quinta-feira, 2 de junho de 2005

SMS 108. Cerejas, morangos e outras frutas

2 Junho 2005

Possivelmente tive azar. Bem queria cerejas e morangos, mas tive azar. Fui a quatro hipermercados, dois supermercados e a dois minimercados à procura de cerejas e de morangos a sério, mas tive azar – ou eram cerejas do Douro, com dedo espanhol, com a cor dos olhos de borrego morto, sem sabor e metade bolorentas (toda a gente sabe que cerejas a sério são as da Cova da Beira, onde os produtores estão desesperados por não conseguirem escoar a sua fruta ímpar), ou eram morangos espanhóis, verdadeiros monumentos às hormonas e que, há duas semanas, enganado, comprei à beira da estrada da Patã, mas tive que os deitar fora – eram intragáveis. E apenas para verificar até onde as coisas podem chegar, andei pela 125 onde os pequenos agricultores, talvez mais por desespero do que por manha, pelos vistos se prestam, paredes meias com comércio ilegal mas a pretexto das laranjas «do produtor», a servirem de esgoto da fruta que a Andaluzia rejeita e não pode exportar para a Europa minimamente exigente. Afinal, nem uma cereja a sério, nem um morango a sério encontrei por todos os mercados possíveis numas três horas que não dou como perdidas – nessa experiência percebi «a coisa». Quer isto dizer que Portugal, cujos políticos andam por aí entusiasmados com o Mercado Interno Ibérico depois do entusiasmo pouco ou nada sério com o Mercado Interno Europeu, não conseguiu realizar e garantir o seu próprio mercado interno, o mercado interno português.

Os produtores algarvios de citrinos sabem dramaticamente do que estou a falar e os produtores de cerejas da Cova da Beira são as vítimas mais recentes e actuais – os beirões sofrem com as cerejas o mesmo ou mais do que os algarvios têm sofrido com as laranjas. Que os hiper, super e mini mercados encham as prateleiras com a fruta que a Espanha não consegue vender em mais lado nenhum, isso tem uma explicação que os senhores Belmiro de Azevedo e Américo Amorim guardam – sabemos. Mas o que não dá para entender é que os agricultores algarvios de citrinos em vez de darem a mão aos produtores beirões de cerejas, concertando estratégias, façam por ganhunça à beira da Metropolitana 125 o mesmo que nos hiper, super e mini se pratica: esgoto.

Carlos Albino

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