18 de Setembro 2003
E ali estávamos, às duas da madrugada, num terraço de quinto andar, com o enorme círculo de Mar a fazer razia à frente dos olhos. A fronteira desse Mar com a Terra era o longo corrupio de gente cujo vai-vém era inegável prova de paz. E quem estava no terraço? Estava Serras Gago, conselheiro da Representação Portuguesa junto da OCDE, a dissertar sobre o rumo do País e o futuro do Algarve, tirando o melhor da sua reconhecida experiência de sociólogo. Estava Manuela Júdice, a grande inventora da Casa Fernando Pessoa a quem João Soares tirou indecentemente o tapete. Estava Lídia Jorge, a testemunha sábia de todos os meus momentos e de todas as minhas inquietações. E estava o Poeta Nuno Júdice, de olhos perscrutantemente incrustados num corpo tão quieto, tão quieto como um monge budista jamais conseguiu e jamais conseguirá. Um corpo tal como Mar em frente. Todavia, notei uma enorme, secreta e julgo que irreprimível movimentação nesse corpo, tal como no Mar a fazer razia. E desafiei-o: «Nuno, esse poema que por aí anda, por mais breve ou longo que seja, é para os leitores das SMS do Jornal do Algarve». E como que a não querer interromper o secreto discurso, ele apenas murmurou um curto «Sim». Uns poucos dias depois, recebi sete linhas que são a síntese daquela sensação esmagadora de Belo e que certamente levou Deus, ao sétimo dia, à decisão de criar Loulé em Quarteira e o Algarve no oitavo. Leiam:
LUAR EM QUARTEIRA
Roubo, do céu onde a noite
a fixou, a prumo sobre
o mar, o rebordo vermelho da lua,
nem crescente nem minguante;
e um gemido de maré
cola-se ao buraco branco
que ficou no céu.
10-8-2003
Nuno Júdice
Se eu fosse autarca, mandaria gravar as sete linhas numa placa de pedra a colocar junto daquele Mar.
Carlos Albino
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