À parte um ou outro ritual partidário sem maior significado que não fosse dar solenidade à jantarada ou atrair gente ao pavilhão ficando por regra a cismar em palavras sibilinas, o Algarve, pelo país a fora, relacionava-se com Marcelo Rebelo de Sousa por via das chamadas “revistas sociais”. Era o mergulho, era o bronze, era a areia colada ao corpo, era a entrada ou a saída do mar, e a “notícia” da algarviazação do ilustre forasteiro ficava por aí. Mas há um episódio que não entrou nos devaneios da socialite, nem fez parte de ritual de voto, que dá conta de que o agora Presidente da República é solícito para além da política, é sensível para além dos trunfos de aproveitamento e tem humor que por vezes, como é o caso, coincide com a espontaneidade.
Foi assim. No dia 9 de julho de 2014, promoveu-se na Ermida da Senhora da Conceição, em Loulé, uma “maratona de poesia”, dedicada a Sophia de Mello Breyner, entre as 21:00 e as 24:00, a propósito da sua entrada para o Panteão Nacional. Largas dezenas de intervenientes, presencialmente ou por telefone, fopram lendo poemas para gente que, sem desarredar pé, enchia a ermida e o largo fronteiro. Marcelo foi dos poucos que, sem grandes explicações para o que se pretendia, não hesitou em aceitar o convite para ler por telefone um poema. Ficou marcada a sua entrada na “maratona” para as 23:48, cabendo-lhe o seguinte breve poema:
Porque será que não há ninguém no mundo
Só encontrei distância e mar
Sempre sem corpo os nomes ao soar
E todos a contarem o futuro
Como se fôsse o único presente
Olhos criavam outras as imagens
Quebrando em dois o amor insuficiente
Eu nunca pedi nada porque era
Completa a minha esperança
Marcelo leu e bem, sobretudo os dois versos finais: “Eu nunca pedi nada porque era
Completa a minha esperança”.
Mas, bem se pode perguntar, onde está o humor neste episódio? É que, a essa hora e mesmo minuto 48, decorria, em São Paulo, um crucial jogo do Campeonato do Mundo, entre a Holanda e a Argentina, que inesperadamente resultou num empate esgotado o prolongamento. Ninguém na ermida ou fora dela “sofria” com o jogo concorrente dos poemas de Sophia. Chegado o minuto 48, a potente aparelhagem sonora foi conectada ao telefone de Marcelo, pelo que a colaboradora da maratona disse: “Professor! Pode começar a ler, está em direto…”
Mas quando toda a gente estava à espera do poema com a voz de Marcelo, ouviu-se tudo menos um poema, ecoando um “Oh menina! Agora não, estou nos penáltis…” E foi gargalhada geral mal contida.
Foi já perto da meia-noite, que Marcelo começou por recitar - “Porque será que não há ninguém no mundo…”
Hoje já ninguém ri, mas se Marcelo ler isto, será o último a rir e melhor, porque esse momento acabou por ser um poema de humor, que também há quando um político não tenha cara de pau. Obrigado Marcelo.
Carlos Albino
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Flagrante disparate: Alguém se afirmou “defensor da regionalização da descentralização”… Vai longe.
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