quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

SMS 700. Burocracias municipais

1 dezembro 2017

Diz-me um engenheiro que lida com as coisas que alguma gente já se suicidou devido às burocracias municipais. Lá fora, em contactos circunstanciais com potenciais investidores, ao longo dos anos foram-me dizendo aqui e ali, em diversos países, que no Algarve, nem pensar. Cá dentro, sempre que as conversas vêm à tona envolvendo obras e urbanismo, noto que há muita gente arrependida e que está pelos cabelos. Gostam da terra, gostam das gentes, adoram o clima, mas a relação com as burocracias municipais é uma tortura. Papelada aparentemente desnecessária, atendimentos litigantes, exigências que roçam o fundamentalismo legalista, enfim, exercícios de poder e autoridade que se situam nos antípodas da cidadania de proximidade, do serviço público prestado com lhaneza.

Não raramente, técnicos alojados por esta ou aquela via nas máquinas municipais, ou mesmo ascendendo por concursos públicos pré-formatados por reclamada confiança política, não sendo eles eleitos, condicionam os decisores eleitos, em alguns casos reféns das burocracias que representam mas não orientam ou não ousam orientar. E há critérios díspares: hoje viabiliza-se o que ontem se negou nas mesmíssimas ou semelhantes circunstâncias. Por exemplo, tão depressa se exige o respeito pela paisagem, pela arquitetura tradicional da porta ao telhado e dos materiais às cores, como depois, por critérios contraditórios se aprovam, na mesma zona, projetos de casas, uns cubos pintados de negro e sem janelas, que mais parecem projetos para ampliação do crematório de Ferreira do Alentejo. Dizem-me ainda, e acredito, que os tais técnicos que dominam a máquina, têm um pavor terrível das inspeções dos serviços centrais do Estado, o que levará tais técnicos, por suposta autodefesa, para interpretações fundamentalistas da lei e dos regulamentos, interpretações que, em função de relatos fidedignos que vou registando, das duas uma - ou se prendem com interesses difusos que nada têm a ver com o espírito da descentralização do Estado para as autarquias, ou são exercícios próprios de estagiários a quem a antiguidade não confere saber e consciência dos deveres de trato. E pelo somatório dos casos, um pouco por todo o Algarve mas sempre a bater nas obras e urbanismo, acredito piamente no que o engenheiro me diz: alguns não têm aguentado viver assim.

E quanto ao escrutínio - escrutínio político, sublinhe-se - o panorama também deixa muito a desejar, como se o exercício democrático do poder e da representação tivesse apenas como limite o cumprimento formal da lei compaginado com a vontade do decisor, fazendo-se com perfeito à-vontade tudo e mais alguma coisa desde que não seja proibido e, mais importante, não se deixe o pé de fora, como se costuma dizer.

Daí que descentralizar sim, mas desde que aquele para quem se descentraliza não seja um refém dos que usufruem do bodo da política sem que aparentemente tenham a ver com ela ou dela lavem as mãos como Pilatos, quando as coisas dão para o torto.

Outrora associava-se ao horror a burocracia do Terreiro do Paço da capital portuguesa. Infelizmente, para se fugir a esse horror, geraram-se pequenos terreiros do paço locais que, em vez de encorparem a descentralização democrática e a paz da cidadania, acabaram por descentralizar o horror.

Carlos Albino
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Flagrante incêndio: O do palacete da Fonte da Pipa, em Loulé, em pleno inverno. Uma longa e triste história onde, antes, já tinha ardido aquilo que se pode designar por consciência do património. Foi Loulé e não tanto um “fundo inglês”que perdeu um “ativo”. Longa história.

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