quinta-feira, 29 de maio de 2014

SMS 566. Europeias absolutamente nada algarvias

29 maio 2014

Passaram as europeias, com os resultados já esperados: abstenção, designadamente abstenção dos estrangeiros recenseados no Algarve, os quais, aparentemente, se isentam por autodefesa das questiúnculas domésticas mas que em matéria europeia não têm motivos para se isentarem, sobretudo eleitores alemães e britânicos. Para além da abstenção, o chamado fenómeno Marinho Pinto que não é fenómeno – o ex-bastonário há muito que vinha a fazer campanha e foi o único que há muito fez a chamada campanha de proximidade, sem esperar por listas, mastigações partidárias, convites do líder ou obtenção de consenso e apoios de “sensibilidades”. Marinho Pinto começou há meses e meses pela calada, precisamente com uma cultura de proximidade (conferências, colóquios, intervenções nos intervalos), entrou pela calada (clamando contra o mal comum que é a corrupção contra a qual se afirmou como advogado do diabo) e ganhou obviamente votos pela calada. Nenhuma surpresa quanto a este fenómeno, numa campanha eleitoral sem proximidade entre candidatos e eleitores, com maior e comprovada evidência no caso do Algarve onde as europeias não foram absolutamente nada algarvias. E porquê? Por causa das estatísticas, e do malfadado raciocínio político analógico que das estatísticas decorre, que é um raciocínio típico da senilidade precoce, quer quanto a indivíduos, quer quanto a instituições, regimes e sistemas.

O Algarve que, por esse raciocínio senil, foi, como região, erradicado dos apoios da União Europeia por alegadamente entrar no patamar dos níveis ricos, foi também pelo mesmo raciocínio estatístico desconsiderado pelos partidos na elaboração das suas listas, feitas em função do número de eleitores, e não em função da expressão política e da importância estratégica de afirmação das forças concorrentes. Em nenhum partido o Algarve contou, nenhum algarvio foi colocado em lugar potencialmente elegível, pelo que o grosso das campanhas aconteceu a norte. Mas também, reconheça-se, também no Algarve não houve lá grandes protestos por causa disso, pelo que uma senilidade pagou a outra, acrescentando-se que a abstenção do Minho, de todos os Douros, de todas as Beiras e de tudo o que tem Tejo depois do advérbio, pouco tem a ver com a abstenção do Algarve.

Caso cada partido se tivesse apresentado ao eleitorado algarvio, com candidatos da região ou identificados com a região, o caso teria mudado de figura. Não estaria tanto em causa a questão doméstica do governo, ou mesmo a descrença nesta Europa reduzida a Bruxelas que diz mata (em português) e a Berlim que acrescenta esfola (naquele alemão que prescinde de tradução simultânea), mas estaria em causa a capacidade deste ou daquele em colocar o Algarve mais e melhor na possível agenda europeia. O que, reconheça-se também, pouco importará aos operadores que sem escrutínio dominam a região onde não vivem nem residem, mas onde agem e não raras vezes subjugam por via de pró-cônsules como no tempo dos romanos.

E então, ou se muda de critérios, e a política, quando há senilidade, sabe qual a terapêutica para o rejuvenescimento, ou para a próxima será pior. A não ser que o Algarve passe a votar em conjunto com a Andaluzia. Do mal, o menos.

Carlos Albino
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Flagrante aparição de relojoeiros: É que para além do relojoeiro José João dos Santos Guerreiro, em Loulé, e Saul Silva, em Tavira, em Loulé há mais: o relojoeiro Albano Carvalho dos Santos, o relojoeiro José Manuel Farrajota, e, tal como me disseram, também ainda o “senhor Geraldo” e o “senhor Zeca Duarte”, este, embora já retirado, o grande consultor reverenciado por todos em matéria de mecanismos do tempo. Dá para fazer uma escola profissional.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

SMS 565Os novos corsários

22 maio 2014

Nada, nada temos contra a internacionalização das escolas, nada contra a mobilidade dos alunos além-fronteiras, nada contra novas perspetivas num mundo cada vez mais aldeia. Antes pelo contrário, é disso que a humanidade precisa para se conhecer e para se entender sem discriminação de nacionalidades, cores de pele, línguas faladas. Mas já nos repugna que alguns se aproveitem disso para explorarem “nichos de mercado”, para irem “ao ataque” nas escolas dos países mais fracos a fim de “fornecerem” jovens transformados em produtos, aos países mais ricos. Os corsários fizeram isso com outros produtos, e pelos vistos, os corsários também evoluíram. Se os corsários britânicos roubaram de Faro, em 1596, os incunábulos da riquíssima Biblioteca do Bispado do Algarve, porque não hão-de roubar os novos incunábulos das escolas, que são os jovens transformados em produtos de mercado, pelos critérios do mercado e pelos interesses do mercado? Repetimos: não é a mobilidade dos alunos e a cooperação internacional das escolas que se põe em causa. O que se põe em causa é o “ataque” dos novos condes de Essex, a “abordagem” dos corsários, o “desembarque” ao serviço da rainha que já é o novo feminino de mercado. E neste feminino, está em causa o recrutamento de alunos portugueses do ensino secundário para as universidades britânicas, onde os candidatos britânicos não são suficientes.

Nesta semana, o Diário de Notícias levantou o problema a seco e na forma indolor de peça jornalística, dando conta também, indiretamente, da qualidade do empresariado português que nem com os corsários aprende quanto mais com os professores e escolas, nos seus apelos. Aí se diz que uma aluna de 19 anos, estudante de hotelaria em Birmingham, três dias após a chegada à Inglaterra já estava a trabalhar num restaurante, cumprindo semanalmente 13 aulas, e que no fim de Junho seguirá para os EUA para estágio remunerado. E esta é coisa que, por exemplo no Algarve não acontece, mesmo por parte da maioria dos “operadores” britânicos que fora da pátria não fazem o que na pátria é regra, para gáudio dos condes de Essex. Mas isto ainda se compreende, é da crise, da invocada crise que tanto dá para surgir como imaculada filha da corrupção, como depressa aparece como mãe protetora dos seres errantes que vitimou.

Aquilo que não se entende de um todo, é quando o desplante do corsário é colocado à proa. Disse o homem desta façanha, o seguinte, como que para pedir perdão pela abordagem: “Posso dizer que 50 alunos angolanos nos rendem mais do que 200 portugueses”. E com isto, está tudo dito por parte do conde de Essex.

E o mais grave é que por cá ficam os alunos postergados pelo conde, com o sentimento de vergonha de valerem tanto que nem um corsário lhes pega. Como é que o empresariado apátrida, já de si corsariante, lhes pode pegar, remunerando pelo menos os estágios, e atraindo para cá alunos britânicos tal como a Inglaterra atrai alunos portugueses?

Carlos Albino
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Flagrante deus em Tavira: Por via fiável, somos informados de que para além do relojoeiro José João dos Santos Guerreiro, em Loulé, outro há em Tavira: Saul Silva. Foi o filósofo britânico William Paley que usou a figura do relojoeiro como analogia para deduzir a existência de Deus. Com tais deuses em Loulé e em Tavira, já não é preciso ir a Serpa, para se acreditar na eternidade dos relógios de parede.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

SMS 564. Um relógio de parede

15 maio 2014

Aconteceu que um relógio de parede, ao cabo de 30 anos a pendular, parou. Pensava eu que numa cidade como Loulé, havia relojoeiros, não digo um em cada esquina, mas enfim, dois, três, até mesmo quatro que não seriam demais, com dois a dois trabalhando lado a lado. Fui a relojoarias, mas sem relojoeiros para “relógios de parede”, e numa delas lá me indicaram que só teria duas hipóteses para resolver a questão: uma hipótese, era a de tentar naquela tal casa, vinte metros antes de tais semáforos, mas sem certeza; outra hipótese, seria ir a Serpa, ao Museu do Relógio… E perguntei, então em Faro? Nada nem ninguém, responderam. E Olhão, Tavira, Portimão que seja? Nada, não há conhecimento, o homem de Boliqueime deixou o ofício, um outro morreu, aqueloutro ficou com a mão incapaz depois de um ataque, é dos tempos. Ora, gosto muito de Serpa mas ir lá por um relógio de parede, seria fraca homenagem ao bom vinho local e aos bons queijos. Portanto, a única esperança era de contar os vinte metros até aos semáforos. Contei os vintes metros, e de facto, junto a uma janela, lá estava alguém com aquela lupa atarraxada nos óculos, cercado de relógios perfeitamente alinhados como um exército em ordem unida na parada. Respirei fundo. Estaria ali o salvador do relógio de parede.

Foi assim que fiquei a conhecer o senhor José João dos Santos Guerreiro, o resistente e sobrevivente relojoeiro de toda uma cidade e arredores. Entreguei-lhe a peça. E ele, como cirurgião do tempo (um relojoeiro é isto), espreitou, encostou o ouvido para o diagnóstico rápido, e disse-me que, dado o trabalho que tem entre mãos, só daqui a quinze, vinte dias, poderia fazer a operação ao doente. Com toda a delicadeza de profissional de cuidados intensivos, pendurou o relógio vitoriano num prego ao lado de um outro relógio de capela em convalescença. Despedimo-nos, até daqui a quinze dias. Dispensada ficou uma viagem a Serpa.

Mas porque se chegou a isto em matéria de ofícios? Não é por falta de trabalho, nem por falta de gente para trabalhar e que queira trabalhar (deixem-se de patranhas), nem por falta de gente que, não sabendo um ofício, queira aprender algum que bata horas certas com as horas de alguma vocação escondida (deixem-se de patranhas). Chegou-se a isto porque se criou uma espécie de vergonha e até de desonra em torno dos chamados “ofícios tradicionais”, iniciando-se um círculo vicioso que ninguém ousa romper, a começar pelos responsáveis públicos que gerem a legião de desempregados que as universidades e escolas engrossam também já tradicionalmente, por via de cursos desligados da realidade social e que debitam “especialistas em coisas gerais” para setores de trabalho altamente saturados e, mais grave, para atividades supostamente modernas mas empresarialmente inexistentes. Os especialistas especializados com muita honra e prestígio acabam por limpar quartos e sanitas, por serem telefonistas em consultórios dentários, e é uma sorte, sem grande honra. Falamos por metáfora, para não irmos mais longe.

Exposto o problema (o de numa cidade e arredores não haver um relojoeiro a não ser o senhor José João dos Santos Guerreiro, a vinte metros dos semáforos), não nos compete indicar a solução, aqui. Mas noutro local, iremos contribuir para isso. Professor já ou ainda existe: a vinte metros dos semáforos. Pelo que verifiquei, é mesmo professor e não precisa de recorrer à Wiquipédia para operar um relógio.

Carlos Albino
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Flagrante correção: Há duas semanas, meti-me com a Mãe Soberana de Loulé, referindo que colocaram no andor uma filha de gesso, engendrada, esta sim, por puro paganismo, e não a mãe secular talhada em madeira de oliveira. Dizem-me que afinal que não era a filha mas a mãe restaurada em Faro e que no restauro ficou com a cara da filha. Assim se prova que tudo o que é restaurado em Faro fica com a cara da filha. As minhas desculpas à mãe, se o reparo que me fizeram for filialmente verdadeiro. Mas que há duas mães, uma das quais pagã, lá isso há. Não há paganismo que não seja filho da mãe.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

SMS 563. A Ex.ma Sr.ª D. Irracionalidade

8 maio 2014

TEM NOME, tem código postal, não é um ser virtual como aparentemente parece. Chama-se Irracionalidade e nem uma nem duas vezes mas muitas, deixou de entrar na História Portuguesa assumindo até a função de dona de casa. Sempre que ela conseguiu atingir em pleno o seu poder de matriarca, deixou sempre as marcas dos pés e das mãos nas escolas, nas empresas, nas autarquias, nas associações e, como a principal função para a qual foi adestrada desde pequenina é espreitar, a Irracionalidade também está plantada à esquina das ruas e conhece todas as travessas e becos, mesmo os que o GPS não regista. Além disso, para entrar na casa de cada um, ela não bate à porta nem precisa de chave. Entra sem que alguém dê por ela. E se não entra, mostra-se na televisão fazendo com que tudo e todos, por mais célebres que sejam e por mais inteligentes sejam reconhecidos, entrem racionais para o ecrã e dois segundos após se comportem como irmãos gémeos da D. Irracionalidade.

Esta senhora, é bom que se registe, tem na verdade um alvo escondido. Esse alvo é a Comunicação. Sempre que uma Sociedade revelar possuir alguma comunicação, uma rádio, um jornal, um megafone que seja, a D. Irracionalidade não descansa enquanto não acabar com esses instrumentos da Racionalidade, que é filha de outra família. Família por regra perseguida pela família da Irracionalidade. Primeiro começa por tentar controlar o jornal, a rádio ou mesmo o megafone. Depois, quer o controle quer não, provoca-lhe a asfixia, ou por considerara a sua inutilidade ou para acabar de vez com a ousadia da crítica, do relato fidedigno ou do simples dos factos. Para a D. Irracionalidade, tudo começa a ser sério apenas quando todas as vozes da Racionalidade ficam abafadas.

E tem uma estratégia. Começa pelas províncias. Algum dia chegará a Lisboa, ao Porto, ou, vá lá, a Coimbra dos doutores, pois a D. Irracionalidade gosta do fado, gosto que cultiva a par da invenção de milagres. Mas começa pelas províncias, com pequenos gestos indolores cujos efeitos não ultrapassam a comarca. Começou por exemplo no Algarve. Começou, quer dizer: está instalada. Até dizem por aí que tem alojamento reservado nos principais hotéis, que faz turismo de saúde em inúmeros departamentos camarários e que até organiza procissões. Dizem isso, mas a D. Irracionalidade vem logo a terreiro desmentir, dizendo que não, que isso não é da sua cultura, nem da sua educação, nem faz parte da sua saúde, nem para isso passou a ser eleita. Passe bem!

Carlos Albino
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Flagrante sismo: Na saúde, no ensino, na cultura, na economia, na agricultura, nas pescas, nos transportes, nas infra-estruturas e nas super-estruturas. E perante um sismo destes, a alternativa ou alternativas não oferecem segurança, até porque está longe de ter sido feito o rescaldo. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

SMS 562. Segregação por se ser “algarvio”

1 maio 2014

Julgava-se que estava definitivamente enterrado aquele velho ditado vigente a Norte e Centro-Norte do País segundo o qual “Algarvios, Marroquinos e cães de caça são todos da mesma raça”. Segundo as conveniências, os marroquinos eram substituídos por alentejanos, mas a coisa dava no mesmo. Esse ícone da cultura racista portuguesa (que também é cultura…) produziu efeitos, a tal ponto que não foram poucos os algarvios que, até muito recentemente se não hoje mesmo, tiveram ou têm vergonha de assumir a sua terra natal nos salões de Lisboa e nas escadas por onde sobem os candidatos ao poder, seja no Estado ou mesmo nos partidos e centros de influência. Digamos que, para muitos, assumir o Algarve como terra natal funciona como mancha curricular e como fator inibidor de progressão na carreira de influência pública. Assim foi no Estado Velhíssimo: o Regulamento de Disciplina Militar, já em plena vida republicana do Século XX, chegava ao ponto de estatuir que os mancebos algarvios apenas poderiam ser cozinheiros e corneteiros. Foi assim no Estado Novo: o algarvio, pelo seu espírito liberal de nascença, era tomado como elemento de exceção sediciosa a quem não se poderia outorgar confiança. E de certo modo continuou a ser assim no Estado Novíssimo em que começámos a viver, convencidos de que o preconceito racista e discriminatório iria desaparecer e seria enterrado na vala comum das coisas podres do Estado Novo e do Velhíssimo.

Mas nada disso! A coisa continua, embora camuflada, e nota-se muito bem o esforço de muitos que subiram degraus, em evitar dizer que são algarvios. Nota-se uma espécie de vergonha e até de medo em que isso funcione como nódoa curricular que nenhuma lavagem a seco limpará, sobretudo se a lavagem for encomendada a lavandaria do Norte ou às suas inúmeras delegações na Capital. A rede está bem montada.

E a coisa continua nas listas concorrentes ao poder onde o algarvio só pode ser cozinheiro, nas bancadas do poder onde o algarvio só pode ser corneteiro, chega aos concursos públicos onde o algarvio só pode ser marroquino, e chega às esplanadas dos cafés onde até os cães de caça não disfarçam um riso obediente à voz do dono, quando lhes cheira a algarvio. Pior ainda: a coisa já chegou ao próprio Algarve, à coisa pública do próprio Algarve onde já, por vezes, o ser da terra é uma contra-indicação. Assunto para continuar.

Carlos Albino
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Flagrante turismo religioso: A substituição da secular Mãe Soberana de Loulé no andor, por uma filha de gesso e com ar de mãe precoce que nem completou o 8.º ano de escolaridade, é não só o pior dos paganismos, como, a continuar esse embuste, dita o fim da festa.