quinta-feira, 19 de junho de 2014

SMS 569O trabalho de sapa

19 junho 2014

Nisso, o mar é professor. Sabe como levar a cabo essa ação, sempre pela calada, contra rochedo aparentemente fortificado. Mas essa engenharia própria do mar também existe em terra. Basta uma simples viagem por autarquias, câmaras ou juntas, para se constatar que o trabalho de sapa não é apenas metáfora, mas sim ação oculta e ardilosa do dia-a-dia, geralmente atribuída pelos lesados às “estruturas intermédias” e que serve para tudo, como ação oculta que é. Tais “estruturas intermédias” são o enorme bojo onde cabe de tudo um pouco. Aí cabem os leais e os desleais, os beneficiários de mordomias e os purgados de mordomias anteriores, os justiçados e os injustiçados, os sábios promotores da lassidão pública e os zelosos na aplicação das decisões, os manhosos no retardamento da execução de medidas urgentes e os cumpridores avessos ao favor de circunstância, os distraídos para quem o horário do serviço público é menor do que o horário dos interesses difusos e os atentos com rigor ao bem comum - a lista é longa. Nem todos os que parecem desfavoráveis aos poderes eleitos, legítimos e consolidados, serão sapadores, como também alguns dos que aparecem colados à eleição, à legitimidade e à solidez do poder não passam disso mesmo – sapadores, especialistas da trama e da ação oculta na expetativa de benefício a prazo.

O sapador que faz trabalho de sapa, por vezes e porque está no seu carácter, é o primeiro a dar a pancadinha nas costas, fazendo-o para dissimular a ação oculta, sendo assim coerente, mais coerente do que aqueles que não são sapadores. Consegue minar e até desminar, sem que alguém possa dizer ou provar que o seu trabalho é demolidor. O bom sapador nunca é crítico, nunca está contra, diz sempre que está a favor no que é circunstancial e esconde-se atrás do primeiro biombo que encontra quando instado a pronunciar-se sobre o que é essencial. É tão coerente consigo próprio a tal ponto que surge aos olhos do cidadão comum como o verdadeiro sufragado e eleito em detrimento do poder do qual depende, porque na ocultação que faz de si próprio tem a faca e queijo na mão.

Nas sociedades onde haja um razoável anonimato social, os sapadores têm nome e até fazem gala com seus nomes. Onde não há anonimato social, também ficam sem nome ou deixam perder o nome, porque, nestas circunstâncias, também rapidamente perderiam a coerência. A coerência do trabalho de sapa. E nisso o mar é professor. Designadamente o mar do Algarve.

Carlos Albino
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Flagrantes desabafos: Não se sabe bem lá porque motivo mas cada vez mais se ouve no Algarve desabafos sobre a vontade de ligar as antenas ou o sinal exclusivamente para a televisão da Andaluzia, já que a de Marrocos é idêntica às de Lisboa e Porto.

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