quinta-feira, 30 de março de 2017

SMS 709. O Algarve que não gostaríamos de ver no mapa


30 março 2017

Foi divulgado e está mais ou menos conhecido o relatório sobre 2016 da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), organização que dispõe de cinco gabinetes de atendimento no Algarve - Tavira, Faro, Loulé, Albufeira e Portimão -, na sequência de parcerias com os municípios.

Pelos dados revelados pela APAV, obtidos apenas no seu âmbito, deu para grandes títulos, a constatação de que, todos os dias em Portugal, 14 mulheres, 2 idosos, 2 crianças e 2 homens foram vítimas de crime, com fortíssima incidência na violência doméstica: dos 12.450 casos assinalados em 2016 pela organização, 9.347 pessoas foram vítimas de crime, e de entre estas mais de 80% eram do sexo feminino.

Também foi divulgado e está conhecido que das cerca de 93% de vítimas de nacionalidade europeia (92% portuguesas), a maioria residia nos distritos de Lisboa, Porto, Algarve e Setúbal (52,3%). Não gostaríamos de ver o Algarve neste mapa, mas está e pelos piores motivos. Na tabela ordenada, o Algarve, apesar da sua relativamente fraca expressão demográfica, surge nesse aviltante terceiro lugar, com 841 crimes registados (9% do total do país), logo depois de Lisboa (2.229 casos, 23,8%) e do Porto (1.172, 12,5%). O Algarve fica colocado nessa tabela negra, acima do distrito de Setúbal que engloba o vultuoso leque das cidades da margem sul do Tejo (651 casos, 7% do total), e do não menos expressivo distrito de Coimbra (408 casos, 4,4%). E, num exemplo comparável com o número de residentes do Algarve, surge, já a bastante distância, o distrito de Braga com 312 casos ou 3,3% do total.

Não é uma boa notícia saber-se que o Algarve ocupa esse lugar nada honroso no mapa da violência doméstica.

A colocação do Algarve em terceiro lugar neste ranking trágico, é assustador e naturalmente que obriga a pensar, ranking que resultou apenas do número de crimes reportados e registados pela APAV, porque há mais e só cada um ou, no caso, cada uma de boca calada, como tudo leva a crer, sabe o que a sua casa gasta.

O que fazer? Prevenção, mais prevenção. Atacar as causas do problema – emprego precário e desemprego, défice de educação, restrição ao mínimo dos conceitos de solidariedade social e de cultura. E mais comunicação, pronta informação que provoque o constante alerta social e retire aos autores do flagelo o seu reconfortante anonimato social. E, sobretudo, também atendimento mais alargado, mais rápido e proporcionado em circunstâncias mais discretas, sabendo-se que os crimes de violência doméstica, pela sua natureza, pelas características dos autores e pelo medo das vítimas, são em grande e desconhecida parte omitidos, abafados, não comunicados ou adiados pelo rastilho de pólvora da chantagem.

Tiremos o Algarve desse mapa. Julgamos que este é um assunto que não deve comprometer em parcerias apenas cinco municípios, mas todos os 16 municípios algarvios e a sua associação, evidentemente. Com firmeza, porque os números incendiários da violência doméstica já são mais graves do que um incêndio florestal, e só dão vergonha à região.

Carlos Albino
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Flagrante bom começo: O novo presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve, Paulo Morgado, reconheceu que o modelo do Centro Hospitalar do Algarve não funcionou, que reforçar o curso de Medicina da UALG é estratégico para o Algarve, e que o novo modelo de gestão hospitalar que o Governo prepara e ele próprio assume é o único caminho» para colocar o Serviço Nacional de Saúde algarvio nos trilhos. Se isto não for mais um expediente para adiar o Hospital Central até às calendas de março, é um bom começo e que Deus o ouça nos trilhos!

quinta-feira, 23 de março de 2017

SMS 708. Sobre isso de que só falar, faz estremecer

Destruição em Vila do Bispo em 1969
23 março 2017

Sismos, exatamente. Jornais e televisões falam disso, por exemplo, quando não têm notícias disponíveis de emoção forte. E, de vez em quando, por aí se fazem uns “exercícios” envolvendo escolas ou cidadãos voluntários, quando ocorre a efeméride de uma catástrofe, como foi a do ano de 1755. E também se legisla e se regulamenta, é verdade. O Estado português tem sido sensível a este tema, muito embora prestando mais atenção a medidas reactivas e não tanto a medidas preventivas, como seria desejável.

Olhando para as construções implantadas nas últimas décadas, sobretudo no litoral algarvio e muito em particular nas áreas de falhas sísmicas, ou onde a sismicidade histórica se tem manifestado de forma violenta ao longo dos séculos, fica-se sem saber se a única solução é a de que “Deus nos ajude”. Fica-se sem saber se as decisões políticas no que toca a gestão e ordenamento do território e as regras de reabilitação do que se encontra edificado, continuam a ignorar ou a desvalorizar a probabilidade de ocorrência de um sismo, ou de um tsunami. Fica-se mesmo a desconfiar que continuamos a assistir à construção de edifícios, equipamentos e infra-estruturas em zonas de elevado e comprovado risco sísmico sem as adequadas técnicas construtivas para a redução dos riscos. Os dias passam, as coisas acontecem quando estamos distraídos, e o que de pior pode acontecer, não escolhe linhas limítrofes de concelhos – toca a todos.

Além de um quadro legislativo e regulamentar que, levado à letra e com responsabilidade, já teria provocado muito derrube e uma enormíssima correção, há também um número apreciável de avisos e advertências feitas com rigor, provenientes de universidades e de departamentos responsáveis, que tornam imperioso muito mais do que ensinar a crianças e a seniores medidas de autoprotecção sobre como agir antes, durante e depois do Deus nos ajude. Pode custar dizer as palavras mas são as únicas que se adequam ao caso – avaliação e fiscalização.

E qual 1755! Quem não sabe, entre tantos outros sismos conhecidos desde os anos 33 e 80 antes de Cristo, que o violento sismo de 1 de janeiro do ano 309 gerou um maremoto, provocando o desaparecimento de ilhas próximas do Cabo de S. Vicente, imagine-se o resto? Quem pode desconhecer o sismo de novembro de 1587 ocorrido na falha de Loulé, causando muitas mortes e elevados danos materiais, mais que em 1755 aí? E o sismo de 27 de dezembro de 1722, com epicentro também em Loulé, terra que então ficou quase totalmente destruída? E, mais proximamente, o que ocorreu em 12 de janeiro de 1856, igualmente com origem provável na falha de Loulé? O de 28 de fevereiro de 1969, já assim coisa ligeira face aos que aconteceram em 1587 e em 1722, está na memória de muitos que ainda podem contar.

Lembramos isto não para concitar temor, mas para se fazer apelo à prevenção e à correção do que foi manifestamente mal feito e mal feito está, sobretudo feito em altura e em áreas altamente sensíveis.

Carlos Albino
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Flagrante operação: Chama-se produto ao resultado da multiplicação do populismo pela manha. E a ordem dos fatores não altera o resultado da operação, chamando-se a isto comutatividade. E mal andamos quando a comutatividade é sinónimo de política. 

quinta-feira, 16 de março de 2017

SMS 707. RTP, sem R, sem T e com um bocado de P


16 março 2017

O título deste apontamento não é brincadeira. A RTP é hoje a soma de muito passado, bastante mal passado e algum bem passado. A rádio que, sob outras siglas, nasceu e cresceu como meio de propaganda do Estado e hoje se assume de “serviço público”, vai nos seus 82 anos (emissões regulares começadas em 1 de agosto de 1935); a televisão, também nascida nos lençóis da ditadura e hoje igualmente com a profissão de “serviço público” no bilhete de identidade, acaba de fazer a festa dos 60 anos (emissões regulares iniciadas em 7 de março de 1957); e no que a RTP pode parecer mais jovem, o online, pouco lhe falta para terminar a adolescência - 17 anos. O tempo voa, as siglas ficam. Quem faz o que as siglas significam, dentro dos estúdios ou à frente do computador, pode não perguntar por distração das rotinas, mas quem ouve e vê, em algum momento interroga, até pela obrigatoriedade da taxa de radiodifusão constante na fatura: que Rádio é este R? Que Televisão é este T? E que P é este de Portuguesa?

No Algarve, enquanto não houver uma Rádio regional de serviço público, não é R; enquanto não houver estúdios com centro emissor na região e da região, não se pode falar em T; e quanto ao P de Portuguesa, enquanto Lisboa ou Porto com respetivos arredores garantirem que chove quando no Algarve faz sol, não havendo nada mais deste mesmo Algarve a constar nos noticiários a não ser crime de monta, desastre chocante ou acontecimento exótico emocionante, então o P pode ser tudo menos a letra inicial do adjetivo Portuguesa. Ou seja, não há razões para se festejar no Algarve, 82 anos de rádio, 60 de televisão e 17 de online, além de não se poder nem dever exigir às estações privadas que façam o que ao serviço público compete e deve fazer. Mais: em vez de no Algarve se registarem avanços, houve desastrosos recuos.

Pior que fazer furos para o petróleo, pior que os grandes operadores económicos e financeiros da região não terem aqui pé mas apenas mãos, pior que as burocracias locais umas, desconcentradas ou descentralizadas outras, prosseguirem o seu trabalho de bichos carpinteiros comendo as tábuas de salvação, e até pior que os exercícios autistas da política local e regional com que alguns chamam o populismo como quem chama pelas aves, sem se importarem se tais aves são pombas ou abutres, pior que tudo isso, é termos no Algarve uma sociedade sem comunicação, e, por isso, sem informação cujo teor tenha uma relação direta, atempada e constante com o que está à vista, entra pelos ouvidos e se precisa no dia a dia. Em todos os campos: saúde, ensino, política, economia, empresas, cultura, ciência, instituições, identidade…

Não é pedir esmolas, invocando o serviço público sem que seja em vão, o pedir-se uma Rádio Algarve, uma Televisão Algarve, ou mesmo, já que vem no lanço de rede, uma costela da Agência Noticiosa, mesmo que seja costela falsa. Pedir isso é tão-somente ter direito a algum retorno, modesto retorno relativamente ao que o Algarve dá e gera. Em tudo, houve recuo, não houve avanço.

E isto, quanto a comunicação, está tão mau que quem devia formular, pedir, propor, exigir até se for o caso, não o faz, pensando que o press-release, a comunicação institucional, as ações pontuais de animação pagas por quem pode, o boletim e a agenda com a “minha” fotografia, o marketing calculado, ou quatro linhas no boletim oficial dos desastres, crimes & ofícios correlativos, resolvem o mais grave problema do Algarve que é um problema de comunicação.

Carlos Albino
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Flagrante provincianismo: Os folhetos em inglês e garrafalmente só em inglês que a maioria percebe, nem os ingleses. Apenas os franceses entendem com o Google Tradutor...

quinta-feira, 9 de março de 2017

SMS 706. Qualifica, sim, mas com rigor e seriedade


9 março 2017

Está anunciado o programa Qualifica, sucedâneo das interrompidas Novas Oportunidades. Afiança do governo que o novo programa contempla a qualificação com obrigatoriedade de encaminhamento para formação certificada, ajustada às necessidades de cada formando. Para tanto, afirma-se que passa a existir uma lógica de complementaridade entre reconhecimento, validação e certificação de competências. Mais se diz que o programa pretende garantir que até 2020 metade da população ativa do país conclua o ensino secundário, que se visa alcançar uma taxa de 15% na participação de adultos em atividades de aprendizagem ao longo da vida, alargada para 25% em 2025, e que, até final de 2017, o governo pretende ver instalados no continente cerca de 300 centros Qualifica - atualmente, existem 261 centros, 30 dos quais criados em 2016, devendo ser aberto concurso para mais 42, ainda em 2017, em função das necessidades locais e regionais de qualificação. Podem inscrever-se neste programa todos os adultos que não disponham de qualificação de nível básico, secundário ou mesmo profissional, bem como os jovens que tenham abandonado a escola e não se encontrem a trabalhar ou a estudar. É mais um ciclópico trabalho.

Impõe-se perguntar: Quem forma? Quais os fatores de multiplicação de ciência, cultura e conhecimento que localmente ou regionalmente estão disponíveis com qualidade suficiente? Quem vai reconhecer, quem vai validar e quem vai certificar competências? As respostas a estas perguntas apenas serão aceitáveis se contiverem, em todos os casos, duas palavras: seriedade e rigor. E aqui está um também ciclópico imbróglio.

Num país e em regiões onde, a pretexto da educação e do ensino, se registou uma desenfreada corrida ao canudo pelo canudo, sobretudo no nível superior de onde deveriam emanar os tais fatores de multiplicação de conhecimento, ciência e cultura, o que está à vista e se verifica nos guichés da administração pública, não dá um panorama reconfortante. Antes pelo contrário, o panorama é desencorajador, independentemente das estatísticas. Obtido o canudo que permite ascensão e salto hierárquico, rapidamente muitos, muitos dos que beneficiam dos programas de qualificação, esquecem-se da aprendizagem ao longo da vida, porque para esses, a aprendizagem também rapidamente passa a episódio do passado. Obtido o canudo, já sabem tudo, dispensam aprender mais alguma coisa, e, pior, é quando passam a ensinar o que sabem mal e até o que não sabem. Acontece isto quando o facilitismo campeia, quando se confunde conhecimento e saber com almejados exercícios de poder, e quando se faz depender a competência exclusivamente do canudo.

É claro que a exigência de seriedade e rigor começa em cada um, seja este formador ou formando. Sem essa exigência assumida, cada um pode ganhar ou julgar que ganha, mas é a sociedade que perde. Nas áreas técnicas, a vida encarrega-se de fazer a triagem entre competentes e incompetentes; nas áreas verbalistas, que são as dominantes, corre-se o risco de a ignorância ser certificada como sabedoria e conhecimento. E já estamos, a sociedade já está a pagar o preço de muito facilitismo validado, e o custo certificado da falta de rigor e seriedade.

Carlos Albino
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Flagrante coragem: Contra a exploração de feldspatos, Rui André, presidente de Monchique, além de solicitar uma audiência com o primeiro-ministro António Costa para expor a situação, garante que “se for preciso, ponho-me à frente das máquinas!”. É mais um episódio em que todos os presidentes de câmaras do Algarve e da AMAL, no caso, não deviam deixar Rui André sozinho.

quinta-feira, 2 de março de 2017

SMS 705. O Papa Francisco

2 março 2017

Acabados que estão os carnavais, conhecidos os Óscares, já mais ou menos feitas as listas para as autárquicas, e sabendo-se que problemas e escândalos nacionais entram na rota tradicional do empate nebuloso, parece que há uma aberta para se reconhecer, neste mundo, uma autoridade moral de que tanto está carenciado: o Papa Francisco. Uma das suas últimas afirmações que abanou muitas consciências, foi precisamente a de que “mais vale ser ateu do que católico hipócrita”. Naturalmente que junto daqueles católicos que pensam não haver católicos hipócritas, apenas porque julgam que o ser-se católico é uma vacina contra a hipocrisia, a frase do Papa caiu mal. Mas porque a mesma frase inversa, também é válida para os ateus, porquanto não se pode deixar de admitir que “mais vale ser católico do que ateu hipócrita”, essa frase também caiu mal junto de alguns ateus e mesmo agnósticos que pensam que o seu agnosticismo e o seu ateísmo são idênticas vacinas contra a trapalhice ou que os tornam imunes na subversão ou perversão dos valores do humanismo. Independentemente do somatório de uns com outros, o certo é que o Papa fez acordar católicos, ateus e agnósticos com a consciência de que o cultivo dos valores que viabilizam a Humanidade para o progresso em paz e para a paz em progresso, na busca do consenso e na pauta da tolerância, que tal cultivo se torna impossível com a hipocrisia e na hipocrisia.

Não é preciso dar muitas voltas para se definir hipocrisia, os dicionários, nisso, são unânimes: é o fingir sentimentos, crenças e virtudes, que na realidade não se possui. O termo começou, do latim e do grego, a significar a representação dos atores que, em teatro, usavam máscaras de acordo com o papel que representavam numa peça, e, hoje, em todas as línguas, para os atores com que nos cruzamos no dia-a-dia e que muitas vezes o influenciam e determinam, continua a ser isso: o hipócrita é alguém que oculta a realidade através de uma máscara de aparência, finge comportamentos, falseia possuir boas qualidades para ocultar defeitos de carácter e de personalidade, e por isso o hipócrita é conhecido como uma pessoa dissimulada. O hipócrita invoca valores que não segue, e, usando a máscara, engana e julga nunca se enganar.

Que me recorde, assim a falar tão claro, apenas notei a voz de João XXIII que por isso entrou na reduzida galeria das autoridades morais do mundo. Agora, temos nessa mesma galeria, com coragem redobrada, o Papa Francisco. Crentes e não-crentes mas que estejam alinhados na defesa de um Humanismo que tenha o fio condutor da tolerância, do consenso, da procura da verdade sem concessões para o livre arbítrio, para a discriminação e para o enriquecimento sem justa causa, todos esses que rejeitam usar máscaras nas relações humanas em todos os campos – da Política à Cultura, da Economia e Finanças à Ciência, todos esses que, juntos, são muito mais que os hipócritas, estão naturalmente com o Papa Francisco, e reconhecem a sua autoridade moral ao abdicar das vestes de príncipe.

Sabe-se que, nesse exercício de abdicação das vestes douradas, o Papa Francisco gosta das periferias, de se deslocar às periferias, de sentir de perto as periferias sem máscaras. Sendo o Algarve periferia do País, periferia da Península e vizinho da periferia norte-africana, seria sonhar alto pensar que o Papa Francisco, algum dia, venha ao Algarve. Mas, se pensar, venha que será bem-vindo e será recebido sem hipocrisia. Duvido que esta SMS lá chegue, mas ninguém se incomodará que divulgue.

Carlos Albino
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Flagrante drone: Lembrou-se, e bem, a Universidade do Algarve de colocar um drone a voar pelo Campus de Gambelas, para mostrar como a tecnologia já pode estar ao serviço da agricultura, num “Dia Aberto” da UALG, que atraiu dois milhares de jovens. Isto pede 365 Dias Abertos e não apenas um.