13 Abril 2006
Mesmo que não vá, e até peço para não me forçarem a uma tourada, é nisto que gosto dos espanhóis: quando querem matar o touro, matam mesmo e não andam com rodeios a fingir que não se mata para depois matar às escondidas ou fora das vistas despudoradas. E os espanhóis são assim, tanto na fiesta como na política. A ditadura franquista matou sem esconder muito ou mesmo nada, julgando com isso perpetuar-se; e também a democracia espanhola, pelo que se acaba de ver com Marbella mas para perpetuar a democracia, igualmente não hesita em dar a estocada à vista de todos e para que todos saibam, acabando assim com fiesta a mais. E quanto aos portugueses? Pois quanto aos portugueses, o nosso antigo regime autoritário, supostamente homólogo do franquismo, quando quis ou lhe convinha matar, fê-lo sempre com aquela morte que não se vê, a morte discreta, na sombra, atrás de biombos ou pela calada da noite num monturo, pelo que tal morte, por isso, jamais poderia ser descrita como acto praticado por autores assumidos ou provados. E mesmo quando esporadicamente a morte se viu ou foi vista, como no caso do assassinato do general Delgado, ou mais remotamente no “acidente” que vitimou Duarte Pacheco, a nossa branda ditadura providenciou sempre para que se chegasse à seguinte conclusão bem portuguesa: ninguém foi, não se apurou, a investigação foi inconclusiva e os tribunais declararam-se sem provas concludentes…
Vem isto a propósito de Marbella, da Marbella espanhola. O governo central de Madrid, em sintonia, como se viu, com a autonomia andaluza, o que fez quando a fiesta da corrupção tinha que acabar em final de espectáculo? Pura e simplesmente, o governo dissolveu a câmara, fechou a casa municipal para obras, deu a estocada. E nós, salvo seja? Pois em Portugal, com as nossas Marbellas de trazer por casa, imita-se na praça a estocada mortal para não se faltar à “verdade” do toureio, mas apenas se imita, imitando-se arrastadamente no tempo, até que algum dia, se consiga induzir a conclusão de que ninguém foi, não se apurou, a investigação foi inconclusiva e os tribunais declararam-se sem provas concludentes…
É claro que fazemos votos para que, no Algarve, Deus nos livre de Marbellas, embora indícios de fiesta não faltem, ou não tenham faltado ao longo destas décadas de democracia – apesar das nossas festas serem todas menores, temos várias Marbellas de trazer por casa, algumas até a nível de freguesia onde tenha havido mais um andar a troco de qualquer coisa impossível de apurar e sem azo de prova. E compreendamos: nestas coisas de fiesta ou de toureio da transparência, os toureiros autárquicos de Marbella cometeram um erro fatal: deram nas vistas. Aquilo foi avião, foi helicóptero e foram tantas e tão vistosas as manuelinas com o capote da legitimidade política, que estas culminaram na quarta fortuna de Espanha, o que era de dar nas vistas. Pois, aqui, em Portugal, também nesse mundo de faenas em que o enriquecimento sem justa causa dá espectáculo à nossa escala (sem helicóptero, claro), a discrição ou o não dar nas vistas é a regra que vai de encontro ao que somos tanto na política como nos negócios esdrúxulos. E é assim que quando se tenta indagar as razões que estão por detrás dos maiores atropelos que estão aos olhos de todos como factos consumados (você, caro leitor, não conhece factos consumados?) eis que, quanto a responsáveis, a conclusão é e será sempre a de que ninguém foi, não se apurou, a investigação foi inconclusiva e os tribunais declararam-se sem provas concludentes…
Moral da história: os da Marbella real, comparados com os das nossas Marbellas de trazer por casa, são uns aprendizes de feiticeiros, não é sr. Cabrita?
Carlos Albino
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