quinta-feira, 30 de junho de 2011

SMS 417. Lá em cima e cá em baixo

30 jumho 2011

Lá em cima. Comecemos lá por cima. Não é que o Algarve tenha que ter alguém no governo, como se isso fosse direito próprio ou direito a uma quota, mas não ter continuadamente ninguém em qualquer governo é mau sinal, pior indício e confrangedora constatação. É um sinal mau da aceitação, credibilidade e capacidade da nossa estimada classe política – é como se não tivéssemos ninguém, portanto, ou como se a gente que temos ande só na praia. O indício é pior porque esse não-Algarve na área do poder central vem de longe, não é um ato premeditado deste XIX Governo – foi no XVIII, foi no XVII e a presença de José Apolináro na secretaria das Pescas foi o último fogacho, o último dos sinais de consolo para esta ou “aquela” gente lá do sul que, politicamente, já não é apenas sul, é sul do sul, lá dos confins, pelo que não contam. E a constatação é confrangedora porque é prova das duas uma: ou a prova de que o Algarve não tem quadros competentes e capazes de entrar num governo, já não se diz para um Ministério que imponha respeito ao FMI, à UE e aos mercados, mas ao menos para uma secretariazinha de Estado, para algum desses nichos que trate dessas reles coisas como, por exemplo, o Turismo; ou então, caso tenhamos quadros – possivelmente temos… - o seu aproveitamento poria o País a desconfiar de algum algarvio ousado ou simplesmente aceite na fechada comunidade ou elite do poder central, onde o peso de algumas regiões é evidente (neste e em anteriores governos, deixemo-nos de histórias), não disfarçando a existência de lobbies que atuam independentemente das organizações partidárias, dos resultados eleitorais e dos encantadores discursos da moda sobre a aproximação da política aos cidadãos.

Cá em baixo. Pois cá em baixo, depois de se ter enchido o balão do municipalismo de que muita gente se serviu para esvaziar qualquer veleidade de organização administrativa regional séria, completa e participativa como uma democracia participativa, completa e séria já deveria ter posto à disposição dos administrados, agora pretende-se picar o balão com agulhas. É claro que o municipalismo exacerbado inviabilizou na prática o balão que valeria a pena ter-se elevado – no Algarve, por exemplo, a Região Piloto, sem se tocar no mapa autárquico, mas tocando-se apenas nas competências que seriam transferidas para a Terra Comum ou para o Bem Comum do Algarve, como queiram. Mas não! Em nome não do bem comum mas do chamado interesse geral, encheram-se os 16 balõezinhos, cada um o melhor que os do fôlego podiam dentro das suas fronteiras, uns mais do que outros, aliás, uns tantos muito e uns poucos nada. E agora? Agora, por invocada pressão exterior, melhor dizendo, por manifestas condições impostas do exterior, depois do mal pretende-se fazer a caramunha, lançando populações contra populações, uns municípios comendo outros ou partes de outros para obviar às respetivas insolvências, insolvências esperadas porque o municipalismo fundamentalista e exacerbado haveria, algum dia, de redundar em insolvências. Haja bom senso. O caminho pode ser emendado.

Carlos Albino
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Flagrante Parabéns: A propósito dos 25 anos da sua ordenação, parabéns ao padre César Chantre que estima o conhecimento, acolhe a cultura, dialoga com os sinais do mundo, não rasga livros mas encaderna-os na crítica afável e fez das igrejas de três aldeias verdadeiras catedrais que crentes e descrentes espreitam em fraternidade espontânea – verdadeiro milagre. Ele que não leve a mal, mas é o primeiro santo do século XXI no Algarve.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

SMS 416. Governadores que nunca governaram

23 junho 2011

O problema foi e tem sido esse: governadores ou governadoras nunca governaram. Representaram, presidiram, informaram para cima, explicaram para baixo tanto quanto puderam ou souberam (por vezes nem isso sabiam), envolveram-se também por vezes nessa tarefa abstrata e inútil de “aproximar o cidadão e a Administração”, emitiram pareceres quando pareceres lhes fossem solicitados, e, a parte mais visível, festiva e por certo apetecível, elaboraram os cadastros das associações desportivas, recreativas e culturais para efeitos de gestão dos subsídios e financiamentos que foram atribuindo no âmbito do distrito. E tem sido esta a vida dessas figuras nomeadas e exoneradas pelo Governo, em Conselho de Ministros, por proposta do Ministro da Administração Interna, de quem dependeram hierárquica e organicamente. Têm sido, portanto, os cônsules desse ministro sem poderem levantar cabelo, pelo que não será difícil admitir que os governadores civis não governaram, e que, dada a natureza humana, alguns governaram-se.

No caso do Algarve, esta estrutura do governo civil que não governa, apresenta-se com três dirigentes e 24 postos de trabalho nos serviços (1 técnico superior, 2 técnicos de informática, um coordenador técnico, 16 assistentes técnicos e 4 assistentes operacionais). Claro que, descontado o trabalho protocolar dos dirigentes, desde os passaportes e às autorizações de peditórios de rua, por entre mais, até à instrução de processos de contraordenações todos os da estrutura têm muito que fazer e alguém no futuro terá que fazer isso, se não forem os mesmos a fazê-lo deslocados para outro lado, mas a questão de fundo é esta: o governador não governa, nunca governou e o título é uma falácia, não se escondendo que vem da noite do passado uma espécie de temor reverencial, de medo até ou uma ideia de autoridade implacável que o nome de governador civil infunde na mente de quem se deixa infundir, claro.

Falácia que a própria Constituição reconhece, ao julgar que mata a questão dos distritos sem assumir a questão das Regiões e aqui é que está o busílis. Em três penadas, diz a Constituição que – primeira penada -  “enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido”; que – segunda penada – “haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios”, e que – terceira penada – “compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito”

Ora o novo primeiro-ministro ao anunciar que não irá nomear novos governadores civis como primeiro sinal do “exemplo de rigor e de contenção” do Estado, anunciou pouco, porque não foi ao essencial além de que não poderia ir ao essencial. Ele não pode acabar com os distritos apenas porque anuncia que não vai nomear novos governadores, sugerindo, pois, que os que existem renunciem, abandonem os cargos. Teria sido preferível anunciar que iria nomear como governadores civis provisórios os presidentes das organizações autárquicas regionais, caso aceitem e onde aceitem, com outras soluções transitórias mas sempre possíveis, na atual moldura constitucional, onde essa aceitação não se opere de forma natural e legítima, porque legitimada ela é. Foi, para já, um erro de calendário a coincidir com uma precipitação de agenda política. Nenhuma ave põe ovo no vazio.

Carlos Albino
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Flagrante terramoto: No PS. Vai levar muito tempo porque ninguém se preparou nem ninguém foi preparado. E quando assim é, confia-se num milagre, num pastorinho vidente. Quem sabe?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

SMS 415. Definições e indefinições

16 junho 2011

Afinal o que ficou definido?

A nível nacional, ficou definido o governo e o parlamento. Como isto irá ser, mais ou menos, já estava definido e não por braço no ar ou voto nas urnas – teve que ser, e neste teve que ser a grande lição segundo a qual para nada serve a vaidade, a sobranceria, o auto-convencimento e o não querer escutar ninguém, mesmo os que estejam próximos.

A nível regional, aí, as indefinições começam: o governo civil que nos últimos anos pouco mais tem sido que uma mordomia a dar ar oficial ao jardim da doca de Faro, acaba ou continua nisso, dando vez a quê de Região e passando a quem da Região? As direções e delegações que por aí andam, algumas apenas no corrupio de despacho para Lisboa, outras com dinheiro apenas para pagar aos funcionários mas sem grande utilidade nem sequer a de intermediário credível, ou mesmo visivelmente para nada a não ser para penacho do titular, isso continua com este mapa, vai para engordar Évora, dar o ar da sua graça a Beja ou ser integrar-se em quê de Região e ficando em que mãos da Região? E o turismo? Vão os proventos captados no Algarve continuar a financiar direta ou indiretamente o que não tem nada a ver com a Região, nem sequer diretamente o País mas outras regiões e entidades de outras regiões que mais não fazem que denegrir o Algarve sem que podem, competir com o Algarve como se tivesse que haver competição entre quem financia e quem é financiado? E como vão ser estes deputados que o Algarve elegeu, aparentemente  que são 5 da coligação (4 do PSD, mais um da paralaxe do CDS) e 4 aparentemente da oposição descoligada entre si, além da descoligação dentro de cada partido (2 do PS, a do PCP e 1 do BE) mas que não será difícil perceber que dos 9, uma pequena maioria que não quantificar para que a constatação de curriculum não se transforme ou seja entendida como ofensa, tem o coração no corpo e a cabeça na alma?

Belos tempos aí vêm.

Carlos Albino
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Flagrante mapa: Sempre quero ver o que vai acontecer se mexerem no mapa com o melhor dos concelhos a ir para baixo e o pior das freguesias a vir ao de cima…É que uma coisa é o mapa geo-político, outra o mapa mental.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

SMS 414. A fábula ensina que…

9 junho 2011

Toda a fábula, porque é fábula, deixa uma lição e procedem mal os que, com os resultados destas eleições no Algarve, se isentam das responsabilidades pelo remate da história contada. Uma fábula eleitoral não é coisa acontecida há séculos e com personagens de terras longínquas – é feita por eleitos ou derrotados e por eleitores inscritos acabem estes por ser os votantes que contam, os que entram em branco e brancos saem, os que se divertem como nulos que são ou mesmo os abstencionistas que decidam ser filhos de ninguém.  Todos, sem exclusão, fazem intervenção na fábula e no seu remate. Os algarvios sabiam que, feitas as contas finais, haveriam de ser eleitos 9 deputados por entre as listas de 13 partidos. E aí os temos, quer uns, da fábula, dêem razão a Henri Bergson quando este avisava que "escolher é excluir", outros prefiram aliviar-se com a lamúria de Platão segundo a qual “Deus não é culpado, pois a culpa é de quem escolhe", quer outros ainda da mesma fábula andem pelos cantos a repetir satiricamente as desculpas de mau pagador inventadas pelo velho boémio francês Mathurin Régnier cuja regra era a de que “quem muito quer escolher, fica com o pior", mesmo que nenhum saiba quem foi Bergson, Platão e, para mais, Régnier…

No palpite aqui deixado a 21 de abril (apontamento 408), não se errou quando se garantia que seriam eleitos 4 deputados para o PSD, 2 para o PS, 1 para o CDS (beneficiando dos tais erros de paralaxe), 1 para o BE e 1 para o PCP. Assim foi. E não foi apenas a correnteza nacional que levou os 200 mil votantes (pousos mais) a contribuir para tais resultados – em parte sim, em parte não. Como não foi também a mesma correnteza nacional a levar que 160 mil tivessem ficado em casa considerando que o momento não lhes dizia respeito. Alguma coisa de grave está a ocorrer no sistema democrático, melhor dito, nos partidos – em todos os partidos -  para que quase metade dos eleitores deitem assim o seu papel no momento mais solene e decisivo da democracia para a reciclagem. O clientelismo, o carreirismo, as jogadas do submundo do pequeno poder e sobretudo aquela corrupção omissiva que lava a cara todos os dias de manhã (a outra, a suja, a que jamais se lava, essa não engana a ninguém e nota-se à distância pelo cheiro) explicam em grande parte a desmotivação, o desinteresse, a lassidão e explicam sobremaneira que gente generosa não exercite a generosidade que tem e revele profunda descrença. Mas estes 160 mil ficaram em casa e, ficando em casa, não incomodaram ninguém, como pouco incomodaram os cerca de 8 mil que votaram em branco ou anularam o voto. Os que incomodaram foram os tais 200 mil ao provocarem na Região um verdadeiro abanão político. E sem dúvida, em democracia, tal incómodo é um bom incómodo, um saudável incómodo desde que tanto os incomodados como os que incomodaram saibam extrair a moral da fábula e aprendam com ela. Outra coisa não se espera.

Nenhum partido que ganhou mais (o PSD e o PCP) “roubou” deputados ao outro – em democracia não há roubos, pois escolher é excluir, e contra isto batatas. E qualquer dos partidos que “manteve” (o CDS e o BE) com mais triz menos triz, não pode cantar do alto, porquanto não se esqueçam que podem estar meramente a beneficiar da evidência de quem muito quer escolher, fica com o pior.  Finalmente, meu caro Miguel Freitas, Deus não é culpado, pois a culpa é de quem escolhe. E com isto se pretende dizer que Mendes Bota fica com uma enorme responsabilidade, perante os que votaram e perante os que ficaram em casa – 160 mil abstencionistas é muita gente e tal número só não atemorizaria se Deus tivesse culpa. Pensem nisto.

Carlos Albino
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Flagrante lição: Ao que erra, perdoa-se uma vez, mas não três. É como diz o provérbio.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

SMS 413. Os interesses do Algarve

2 junho 2011

Sempre que há eleições, quando chega a hora de prestar contas ou de prometer mundos e fundos na mira de novo contrato de representação, os “interesses do Algarve” são elevados a categoria de causa e mal de quem não pugne por tais interesses, mesmo que os não especifique. Mas afinal o que são ou quais são em concreto os interesses do Algarve que sejam assim tão diferentes dos interesses do País? Caso sejam interesses deveras do Algarve, a sua consideração deveria ser transversal a todos os partidos e cada força política organizada na região deveria apresentar, antes de mais, a sua formulação própria dos problemas que tais interesses suscitam, e, depois, a solução que também autonomamente preconizam, propondo ao eleitorado a escolha dos representantes (eram oito, passam a ser agora nove) que defendam tais interesses e se comprometam a não os deixar cair em cesto roto. Numa democracia madura, sadia e que funcione, será assim. Caso a democracia não funcione, a representação acaba por se transformar num equívoco perigoso ou até mesmo num exercício inútil e desencorajante.

À falta de reflexão consolidada e em tempo, ou por efeito da rotina espúria que transforma a representação em emprego político, prémio por bons serviços ou direito adquirido por carreira, os interesses do Algarve são alinhados à última hora em função de carências gerais mais ou menos evidentes, mais ou menos sentidas, mais ou menos localizadas. E isso, quando a definição do que sejam tais interesses não fica ao arbítrio de cada líder circunstancial, da sua capacidade imaginativa ou da sua verve interventora. Naturalmente que o elenco de carências, da saúde aos transportes, da educação à agricultura, de alguma indústria às pescas, por aí fora de setor em setor, será coisa que se prende mais com o bem comum do Algarve e este bem comum em pouco diferirá do bem comum do País – o elenco de carências não é suficiente, e está longe de poder recortar aquilo que se poderá considerar como interesses do Algarve, interesses tais que sejam sentidos por todos os algarvios e só por estes. Por hipótese, por esta ordem de ideias, até de pode admitir que na verdade o Algarve não tenha interesses, um único interesse que seja – tenha apenas carências, carência de um porto de pesca, de uma barra, de mais uns quilómetros de ferrovia decente, enfim, de uma lâmpada na esquina à saída de Portimão ou um centro de congressos no Cachopo. Pois carências sempre haverá.

Só que ao longo do tempo, bem ou mal definido, parece que tem havido um interesse claro e inequívoco: o interesse na regionalização, o interesse num modelo de administração autónoma e participada diretamente pelos administrados, e que, paradoxalmente custe menos ao Estado, ao mesmo tempo que se apresente como alavanca para mais riqueza – riqueza geral da região e obviamente riqueza para o Estado. Esta não é uma carência, é um interesse. Pode haver mais interesses, mas esse é sem dúvida um interesse bem identificado.

È óbvio que o Algarve não precisará de eleger turistas, mas também ficará mal servido se eleger representantes que mais não sejam do que agentes de exceção sediciosa contra os seus interesses, contra o seu interesse, tapando o sol com a peneira das carências.

Carlos Albino
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Flagrante Aleixo: Porque será que nós temos/ na frente, aos montes, aos molhos,/ tantas coisas que não vemos/ nem mesmo perto dos olhos?