quinta-feira, 14 de maio de 2009

SMS 314. Mudar esses hábitos



14 Maio 2009

O primeiro desses hábitos – Cada um na sua terra julga-se no centro do mundo e da sua terra não sai mesmo que na terra ao lado ou quase ao lado haja um colóquio, uma exposição, um concerto, um teatro, um debate, um encontro, por aí fora sabendo-se de antemão que se trata de coisa de elevada qualidade. Sair de Faro para em Portimão usufruir do que não acontece ou não há em Faro é um sacrifício, rumar de Portimão para Lagos faz envelhecer a não ser que a coisa em Lagos seja de um primo, compadre ou ex-credor e da foz do Arade até Faro será de todo impensável, ir de Tavira a Faro será quase o mesmo que uma circunvalação da terra, alguém de Faro deslocar-se a Loulé só empurrado pelo avanço do mar uns 15 quilómetros terra adentro… Resulta assim que o que de bom e até de muito bom vai acontecendo uma vez por outra aqui e ali no Algarve, tenha pequenos públicos que por vezes nem chegam a formar públicos mas grupos de almas cheias de piedade para as coisas da Cultura ou, por narcisismo, para as coisas de si próprias. Há deveras um défice de Algarve na participação em actividades culturais porque é destas que falamos e se não fossem os festivais de sardinhas, mariscos e cerveja os pobres seres que têm mais barriga que olhos, cada terra algarvia seria mais ilha do que cada ilha dos Açores. Há que mudar este péssimo hábito do isolamento altaneiro que mais não é do que localismo pífio provocado pelo vírus da gripe do provincianismo mental que se propaga pelos espirros – provoquem os espirros de Faro ou de Portimão e verão se a gripe cultural não contaminará todo o Algarve.

O segundo de tais hábitos – Passou a ser regra que sessão pública que se preze tenha de ser presidida por autoridade do mais alto possível. Compreende-se que na política assim possa ser e nalguns casos até deva ser porque na política há suseranias e vassalagens, já mais difícil de aceitar será que essa «presidência da autoridade» tenha que ocorrer na cultura e nos debates de ideias sem vassalagem. Mas isso suporta-se e muitas vezes até se deve agradecer a deferência da autoridade. O que já não se suporta e menos se aceita é que autoridade aceite presidir e das duas uma: ou se faz representar por alguém a fazer figura de autoridade, ou está presente nos cinco minutos iniciais para uma intervenção de sua majestade pirando-se da sala logo a seguir a pretexto de ter de cumprir acto de agenda há muito programado… Este hábito começou primeiramente lá em cima, foi descendo por aí abaixo, já chegou ao presidente de junta de freguesia e chegaria ao regedor se regedores houvesse declaradamente por lei, porque de facto mais não temos do que regedores nas autoridades que por aí andam a aparecer como que a cumprir aparições divinas. Também há que mudar este péssimo hábito: quem não pode ir, não delega; quem não pode estar até ao fim, não vai; quem não tem tempo ou paciência para aturar coisas chatas da cultura ou das ideias, demite-se da coisa pública e nem espera pela exoneração.

Carlos Albino

      Flagrante dúvida: E quem deve declarar como fossas as praias que amiúde e inesperadamente ficam transformadas em fossas porque fossas são?

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