quinta-feira, 10 de abril de 2014

SMS 559. Brutal défice de cidadania


10 abril 2014

Nestas semanas em que tenho contactado mais de perto com comunidades locais sem bases de anonimato social – todos praticamente se conhecem, todos são mais ou menos vizinhos uns dos outros ou primos dos outros vizinhos – têm-me levado a uma conclusão: há um défice brutal de cidadania. Sabia naturalmente que havia grande défice. Nunca imaginei que fosse brutal. Numa sociedade em que, por ser grande, a base do anonimato social impera, a gente não se apercebe bem desse défice, embora o sinta. Mas é disfarçado, ou pelo bom-tom, ou pelo respeito natural pelo cidadão desconhecido, ou por cerimónia, ou mesmo por interesse. E então pensa-se e até se inveja, como serão felizes os que vivem numa comunidade em que todos se conhecem e em que as regras da convivência, desde a convivência quotidiana à convivência política, não fica nos livros mas passeia na rua, está em cada casa, anima cada cabeça. Ora, nada disso!

As regras da convivência, a começar pelas da convivência política, são desconhecidas, cada vez mais desconhecidas e nem se disfarça o desconhecimento como acontece nas grandes sociedades. Nas pequenas comunidades locais até há quem se gabe e sinta orgulho do desconhecimento. Julgava eu que isso apenas se verificaria por resultado da iliteracia galopante, do egocentrismo cavado pelos profetas da Igreja Universal do Reino do Eu, por aí fora. Julgava que isso era próprio dos que, em termos de educação contínua, apenas reconhecem três aulas: a da telenovela balofa,  a do Sport TV e a dos saltitões da televisão pública. Ora, nada disso!

Encontro altos professores, magníficos arquitetos, eminentes advogados, gentilíssimos engenheiros, primorosos médicos, astutíssimos empresários e até santíssimos padres que gerem 17 paróquias, que não sabem nem nunca quiseram saber como funciona uma assembleia de freguesia ou que poderes e deveres tem a junta, que desconhecem os mecanismos básicos de uma assembleia municipal embora conhecendo muito bem os canais informais da câmara da respetiva comunidade local, quer para viabilização quer para torpedeamento daquelas decisões que raramente se livram de colagem a interesses difusos. Quer isto dizer que, se isto fosse futebol, coisa que todos entendem, o resultado seria este: Cidadania, 0 – Espertalhice, 7

Um brutal défice que afeta tudo, desde a Universidade do Algarve à Escola Básica da Fóia, da mansão em Vilamoura à casinha telhada na nascente da Ribeira de Algibre. Voltaremos ao assunto.

Carlos Albino
________________
Flagrante verdade: O Sporting Club Farense foi fundado a 1 de abril de 1910, um já remoto dia das mentiras. Até parece não ser verdade.

Sem comentários: