10 abril 2014
Nestas semanas em
que tenho contactado mais de perto com comunidades locais sem bases de
anonimato social – todos praticamente se conhecem, todos são mais ou menos
vizinhos uns dos outros ou primos dos outros vizinhos – têm-me levado a uma
conclusão: há um défice brutal de cidadania. Sabia naturalmente que havia
grande défice. Nunca imaginei que fosse brutal. Numa sociedade em que, por ser
grande, a base do anonimato social impera, a gente não se apercebe bem desse défice,
embora o sinta. Mas é disfarçado, ou pelo bom-tom, ou pelo respeito natural
pelo cidadão desconhecido, ou por cerimónia, ou mesmo por interesse. E então
pensa-se e até se inveja, como serão felizes os que vivem numa comunidade em
que todos se conhecem e em que as regras da convivência, desde a convivência
quotidiana à convivência política, não fica nos livros mas passeia na rua, está
em cada casa, anima cada cabeça. Ora, nada disso!
As regras da
convivência, a começar pelas da convivência política, são desconhecidas, cada
vez mais desconhecidas e nem se disfarça o desconhecimento como acontece nas
grandes sociedades. Nas pequenas comunidades locais até há quem se gabe e sinta
orgulho do desconhecimento. Julgava eu que isso apenas se verificaria por resultado
da iliteracia galopante, do egocentrismo cavado pelos profetas da Igreja
Universal do Reino do Eu, por aí fora. Julgava que isso era próprio dos que, em
termos de educação contínua, apenas reconhecem três aulas: a da telenovela
balofa, a do Sport TV e a dos saltitões
da televisão pública. Ora, nada disso!
Encontro altos
professores, magníficos arquitetos, eminentes advogados, gentilíssimos
engenheiros, primorosos médicos, astutíssimos empresários e até santíssimos
padres que gerem 17 paróquias, que não sabem nem nunca quiseram saber como
funciona uma assembleia de freguesia ou que poderes e deveres tem a junta, que desconhecem
os mecanismos básicos de uma assembleia municipal embora conhecendo muito bem
os canais informais da câmara da respetiva comunidade local, quer para
viabilização quer para torpedeamento daquelas decisões que raramente se livram
de colagem a interesses difusos. Quer isto dizer que, se isto fosse futebol,
coisa que todos entendem, o resultado seria este: Cidadania, 0 – Espertalhice,
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Um brutal défice
que afeta tudo, desde a Universidade do Algarve à Escola Básica da Fóia, da
mansão em Vilamoura à casinha telhada na nascente da Ribeira de Algibre.
Voltaremos ao assunto.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante verdade: O Sporting Club Farense foi fundado a 1 de abril de 1910, um já remoto dia das mentiras. Até parece não ser verdade.
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