São festas da convivência humana, não são imitação, continuam ano após ano como se tivessem nascido do chão, congregam crentes, descrentes e até quem não é uma coisa nem outra. O concílio de Trento, no longínquo século XVI, cristianizou-as, purgou-as do paganismo, deu-lhes novos nomes. Mas se é verdade que os deuses se foram embora despedidos por justa causa, os nomes ficaram como ficou a finalidade das festas: a convivência. A sã convivência. E quando assim é, uma festa popular nunca é contra o povo, e resiste como festa contra todas as tentativas para a separar das raízes que estão lá no fundo dos tempos e da sociedade. O documento que prova a sua proveniência não está em pergaminho, nem em papel. Está na raiz e no tempo. Refiro-me à Festa das Tochas Floridas ou Festas das Flores de São Brás de Alportel, e às Festas da Mãe Soberana de Loulé (a pequena e a grande) que cumprem a rigor o calendário lunar e assentam em chão fortemente romanizado. As explicações são muitas, cada qual com a sua lenda, a sua ficção e a sua história debitada mais pela intuição do que pelo documento. Mas nota-se que em qualquer dessas duas festas, há algo que não é apenas secular, é milenar. Que se filia em culturas que vêm dos confins do tempo. Aqui, há trabalho para historiadores e ofícios correlativos.
O que importa é
destacar que. tal como chegam aos nossos dias, as festas lunares de São Bás e
de Loulé são enormes festas da convivência, portentosas festas, resistentes à
mística (boa ou má) e à mistificação (bem intencionada ou perversa). Nessas
festas, o ator verdadeiro é o género humano com o seu instinto de pacífica
apoteose quando se sente em reunião puramente humana, sem deuses, sem chefes,
sem cabeças iluminadas. É claro que o pretexto, em São Brás, são as flores e
também, um pouco às escondidas (já foi mais) a raiz quadrada do medronho, e
que, em Loulé, é a Mãe Soberana (os romanos nunca designavam Diana pelo nome
mas por Mater Soberana, assim mesmo). À parte o medronho e Diana, e à parte também
o concílio de Trento, ficou como herança dos tempos, a convivência a galvanizar
multidões cujas imagens fixadas por um fotógrafo de bons olhos, são imagens da
paz em verdadeiros espetáculos da paz. Coisas destas como as de São Brás e de
Loulé não se fazem de um ano para o outro, levam tempo, precisam de tempo, de
séculos, possivelmente de milénios.
Como dizem os
empresários de “eventos”, são espetáculos a não perder. E é pena que o
turismo algarvio, perante tais eventos milenares, não ultrapasse o raciocínio
analógico. E parou.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante fronteira: Entre-se no Algarve por onde se entrar e não há uma placa, um post-it pelo menos, a sugerir que aqui ou ali começa ou termina o Algarve. Saudosos os tempos em que o governador civil dava as boas vindas ou em que havia aquele cartaz com uma chaminé da Mealhada e amendoeiras em flor até em agosto… Ao menos um disparate que marcasse a fronteira do Algarve.
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