O défice democrático tem
duas faces, qual delas mais tenebrosa, não sei: por um lado, há défice,
quando o poder e seus intermediários agem sem diálogo, abusando da autoridade e
impondo à força decisões que põem em crise o interesse geral e o bem comum; por
outro lado, também há défice, quando o cidadão não usa os meios legais e
legítimos para se defender do abuso de poder, das deliberações injustas e da
violência autoritária. É por isso que o poder, se é democrático, tem que ouvir
e explicar, e que o cidadão deve conhecer os meios que tem à sua disposição
para agir e retificar desvarios. Vem isto a propósito da estrada 125 sobre cuja
anunciada “requalificação” sempre aqui manifestámos dúvidas.
Um pouco de história. A Via do Infante, inicialmente prevista como
mera via rápida e depois mascarada de auto-estrada, foi lançada e aceite para
aliviar a 125, substituí-la até onde a 125 era já a estrada da morte, como o
povo a batizou, porque era. A Via do Infante não foi portanto um luxo, foi a
alternativa para o Algarve ter uma travessia segura, unindo as terras porque a
125, com a explosão urbanística e a evolução natural das coisas, deixou de ser
estrada, mas em longuíssimos quilómetros, uma rua ou avenida ad hoc, ao mesmo tempo que vilas e cidades foram
planeando as entradas e saídas em função do novo traçado longitudinal que por
isso mesmo, e não tanto por dois ninhos de águia dos ecologistas de trazer por
casa, não foi remetido mais para a serra e longe dos centros urbanos. E o Algarve
acomodou-se a essa solução, a vida corria normalmente sem que os algarvios
sentissem que a “via rápida” mascarada de auto-estrada era uma situação de
exceção e de privilégio no País. A vida corria calma até que surgiu essa ideia
peregrina das portagens e com tais portagens o poder se lembrasse fazer na 125
o que podia e devia ter feito antes da explosão urbanística e antes que fosse
estrada da morte – requalificá-la com critérios de emergência e à maneira do
trolha arvorado em mestre de obras.
E então aí temos a 125, com traços saídos dos estiradores e do ar
condicionado dos gabinetes, a ser refeita não em função das pessoas e do
Algarve (que também tem pessoa) mas das portagens da outra via que nasceu para
a substituir como estrada da morte. À força querem agora transformar a 125 na
alternativa à estrada que nasceu como alternativa. Insuportável, claro. Tanto
mais que, como se previa, a 125 só teria uma solução com longos separadores
centrais e que por serem separadores, separam mesmo – separam vizinhanças,
casas comerciais, serviços, a porta do primo que mora em frente, bens, separam
tudo, numa extr4ema violência para o dia a dia das pessoas. E tudo isto sem
discussão pública, sem explicação pública, assim por decreto e trolha a cumprir
decreto, acrescentando mais uns quilómetros de muro aos quilómetros de muro já
implantado, pois de muro se trata.
É muro. Por motivos bem diferentes, o mundo já conheceu o Muro de
Berlim e também por outros motivos mais confessáveis, há muito que conhece o
Muro das Lamentações. O que não se esperava é que o Algarve viesse a dispor
como sucedâneo da estrada da morte, um Muro de Provocações. É uma provocação à
região e Mendes Bota só fez bem em pedir à população lesada que use os meios
legais e legítimos que a democracia disponibiliza. E os outros deputados só
fizeram mal numa coisa: não aparecerem junto dos cidadãos lesados. Assim não se
requalificam.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante consequência: Aí se disse que sete escolas do Algarve vão perder 74 lugares com um número apreciável de professores com horário zero. A “catástrofe” está em que pouco ou nada fizeram para terem força moral para impedir isso. Pois que força moral face ao ranknig das escolas da região e ao deplorável grau de qualificação dos alunos algarvios?
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