quinta-feira, 21 de agosto de 2003

SMS 15 - O Problema do Algarve

21 Agosto 2003

Em escassos dias deste Agosto, coleccionei uma boa trintena de episódios que me dão conta de que o Problema do Algarve não é só de infra-estruturas, de planeamento, de projectos, de engenharias financeiras, de freguesias que querem ser cidades e que mal são cidades querem ser concelhos ou, entre muitas outras questões, muito menos será da falta de navegabilidade do Arade, do Gilão e já agora da Ribeira de Alte. Estes serão meros problemas compreensivelmente atrelados à pedincha da UE que já deu tantas piscinas em vez de virtuais plantações de melão e tantos jeeps em vez de máquinas agrícolas dadas nos formulários como imprescindíveis para o «projecto». O grande Problema é de Estrutura, sim, de Estrutura Mental. Dos trinta episódios, escolho apenas sete. Aqui vão um a um:

1 – Fogos. Era meia-noite. No eirado de onde se avista a faixa apresepiada do barlavento e com o bico da Foia como manso limite da terra, via-se perfeitamente a linha trágica dos incêndios e se não se ouvia, pressentia-se a dor e os gritos de desespero de todos os que tiveram no fogo o pior dos ladrões. Ora, naquele preciso momento em que as labaredas estavam às portas de Silves e o governo decretava estado de calamidade para grande parte do Algarve, eis que nas bandas de Albufeira surge um vistoso fogo de artifício. Fogos de todas as cores, foguetório, uma festa! Não se chama a isto falta de Estrutura?

2 – Quarteira. Boa e digna Feira do Livro onde não se sabe se o artesanato é engodo para os livros ou os livros engodos para o artesanato. A organização destinou dois quiosques à Junta de Freguesia de Quarteira. Esperava eu que a Junta aproveitasse a oportunidade para mostrar o que a terra vale, o que tem, o que significa, o que deseja, enfim, que desse um sinal de que os quarteirenses não são como os búzios que só têm um pé para andar. Pois bem, um dos quiosques nem abriu, ficou vazio e o outro, foi subalugado a uma casa de bolos! Nada tenho contra os bolos a não ser quando são em demasia pois com papas e bolos se comem os tolos. Mas quando uma Junta entrega o mandato à doçaria, não se chama a isto falta de Estrutura?

3 – Urbanidade. O Homem é poderoso no Algarve e ocupa um dos cadeirões do poder regional. Digamos até que se não é o rei, parece. Chegou acompanhado da mulher. Eu estava numa das mesas da acolhedora esplanada das Portas do Céu, com três amigos de longa data. O que faz o Homem? Puxou uma cadeira, ocupou o lugar nobre da mesa, começou a falar, a falar e a falar mas nem uma com licença, nem um bom dia, nem um desculpem... E o que fez a Mulher? O mesmo. Claro que, passado um bom período de indulgente benefício da dúvida, cumprimentei apenas os meus três amigos que não sendo reis são fidalgos da urbanidade, levantei-me, deixei o Homem poderoso a perorar à vontade, afastei-me daquele Urbanidade. Quando um Poder destes é assim na vida, não se chama a isto falta de Estrutura?

4 – A condutora da Goncinha. À saída de Loulé para Faro, numa estreita e perigosa estrada tipo caminho-de-cabras de fazer desmaiar o Euro 2004, uma rapariga consegue fazer ao mesmo tempo o seguinte: falar pelo telemóvel preso entre o ouvido e o ombro, segurar o cigarro ao canto da boca, meter uma mudança forçada, fazer manobras de volante mal se aproximou de uma lombas artificiais e nem sei onde ela foi buscar a mão com que simultaneamente a tudo isto ajeitou a longa cabeleira que lhe entrava para os olhos... Resultado: uma travagem brusca, uma guinada torta e, pasme-se, como só então se apercebeu que não nasceu com mãos para tanta coisa, lançou o cigarro aceso pela janela da direita, para as bermas onde o restolho seco confina com a apreciável vegetação da Goncinha. Caso a rapariga não seja uma bombeira à paisana, não se chama a isto falta de Estrutura?

5 – O inglês reformado. O fleumático cidadão, leitor permanente de livros e que fez do Algarve segundo berço, pagou sempre pontualmente a caixa postal privativa que mantém na Estação de Correios. Por desleixo do responsável, o registo de pagamento não foi feito e cortaram-lhe sem aviso, sem apelo nem agravo, o lugar das correspondências e o inglês deixou de receber o cheque mensal da reforma. Levou três meses para resolver a situação, com o Chefe dos Correios a dizer que não e ele a dizer que sim exibindo o recibo de pagamento. Sem o seu dinheiro mensal certo, ficou com uma depressão, naturalmente. Para ele, uma Estação de Correios parece-lhe uma esquadra da Guarda Islâmica do Irão. Não se chama a isto falta de Estrutura?

6 – Mártires da Pátria. Andou muita gente por aí preocupada pelo Poço de Boliqueime voltar a chamar-se Fonte. Pois ali bem perto, a um carreiro íngreme que não tinha nome, a junta local entendeu chamar-lhe Rua dos Mártires da Pátria. Mesmo que num carreiro, fiquei curioso por esta tardia homenagem ao General Gomes Freire executado no Forte de S. Julião da Barra e aos seus companheiros enforcados no Campo de Santana e que por isso mesmo se chama Campo dos Mártires da Pátria. E fiquei curioso porque quando uma junta de freguesia revela conhecimentos, ainda que mínimos, da História Portuguesa, merece também no mínimo, curiosidade. Só que foi tudo por água a baixo quando verifiquei que a intenção foi prestar uma homenagam aos soldados mortos no Ultramar. Para aquela gente Mártires da Pátria do século XIX ou Combatentes do Ultramar do século XX, é tudo a mesmo coisa. Não se chama a isto falta de Estrutura?

7 – Fiscais. Os fiscais municipais são uma obra-prima. Alguns conseguem construir vivendas mais esplendorosas que os GNR de Albufeira, ganhando até menos que estes... Como o fazem, não sei, mas corre à boca calada por todo o lado que o regime de compensações informais a troco do olho fechado para obras ilegais, é um costume, pelos vistos incontrolável. Mas eu verifiquei com os meus próprios olhos, nestes dias, várias «obras» de bradar aos céus, na área de Loulé. Desde muros erguidos sem as regras da lei, até armazéns a abrir portões pela estrada dentro e casas acrescentadas, ampliadas a triplicar sem exibição do cartaz de licenciamento camarário, sei lá, é um regabofe. Os fiscais passam e fecham os olhos. Apenas os abrem selectivamente, como a Guarda Islâmica do Irão. Não se chama a isto falta de Estrutura?

Carlos Albino

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