De vez em quando vem à boca de uns e à cabeça de outros falar da
“identidade algarvia”. Coisa fácil. Difícil é dizer o que será isso.
Politicamente, o Algarve, sim senhor, foi um reino ao longo de séculos mas sem
alguma vez ter possuído instituições de reino ou deixar marca de autonomia
organizativa, o que foi o mesmo que não ter sido nada – era um penacho em cima
de uma cabeça, penacho herdado do pai e deixado como penacho para o filho. Com
o regime republicano, até o penacho desapareceu – ninguém foi Presidente da
República de Portugal e do Algarve – e vieram boas doses de tardias
manifestações românticas à mistura com evocações sérias e algumas até
fundamentadas para dar alguma identidade a isto. Foi assim que as amendoeiras
já cobriram de neve os vales por onde também corriam alegres odaliscas e,
segundo as conveniências, onde igualmente se colava à paisagem alguns mouros
mas não muitos para que os cristãos da identidade encantada gozassem à vontade
o prato, nesse delírio em que até se via em cada chaminé um minarete de
mesquita. Foi essa uma época em que a identidade algarvia tinha poesia oficial
e até um poeta oficial – Cândido Guerreiro. Mas também já foi a época da
identidade marítima, com o Infante D. Henrique por todos os cantos, cada caíque
a fazer de pai e mãe das caravelas, Lagos e Sagres em linha reta com o Brasil,
Olhão a navegar pelas estrelas, enfim, sem o Algarve Portugal não teria dado
novos mundos ao mundo. Paralelamente, a reforçar essa onda de identidade,
também houve tempos em que lá surgia Tavira como a Veneza do Algarve para quem
quisesse ver, e para quem não pudesse ver, os livros de Teixeira Gomes eram
expostos como os manuais de identidade da terra. E agora? Nem penacho, nem odaliscas, nem dois mouros a
fugir nus com uma faca de cana na algibeira, o Infante está reduzido a um
monumento funerário no enfiamento da A2 com a 22, o Agosto Azul de Teixeira
Gomes perdeu a cor, as amendoeiras de Cândido Guerreiro dão amêndoa amarga, os
caíques foram-se...
Na próxima semana há mais sobre identidade.
Carlos Albino
Carlos Albino
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Flagrante documentário: Perante estes protagonistas que se nos oferecem, serve o expediente da Euronews para evitar palavras sobre coisas que doem: No Comments.
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