Lamento dizer, o Algarve onde tanta
gente nasceu e que tanta gente assumiu como berço tardio não é o Algarve de que
muitos gostariam. Muitos, mesmo. Uns que até nasceram na terra mas que no lugar
do coração têm uma carteira, outros que por aqui estão e vão estando até ao fim
como se estivessem em Zurique sob sigilo bancário, ou, o que dá na mesma, em
Marraquexe como negociantes de camelos.
Estes, que são muitos, gostariam de que
o Algarve não tivesse cidades, nem vilas, nem sequer aldeias – basta-lhes a sua
casinha, com leõezinhos na portada ou um Cristo-Rei com icterícia comprado
naquela feira do mau gosto da Guia para simular catolicidade. O Algarve, para
esses, termina nos muros da casinha e a sociedade limita-se aos dois Labradores,
três Rottweilers e um Basset Hound para entretenimento das criancinhas na sala.
Nos empregos, públicos ou privados, procedem como os antigos colonos da Rodésia
mas sem chibata, porque, nos tempos que correm, não é conveniente exibir a
chibata, embora a tenham pendurada atrás da porta. Caso sejam técnicos, desde
matérias de leis e de saúde a projetos ou mesmo ao arranque de dentes, gostam
de ser tratados como especializados geralmente em tudo, fazendo tudo também não
propriamente sobre o joelho mas sobre contrapartidas que entram no rol dos
segredos de confissão. Dão-se bem, enriquecem e a casinha vai-se ampliando até
à imitação de um palácio de Sintra, não faltando janelas manuelinas. Para
estes, as eleições no Algarve estão a mais, as câmaras apenas se justificarão
caso tenham sintonia com os interesses da casinha, o mar até é dispensável
sendo coisa horrível em comparação com as piscinas de água quente e água fria,
o património histórico e arqueológico do Algarve é coisa de doidos gastadores
do erário público, e quanto a bibliotecas públicas apenas se toleram para a
apresentação de algum livro de “poesia” da sua autoria, pois também fazem
“poesia” nas horas vagas para mostrarem vigor intelectual às esposas, embora a
“poesia” não passe de versos do género – Comi
um figo inchário/ e o meu Rottweiler ladrou./ Será amigo que bate à porta?/
Será ladrão?/ Diz-me o meu Cristo-Rei/ que já não está quem aqui falou./
As televisões, todas, a pública e as
privadas, não falam do Algarve pelo que até na abertura da época balnear omitem
o Algarve programando reportagens exaustivas sobre uma praia de calhaus do
Oeste ou sobre uma poça de água promovida a estância? Dizem esses que ainda
bem, é assim que Portugal se mostra como República Unitária. A linha de caminho
de ferro é uma desgraça? A saúde uma desgraça é? A segurança vive do milagre de
até os assaltantes não terem dinheiro para a gasolina necessária ao ataque? O
governo obriga os professores do Algarve a deslocarem-se a Évora para reuniões
que só aos professores do Algarve interessam? Ainda bem, porque Évora precisa
de movimento e o Algarve tem movimento a mais na minha casinha, com os meus
Labradores, os meus Rottweilers e o meu Cristo-Rei da Guia para o senhor padre
se convencer que sou daqueles que têm fé, esperança e caridade que é aquilo que
torna perfeito um pseudoalgarvio em Zurique ou em Marraquexe.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante conclusão: Há motivos para concordar com Cavaco Silva: os défices das câmaras de direita, por maiores que sejam, são superávits; os défices de câmaras de esquerda, mesmo que sejam insignificantes, são estrondosos rombos nos dinheiros públicos e exemplos da mais danosa gestão.
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