Tomei a bica e, como habitualmente, guardei o pacote de açúcar no bolso – o açúcar apenas tira o sabor do café. Depois deste ritual atravessei de carro a cidade, era já meia-noite e começaram as pequenas aventuras numa terra como sempre sem vigilância aparente e sem sistema de prevenção mínima que seja. Mesmo em frente dos Paços do Concelho, jovens em grupo urinavam em competição, parados na travessia de peões em porco desafio. Metros à frente, uma rapariga desenraizada não pela cor mas pela educação insultava gratuitamente quem passasse. Pelo lado direito, um homem já entradote pastava o seu belo e enorme cão parando extasiado com os dejectos que o bicho aliviou, e pelo lado esquerdo uma mulher de meia-idade era puxada por quatro cãezinhos cor de anjo mas que também faziam as porcarias que leva Deus a castigar os anjos do paraíso que façam o mesmo impondo-lhes patas em vez das asas. E nesse pequeno trajecto, com automóveis amontoados sobre os passeios como se não houvesse nem rei nem roque, ainda vi gente a escarrar para o chão, um outro a tentar acertar com uma lata de coca-cola num candeeiro, e ainda uma moto em alta velocidade a fazer cavalinho, seguida por uma outra de quatro grossas rodas de escape aberto, além de que de um primeiro andar alguém atirou para a rua um saco de lixo que se estatelou no chão espalhando vidros e por certo odores. Se todos os dias e todas as noites, isto acontece nesta terra, e se o que acontece nesta terra ocorre também pelo Algarve a fora, então, como se diz no circo, excelentíssimos senhores e excelentíssimas senhoras, isto se não é o inferno, parece.
Quando cheguei a casa, tirei do bolso o pacote de açúcar e li por curiosidade uma frase que lá estava impressa num evidente propósito da multinacional do pacote em divulgar os Direitos Humanos. Isto mesmo: «O indivíduo tem deveres para com os outros, para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade».
Nem com açúcar isto vai – os poderes públicos voltaram costas à educação cívica, as polícias apenas aguardam as queixas e alguma coisa de positivo que se faz nas escolas em matéria de civilidade e integração não chega à sociedade cujas “forças vivas” apenas têm interesse em beber o café com açúcar, com muito açúcar, mesmo que percam o sabor do café e não o sabor do voto.
Carlos Albino
Flagrante paraíso fiscal: Pagar ou receber a
dinheiro vivo, num enorme contributo para a transparência dos
impostos.
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