Para os romanos, Janus era o deus das portas do céu, das mudanças, tinha a capacidade de ver simultaneamente o passado e o futuro e as suas duas cabeças representavam os inícios e os fins. Passados estes séculos todos, o seu nome ficou diluído ou dissimulado no nome do mês de Janeiro, marcando-nos indelevelmente com a tradição de, a cada final de ano e início de outro, fazermos o balanço do que sucedeu nos últimos doze meses e do que podemos esperar (e desejar) para os próximos doze.
Claro que não será necessária a ajuda de Janus para avaliarmos que 2009 foi um ano excepcionalmente mau para Portugal, especialmente na frente económica, em que a instabilidade financeira e o abrandamento da prosperidade mundial contribuíram para o temor de quase se bater nos fundos. Mas também execepcionalmente mau na frente educativa. E nisso, tal como Janus, o Algarve teve duas cabeças: uma, por sinal a que tem voz e poder, sentiu alguma coisa mas não foi muito, a outra, a dos quase sem voz e espectadores do poder, sentiu fortemente e de que maneira. Mas independentemente de uns terem sentido muito e outros pouco, dificilmente alguém discordará de que a moralidade pública, que é uma frente que não depende da frente económica mas de cada um, seja este rico e com a crise tenha ficado mais rico, seja ele pobre e pela mesma crise tenha ficado mais pobre. A moralidade pública, nesta transição de 2009 eleitoral para 2010 de eleitos, é para todos uma questão essencial.
Passada a festa e desarmada a igreja, assistimos em 2009 – mais uma vez, no que nos interessa e que é o Algarve – a lamentáveis demonstrações de desprezo que alguns dos concorreram a representantes da população da região, e outros a quem cabe a administração da justiça ou a defesa dos interesses públicos locais, têm pelo decoro, pelas próprias normas de conduta e pela opinião pública, a qual por vezes até negam porque gostariam de que existissem apenas as suas opiniões pessoais sabendo que a opinião pública do Algarve corre à boca calada. Na verdade, o Algarve tem fala ou algumas falas, mas ainda não tem voz.
Já prescrevia Montesquieu, no longínquo século XVIII, que “não se constrói uma sociedade baseada nas virtudes dos homens, e sim na solidez das instituições”. O estimado leitor para quem meia palavra basta, já percebeu o que pretendo dizer: é que sem regionalização, o Algarve não tem instituição sólida, terá a manta de retalhos que sempre teve. E se neste final de 2009 há sinais encorajadores de que 2010 poderá representar um avanço nessa frente fundamental, que Janus nos ajude e abra a porta…
Carlos Albino
- Flagrante prenda: Nunca é demais oferecer aos deputados eleitos pelo Algarve e aos 16 autarcas da terra, uma mão na consciência - coisa que não está à venda mas é bom que se tenha.
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