Tem sorte, muita
sorte, quem não ouve, por dá cá aquela palha, da boca de alguém a quem se
fez reparo calmo e justo, a seguinte resposta de dedo esticado e apontado ao
peito: “O senhor sabe com quem está a falar?” Há gente que vem ao Algarve por
dois dias e meio e procede como se entrasse numa colónia na qual todos os
indígenas são mainates. Outros que aqui se estabelecem e pensam que, após mês e
meio ou dois anos, a integração lhes dá o direito a serem superiores aos
indígenas. Outros ainda que, sendo indígenas, julgam que deixam de o ser,
imitando quem se julga com o rei na barriga mal passa as portagens de Paderne.
Se por pouco não atropelava o pobre peão, e este interpela com um “por favor,
tenha mais cuidado”, lá vem a resposta do homem ou mulher do volante: “Você
sabe com quem está a falar?”. Esta semana, por exemplo, contaram-me que um
reconhecido oficial superior do exército à paisana com sotaque beirão adaptado
a alfacinha, atravancou com o seu carro, a entrada de uma garagem particular.
Quem queria sair, teve que esperar que o ilustre desfardado almoçasse, bebesse,
risse e até falasse mal dos algarvios – “Uns bárbaros! Uns mal carosos,
malcriados até dizer basta!”, houve quem ouvisse. Chegado ao carro, o dono da
garagem, com paciência de santo, apenas observou: “O senhor estacionou mal…” e
foi o suficiente para pergunta colonial – “Você sabe com quem está a falar?”
É claro que nem todos
são assim ou assim procedem, embora cada vez mais sejam as exeções à regra.
E na generalidade dos casos, a coisa fica por breve discussão, com o malcriado
a partir para o anonimato que o deu à luz. Já é grave, quando o malcriado, em
vez de desaparecer no horizonte dos filhos de pai incógnito, tem uma tribuna
pública, generaliza a resposta de algum mainate menos paciente, inverte os
factos, escreve, por exemplo, uma crónica moralmente destinada ao todo nacional
intitulada “Os Algarvios”, e enfrenta os indígenas todos e sem exceção, com a
mesmíssima pergunta do perverso desfardado: “Vocês, algarvios, sabem com quem
estão a falar?” Também é claro que sabemos – estaremos a falar com alguém que
se julga da pura raça ariana e que pensa ter bota suficientemente grande para
esmagar os donos legítimos da pequena e modesta garagem.
Que os Algarvios não
o imitem, são os nossos votos. E, se lerem uma crónica dessas, se limitem a
perguntar: “Julga que a gente não sabe esperar até que o senhor perca a
sobranceria da farda com que gostaria de passear, ficando tão feio em calções
de banho?”
Carlos Albino
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Flagrante surpresa: Não se retira uma linha ao anterior apontamento sobre associações sem associativismo e sobre subsídios que só por si fazem associações, como se conclui de uma dissertação de mestrado, apesar de verde e com lacunas. Mas foi uma surpresa, quando na leitura de pormenores, se verificou que a dissertação foi dedicada pela autora, aos pais, a uma irmã e… “Ao meu gato Ruca”. Para não se humilhar o gato, mais não se diz.
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