Toda a fábula, porque é fábula, deixa uma lição e procedem mal os
que, com os resultados destas eleições no Algarve, se isentam das
responsabilidades pelo remate da história contada. Uma fábula eleitoral não é
coisa acontecida há séculos e com personagens de terras longínquas – é feita
por eleitos ou derrotados e por eleitores inscritos acabem estes por ser os votantes
que contam, os que entram em branco e brancos saem, os que se divertem como nulos
que são ou mesmo os abstencionistas que decidam ser filhos de ninguém. Todos, sem exclusão, fazem intervenção na
fábula e no seu remate. Os algarvios sabiam que, feitas as contas finais,
haveriam de ser eleitos 9 deputados por entre as listas de 13 partidos. E aí os
temos, quer uns, da fábula, dêem razão a Henri Bergson quando este avisava que "escolher
é excluir", outros prefiram aliviar-se com a lamúria de Platão segundo a
qual “Deus não é culpado, pois a culpa é de quem escolhe", quer outros
ainda da mesma fábula andem pelos cantos a repetir satiricamente as desculpas
de mau pagador inventadas pelo velho boémio francês Mathurin Régnier cuja regra
era a de que “quem muito quer escolher, fica com o pior", mesmo que nenhum
saiba quem foi Bergson, Platão e, para mais, Régnier…
No palpite aqui deixado a 21 de abril (apontamento 408), não se
errou quando se garantia que seriam eleitos 4 deputados para o PSD, 2 para o
PS, 1 para o CDS (beneficiando dos tais erros de paralaxe), 1 para o BE e 1
para o PCP. Assim foi. E não foi apenas a correnteza nacional que levou os 200
mil votantes (pousos mais) a contribuir para tais resultados – em parte sim, em
parte não. Como não foi também a mesma correnteza nacional a levar que 160 mil
tivessem ficado em casa considerando que o momento não lhes dizia respeito.
Alguma coisa de grave está a ocorrer no sistema democrático, melhor dito, nos
partidos – em todos os partidos - para
que quase metade dos eleitores deitem assim o seu papel no momento mais solene
e decisivo da democracia para a reciclagem. O clientelismo, o carreirismo, as
jogadas do submundo do pequeno poder e sobretudo aquela corrupção omissiva que
lava a cara todos os dias de manhã (a outra, a suja, a que jamais se lava, essa
não engana a ninguém e nota-se à distância pelo cheiro) explicam em grande
parte a desmotivação, o desinteresse, a lassidão e explicam sobremaneira que
gente generosa não exercite a generosidade que tem e revele profunda descrença.
Mas estes 160 mil ficaram em casa e, ficando em casa, não incomodaram ninguém,
como pouco incomodaram os cerca de 8 mil que votaram em branco ou anularam o
voto. Os que incomodaram foram os tais 200 mil ao provocarem na Região um
verdadeiro abanão político. E sem dúvida, em democracia, tal incómodo é um bom
incómodo, um saudável incómodo desde que tanto os incomodados como os que
incomodaram saibam extrair a moral da fábula e aprendam com ela. Outra coisa
não se espera.
Nenhum partido que ganhou mais (o PSD e o PCP) “roubou” deputados
ao outro – em democracia não há roubos, pois escolher é excluir, e contra isto
batatas. E qualquer dos partidos que “manteve” (o CDS e o BE) com mais triz
menos triz, não pode cantar do alto, porquanto não se esqueçam que podem estar
meramente a beneficiar da evidência de quem muito quer escolher, fica com o
pior. Finalmente, meu caro Miguel Freitas, Deus não é culpado,
pois a culpa é de quem escolhe. E com isto se pretende dizer que Mendes Bota fica com uma enorme
responsabilidade, perante os que votaram e perante os que ficaram em casa – 160
mil abstencionistas é muita gente e tal número só não atemorizaria se Deus
tivesse culpa. Pensem nisto.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante lição: Ao que erra, perdoa-se uma vez, mas não três. É como diz o provérbio.
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