quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

SMS 694. Culto da personalidade e personalidades de culto

8 dezembro 2016

Não interessa o que Fidel Castro defendeu ou impediu defender, não interessa o que fez ou proibiu que se fizesse, nem está em causa o que falou interminavelmente ou quantas e quais bocas calou em definitivo. Mas quem foi informado do que se passou a propósito da sua morte, ou, com maior curiosidade, espreitou a voz oficial de Cuba, designadamente o respectivo canal televisivo internacional, não pode deixar de se interrogar sobre o culto da personalidade, sobre o que significa e ao que leva.

Na verdade, o século passado ficou tragicamente marcado, um pouco por todo o mundo, por personalidades de culto. Também todos pensamos candidamente que a história não se repete e que hoje, à exceção de um ou dois sítios longínquos e que só estão próximos para quem vive na África, na Ásia, ou sente o seu risco na América, já não há lugar para paranóias de culto pessoal. Pensamos mas estamos enganados. Esse culto pode andar à solta na nossa região, pode campear na nossa cidade, pode morar na nossa própria rua, ou, quem sabe?, pode estar sentado no sofá da sala da nossa casa. Quando o culto da personalidade afeta um Estado inteiro, ou ameaça contaminar o nosso próprio Estado, é muito possível que alguns sinos toquem a rebate, que os comentadores alertem, que os noticiaristas reportem factos e comportamentos de eventual paranóico. Por isso, a personalidade que anseia pelo culto à sua pessoa, por autodefesa nunca começa pelo Estado. Começa pela nossa cidade, antes desta tenta a nossa rua e, antes da rua, ousa sentar-se no sofá da nossa sala. Ou seja: uma democracia – democracia de Estado ou local – não está imune a ter de alojar déspotas disfarçados, não há dispositivos que interditem automaticamente que no sofá franco da nossa sala generosa não se venha a sentar uma alma de títere, mas na nossa rua ou na nossa cidade, quando o culto da personalidade vinga e tem êxito, é sinal de que já sentou em muitas salas. E já será tarde para evitar que tal alma se meta no Estado.

Ora, olhando para a montanha de folhetos, agendas municipais, programas disto e daquilo, entrevistas manifestamente pagas, fotos a despropósito, mensagens a todo o pretexto, etc., um pouco por todo o Algarve, e comparando esta montanha com o que chega e se conhece do Norte e do Centro do país, não é difícil perceber e ter prova que lideramos o ranking dos cultos de personalidade. É bem possível que alguns pensem que só ganha eleições quem é cultuado e se faz cultuar, ou que as mensagens das personalidades de culto são meio-caminho andado para as ganhar. Possivelmente assim será, mas eleições dessas desvirtuam a minha sala, a minha rua e a minha cidade.
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Flagrantes valores: Talvez porque toda a gente, agora, reclama a defesa dos “valores”, numa rede de supermercados montaram um balcão para a venda de funerais a prestações. Não sei se o enterro vai dar ao paraíso fiscal já que o que rende é ir à carteira do cliente..

Carlos Albino

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