante turismo religioso: A substituição da secular Mãe Soberana de Loulé no andor, por uma filha de gesso e com ar de mãe precoce que nem completou o 8.º ano de escolaridade, é não só o pior dos paganismos, como, a continuar esse embuste, dita o fim da festa.
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