quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

SMS 396. Presidente ou Residente da República?


20 janeiro 2011

Estamos à beira de mais uma eleição, desta vez presidencial. Cada um pensa o que pensa e legitimamente expressa o que entende expressar, não hesitando eu em expressar que nunca assisti a um pleito de nível tão baixo – baixo nos discursos, nas ideias, nos confrontos de programas ou projetos e, pior que tudo isso, também quanto a perfis de personalidade a coisa foi igualmente baixando, baixando e baixando de tal forma que fui forçado a interrogar-me se afinal estamos a eleger um Presidente da República ou mais um Residente da mesma República, o mais alto residente, por certo, a juntar-se a outros residentes. Nunca assisti a uma coisa destas e nunca pensei que isto fosse possível acontecer.

Ao desapontamento com os deputados, sobretudo com a safra das últimas legislativas, junta-se assim um desapontamento maior e de efeitos incalculáveis numa democracia que obviamentre deve e tem que ser repensada antes que o bem coletivo da liberdade de escolha a troco da responsabilidade de compromisso dos escolhidos se acabe ou se interrompa, ou, pior que tudo, se deteriore transformando-se num sistema de faz de conta que é democracia mas não é. E mais do que poderes do Presidente, número de deputados ou quem é quem que é eleito, o que me preocupa seriamente é a própria democracia e o seu rumo, o que tem obviamente tudo a ver com a qualidade, elevação e interesses abertos e não camuflados dos seus protagonistas. Ora uma democracia para escolher camuflados é coisa que colide com o sonho da sã convivência, da crítica serena e da domesticação de egoísmos e prepotências.

Nós, todos, para além dos autarcas que se cruzam com os eleitores nas ruas e que têm olhos, elegemos o Presidente e deputados – nada mais, porquanto o primeiro-ministro é um corolário. Com os deputados, as suspeitas acabaram de vez nas últimas eleições, pois, pelo que temos visto e comprovado, os eleitos, em vez de representarem os interesses das populações locais que os elegeram perante o governo e no parlamento, o que estão deveras a fazer é representarem os interesses do governo e do parlamento junto dos locais, invertendo o contrato eleitoral. E nisso, os partidos em cujas listas os mesmos deputados foram eleitos, em vez de pedirem ao governo e no parlamento apoio para as populações, o que fazem é pedir o apoio às populações para o seu governo (uns), para as expetativas calculadas de governo (outros) e para os seus interesses no parlamento (todos, à exceção dos que dificilmente escapam do labéu do oportunismo e do aproveitamento de circunstâncias). No Algarve, esta falácia levou à imposição de “representantes” que pouco ou mesmo nada têm a ver com os que deviam ser representados, e alguns no meio deles ou atrelados a eles, portanto sem grande voz ativa mas que até têm a ver com os representados, ou se calam ou não sobem, nesta lógica em que a representação política se converteu em emprego político e os empregados fazem carreira. Isto não é apenas mau para democracia – é péssimo, porquanto nenhuma democracia resiste com empregados residentes na política. A política não é isso, não se fez para isso.

Mas, enfim, fora os deputados, a gente acostumou-se a sentir no Presidente um garante e um reduto de confiança, mesmo que o eleito não fosse o que nós mais gostaríamos. E o que não é apenas mau, é péssimo, é que também o Presidente seja um Residente. A eleição que, em princípio, se consuma no domingo, sobretudo pelos episódios inesperados dos últimos dias, é um mau augúrio e a prova provada de que a democracia tem que ser e deve ser repensada. Repensada por todos nós eleitores que não somos empregados políticos pois as águias não geram pombas.

Carlos Albino

    Flagrante prognóstico: Comenta-se nos círculos de assaltantes bem informados, que vão ver que há forças policiais mais do que suficientes até para impor as portagens na 125 quanto mais na Via do Infante.

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