quinta-feira, 29 de outubro de 2015

SMS 638. O voto e os dias seguintes

29 outubro 2015

Tão ou mais importante que o voto, são os dias seguintes – todos os dias que se seguem, um a um, até ao próximo voto. E, à exceção do Presidente da República que é um órgão unipessoal, o voto, num primeiro momento, é para escolher assembleias de onde emanam equipas de governo (nacional ou local), onde as deliberações ganham força e onde os governos (de legislatura ou autárquicos) são fiscalizados. Todos sabem isto, mas porque uns tantos se esquecem nos dias seguintes ao voto, os que sabem desculpam que se lembre que as assembleias, seja ela da República, do Município ou da Freguesia, são os pontos centrais da nossa vida coletiva e de cada eleitor que vá tendo também os seus dias seguintes tal como os eleitos.

As campanhas eleitorais, no entanto, subvertem este entendimento que devia estar sempre presente. Tais campanhas centram-se até aos confins do norte na escolha do primeiro-ministro; até à ribeira seca que separa um concelho do outro na escolha do presidente de câmara; ou até ao caminho que separa um compadre de outro na escolha do presidente de junta, quando, nos dias seguintes ao voto, pelo voto e com o voto, o que fundamentalmente está em causa são as assembleias a cuja escolha os votos se destinam. Um primeiro-ministro nada fará sem a vontade expressa da Assembleia da República e sem ela cai; um presidente de câmara fica paralisado se a assembleia municipal lhe disser não e, ao fim de três nãos, o aconselhável é renunciar; um presidente de junta fica a olhar para a parede se a respetiva assembleia o mandar pregar para outra freguesia. Daí que não sejam poucos os que desejam assembleias dóceis, assembleias que sejam maiores ou menores regimentos a marcar passo, enfim, assembleias que não tenham o protagonismo que de facto deviam e devem ter nos dias seguintes ao voto e nas quais a observação e seguimento público, em não poucos casos, seja de evitar ou de restringir. Atas tardiamente publicadas, convocatórias feitas apenas com os mínimos legais, etc., compõem o bolo envenenado que, premeditadamente ou não, se dá à Dona Democracia.

Os partidos, embalados por sua vez neste jogo de distração política, acabam no amorfismo crítico, no seguidismo irracional, na propaganda de claque, no voto contra porque fica de mau tom votar a favor ou no voto a favor porque é de bom tom não trair a marcha do regimento. E com os partidos assim, as assembleias (de freguesia, de município e até a da República) caiem na modorra, adormecem e só de vez em quando acordam quando surge na sala ou no salão, alguma maioria circunstancial de interesses a fazer barulho igualmente amorfo.

Há muito a fazer nas assembleias do Algarve, onde há muito esquecimento nos dias seguintes ao voto, e não vale a pena trocar as vazas: não há democracia sem… democratas nos dias seguintes ao voto.

 Carlos Albino
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Flagrante tristeza: Cavaco Silva na reta final.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

SMS 637. Colunas parlamentares, precisam-se!

22 outubro 2015

Deixei sugerido ao Diretor deste jornal, Fernando Reis, vai para uns três, quatro anos, a criação de uma coluna parlamentar em que se fosse dando conta, com regularidade, rigor e objetividade, do trabalho produzido em S. Bento pelos deputados eleitos pelo círculo do Algarve, no que tenha relação direta e útil com a região.  Se todos os jornais que ainda existem assim procedessem por meios e critérios autónomos, esse registo paciente já seria um bom e proveitoso escrutínio. E além disso, serviço público. Naturalmente que é um daqueles trabalhos que, a ser prosseguido, terá de ser “trabalho de redação”, trabalho próprio e pesquisa autónoma, a cujo valor o leitor (o leitor que ainda exista…) não ficará insensível. Se for bem feito, creio até que será um pequeno fator que contrariará a relutância à leitura.

Que iniciativas legislativas os nove deputados tomam de interesse direto para a região, que intervenções em plenário, que perguntas fazem e que requerimentos apresentam ao Governo e à Administração Pública, que respostas obtém e em que prazo, enfim, tudo isso que faça com que o círculo de Faro não seja quadrado. Na verdade, ao leitor que também é eleitor, repugna-lhe já a propaganda fora do tempo, os comunicados de parlamentares de pura promoção pessoal ou de circunstância, e que, além de fastidiosos, mais parecem cartas “ao meu povo”, gerando expetativas excessivas em torno de iniciativas pessoais sem resultados práticos e muito longe da influência política com que se penteia a prosa. Os arquivos dos jornais algarvios, vivos ou extintos, são um verdadeiro cemitério de pregões que deram em nada.

Agora que começa nova legislatura, era bom começar-se a registar o que os quatro deputados despachados para Lisboa com bilhete do PS (José Apolinário, António Eusébio, Jamila Madeira e Luís Graça) vão de facto fazer; o que os dois parlamentares do PSD (José Carlos Barros e Cristóvão Norte) terão a dizer; o que o estreante do BE (João Vasconcelos) dará como prova; o que o disciplinadíssimo deputado do PCP (Paulo Sá) perguntará e requererá; e o que a deputada da órbita do CDS (Teresa Caeiro) poderá explanar já que entrou na órbita do Algarve.

É claro que os deputados representam todo o País, e não os círculos por que são eleitos, mas o País não existe sem os círculos que elegem deputados. A estes não cabe representar os círculos mas sim e por inteiro intervir a bem dos círculos.

Carlos Albino
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Flagrante desabafo: Com o centralismo por aí em força, o Algarve não tem governabilidade, como numa feira de influências. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

SMS 636. O fim da Casa do Algarve não pode ser

15 outubro 2015

A notícia vinda a público dá conta de que a Casa do Algarve, com 85 anos, vai encerrar. E como uma das explicações para o caso, também se dá conta de que os autarcas algarvios viraram costas à instituição, e que, uns atrás de outros, os municípios foram deixando de pagar as quotas de associados coletivos. A isto juntou-se o divórcio dos algarvios residentes na capital, o desinteresse sistemático dos deputados eleitos pelo Algarve, a apatia dos estudantes algarvios e o alheamento da intelectualidade, sobretudo da que reclama profunda ligação à Província natal. Também, pelo que subiu ao noticiário quotidiano um tanto incorretamente, a própria AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) terá optado por não responder a um último apelo de sobrevivência, mas, ao que se sabe, a AMAL disponibiliza-se a receber uma delegação da Casa do Algarve para avaliação da situação.  Isto não invalida reparos a alguns autarcas algarvios que, perante a premência de uma representação cívica do Algarve na capital, confundem causas com efeitos.

Tem sido evidente a inanição da Casa do Algarve, o seu défice de atividade e a sua falta de presença no cenário vizinho do poder central, em contra-corrente com outras regiões do país cujas “casas” lobbies e pólos de influência acima das divergências políticas regionais. Outras regiões sabem e conseguem defender e identificar os respetivos denominadores comuns. Não vem para aqui estender o argumentário da validade e benefício da Casa do Algarve, cujo declínio começou com o despejo da sua sede tradicional no Chiado e com o fim do bom sonho de uma nova sede com residência estudantil em terreno cedido pela Câmara de Lisboa. Com o divórcio e alheamento descrito, com o envelhecimento e a lei da vida a fazerem minguar os sócios históricos, as atvidades da Casa, remetida para um esconso T-1 na Avenida de Ceuta, foram-se reduzindo a ações de benemerência cada vez mais difíceis de manter. As últimas direções da Casa do Algarve não poderiam fazer mais.

Sempre pensei que, em democracia, a Casa do Algarve entraria num novo ciclo de vitalidade e representação cívica, mas infelizmente assim não aconteceu. Quando deviam ser os primeiros a reconhecer essa valência da Casa, estou em crer que há autarcas que nem sequer a conhecem nem a querem conhecer, ou porque nem são do Algarve e fazem da política um mero desempenho profissional, ou porque sendo do Algarve se distraíram numa exagerada visão de quintal. Não os culpo porque são vítimas daquele erro crasso que a acontece quando a política captura a cidadania aberta e útil – aberta acima das divergências, salvaguardando a força da representação; útil, gerando influência em abono das grandes causas regionais que não são poucas nem de desprezar.

Peço ao dr. António Féu, por ora ainda presidente da Casa do Algarve, que envide todos os esforços para que a deliberação de encerramento tomada em assembleia-geral, possa ser revertida. Até porque, presumo, no Algarve ainda haverá Algarvios com sentido de responsabilidade, tenham cargos ou não, e, em Lisboa, Algarvios ainda haverá com responsabilidade de sentido e que não deixarão de abrir a porta ao tocar-se-lhes a campainha. O fim da Casa do Algarve não pode ser.

Carlos Albino
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Flagrante desemprego: Aí vem, sazonal, etc. e tal. 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

SMS 635Feitas as contas do 4 de outubro


8 outubro 2015

1 – A abstenção. O número de abstencionistas no Algarve não nos deixa em conforto, antes pelo contrário, esse número causa incómodo. O Algarve com 48.62% de abstenção global, muito acima da média nacional (43.07%), e com os maiores concelhos a rondar ou mesmo acima dos 50%, significa algo nos tempos que correm. Esse algo compete aos partidos decifrar, sobretudo os que descortinam pouco mais que o aparelho, os interesses e interessados no e do aparelho. Num desses concelhos, Albufeira, por exemplo, a abstenção atingiu 54.79%. Arrepia.

2 – Os resultados. Os partidos liderantes na região inverteram posições relativamente a 2011, mas de forma agora relativamente atenuada: o PS que, em 2011, obtivera 22,95%, subiu agora para 32,77% (4 deputados), e o PSD desceu dos seus 37.03% de 20011 para agora, em coligação com o CDS, se fixar nos 31.47% menos que isolado (o CDS em 2011 obtivera 12,71%. A osmose/endosmose destes partidos em coligação resultou num tombo, e só o casamento salvou a comunhão geral de bens e de adquiridos que fica nas mãos de 3 deputados. Depois, BE e PCP/PEV que, em 2011, ficaram quase ombro a ombro, também agora inverteram posições com o ombro do PCP descaído (de 8,57% para 7,19%) e o do BE bastante levantado (de 8,16% para 13,88%). Para isto, cada um dos eleitores terá a sua explicação desde o voto de castigo, ao voto de cansaço, ao voto de descrença, mas seja qual for a explicação é como que procurar uma agulha no palheiro, sendo que muita palha parecerá agulha.

3 – As conjecturas. De modo geral, se é lícito admitir que umas eleições autárquicas podem equivaler a uma avaliação do Governo central a meio mandato, também umas eleições legislativas a determinar novo governo, podem ser entendidas como avaliação das políticas locais ou autárquicas, neste momento a meios mandatos, não havendo, como se sabe, “política regional”. E analisando-se, no Algarve, os resultados de concelho a concelho deste 4 de outubro, cruzando-os com os resultados locais das legislativas de 2011 e os das autárquicas de 2013, da abstenção aos votos expressos, só quem não queira ver é que não encontrará motivos de reflexão. E no caso, aquele bicho que enterra a cabeça na areia, é o pior dos conselheiros. Partidos que obtiveram maiorias absolutas concelhias, sendo expectável que as mantivessem agora, mas as perderam, manda o bom senso que pensem a sério os seus futuros. E partidos que ganharam governanças locais identificadas com a linha maioritária no País, mas agora se viram ultrapassados por ventos contrários, também locais, manda a boa lógica que pensem a sério os seus passados. É que pior que enterrar a cabeça em areia, apesar de tudo firme se é molhada, é enterrar o corpo em areia movediça. Falo de política e de políticos. Falo dos que defendem a cidadania, a participação e a abertura à crítica de planos e projetos que implicam a sociedade ou as sociedades locais. Defendem isso, sim, mas apenas até à chegada ao poder. Depois esquecem-se, e tal esquecimento, num primeiro momento, vitima os seus próprios partidos, num segundo momento vitima os próprios esquecidos. Assim sendo, confiaria mais nas conclusões a extrair destas eleições de 4 de outubro, do que na força da propaganda futura, seja esta local em 2017, seja novamente geral, sabe Deus quando.

Carlos Albino
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Flagrante engano: Bastante gente, muita e alguma influente, por aí disse à boca cheia que não iria votar, que iria abster-se por isto ou por aquilo. Nada disso: não votaram porque não podiam votar – não estão inscritos nos cadernos eleitorais de onde residem e trabalham. Não são abstencionistas, são desenraizados por opção.

SMS 634. Faro 2027, é quase começar do zero


1 outubro 2015

Ninguém desejará que Faro não venha a ser designada Capital Europeia da Cultura, mas terá que ter a humildade de reconhecer que tem que partir do zero. É verdade que tem algum património de valia, tem em excelente museu (obrigado, Dr.ª Dália Paulo!), mas sem livrarias, sem grande teatro, sem vida cultural de referência, com uma população genericamente desmotivada para tais fins, sem jornais próprios, sem centros de rádio e televisão que não sejam meras estâncias, e, nestas circunstâncias, com uma tradição mais hegemónica que agregadora, além da extrema dificuldade económica e financeira que explicará as lassidões e os males mas não todos, Faro terá 12 anos para recuperar muito tempo perdido mas também tempo mal administrado ou administrado longe do horizonte cultural, que é o que está em questão. Mas, convenhamos, partir do zero, por vezes é melhor.

Segundo uma ordem prevista para cada ano até 2033, cabe a Portugal e à Letónia, apresentarem candidaturas para “Capitais da Cultura”, em 2027. Pelos procedimentos estabelecidos, os programas das cidades designadas para o mesmo ano deverão ter alguma relação entre si e a decisão final em muito dependerá de um júri composto por sete altas individualidades independentes, especializadas no setor cultural (duas designadas pelo Parlamento Europeu, duas pelo Conselho, duas pela Comissão e uma pelo Comité das Regiões). O júri elabora um relatório que transmite posteriormente à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu e ao Conselho.

Com dois anos de antecedência, Faro já divulgou que a sua candidatura que, como todas, deverá ter como base um projeto cultural de dimensão europeia e assente fundamentalmente na cooperação cultural, vai ser apresentada oficialmente daqui a dois anos (2017), devendo o resultado ser conhecido em 2019.

Pormenor importante, a União Europeia contribui financeiramente para a "Capital Europeia da Cultura". Até 2010, esse financiamento era de 1,5 milhões de euros por capital europeia, mas, desde então, passou a ser atribuído um prémio em vez de um subsídio. Este prémio, em honra de Melina Mercouri, é atribuído o mais tardar três meses antes do início da realização das iniciativas. Além disso, podem ainda subsidiar esta realização, os fundos estruturais (através dos acordos de parceria entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros) e os programas europeus como Erasmus+, Europa Criativa ou Europa para os Cidadãos. Este pormenor não é desprezível, desconhecendo-se, neste momento, se Faro tem concorrência nacional.

Só que, Faro, partindo do zero, tem que fazer muito até 2017, muito mais até 2019 e muitíssimo mais ainda até três meses antes de 2027, para ser deveras uma capital, além disso, europeia e, fórmula máxima, da cultura. E por mais acordos de parceria que surjam para obviar, não há cultura sem gente culta, como não a há deixando-se morrer à míngua a gente culta.

Voltaremos ao assunto.

Carlos Albino

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Flagrante inquérito: Quais seriam os resultados caso se perguntasse em Faro e arredores, que cidades são neste 2015 capitais europeias da cultura? Possivelmente só os deputados a serem eleiotos no dia 4, responderiam certo: Mons (Bélgica) e  Plzeň (República Checa).