quinta-feira, 25 de abril de 2013

SMS 510. Alcatrão


25 abril 2013

Já andam por aí de porta em porta ou através de folhetos, a prometer às populações e até a garantir estradas, caminhos asfaltados, manilhas, obra. Como se fosse possível prometer e garantir betão e alcatrão quando a fome bate à porta, o desemprego atinge níveis insustentáveis, o desamparo é galopante, as obras sociais, algumas modelares e produto da pura generosidade e desinteresse, já fazem das tripas coração para não fecharem portas e quando nas escolas, algumas também modelares, se recua em décadas nos objetivos igualitários.  Muitas dessas promessas são feitas ou as garantias são dadas por gente que não se apercebe que ou já se transformou em cacique ou que para isso tende, porque se disso tem consciência, o caso é mais grave. Um cacique, por definição, entende que o mandato que possui ou que pretende é como que coisa da sua propriedade privada, recorrendo a todos os expedientes para o conservar ou para o conquistar. Talvez não saibam mas trata-se uma cultura de ditadura e não de democracia o fazer promessas sabendo-se de antemão que não podem ser cumpridas e o dar garantias quando se sabe que não há condições, nem haverá tão próximo, para se poder executar o que só Deus sabe.

É claro que as terras, da cidade à aldeia, têm que seguir adiante apesar da crise. Mas isso apenas será possível com gente no comando que seja sabedora, proba, abnegada e que, sobretudo, tenha comprovada consciência do interesse público e dos meios que, com realismo e verdade, dispõe. Nas mãos de espertalhões e de oportunistas nenhuma sociedade se protege das ondas de choque da crise, e dos desatinos ou aventureirismos dos que elegerem.

Não há lei possível nem decreto que possa, por inteiro, impedir que cada cidadão tenha a oportunidade de construir o próprio destino e o destino da sociedade onde está inserido, sem interferências indevidas. A lei de limitação de mandatos, de alguma forma, visou e visa acautelar abusos causados pelo poder quando se transforma em rotina e, aí está, quando o mandatado para esse poder, por mera distração ou gozo de exercício, é levado a pensar que o mandato é sua propriedade privada. Mas nem tudo pode ou deve ser evitado por lei. Depende apenas do olho aberto do cidadão. E, em matéria de promessas de alcatrão e betão,  é preciso ter os dois olhos abertos, em momentos em que a pobreza envergonhada, a miséria social já à mostra e as falências de empresas moram em todas as ruas e nos cercam.

Carlos Albino
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 Flagrante evidência: A Associação 25 de Abril  pediu para os partidos expulsarem militantes que estejam envolvidos em crimes de corrupção. É óbvio, como óbvio seria não os admitirem.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

SMS 509. Esse desejo de ditadura

18 abril 2013

Dia a dia, somos confrontados por desabafos que velada ou abertamente têm, como traço comum, o desejo de ditadura. No fundo, os que desabafam, querem que alguma coisa ponha cobro a isto. E esse “isto”, regra geral, significa os atropelos à moralidade pública e a moralidade política como questão essencial. Na verdade, ao longo de anos, temos assistido a lamentáveis demonstrações do desprezo que representantes e decisores eleitos têm pelo decoro, pelas próprias normas de conduta e pela opinião pública. De vez em quando, há uma réstia de esperança mas rapidamente esbatida por malabarismos verbais, por incongruências e lentidão da justiça, por incumprimento ostensivo de promessas juradas na mira do voto, pelo artifício de encontrar culpados quando os erros são próprios, repetindo na política e na vida pública portuguesa a fábula do lobo e do cordeiro, com o lobo, no apuramento das culpas, a concluir que "se não foste tu foi o teu pai" e estrangulou o borrego. É claro que, amiúde, daqui e dali, nos dizem que o desafio é não esmorecer,

Como já prescrevia Montesquieu no século XVIII, “não se constrói uma sociedade baseada na virtude dos homens, e sim na solidez das instituições”. Nunca é demais lembrar que o fortalecimento das instituições depende – acima de tudo – de uma população bem educada, bem informada por meios de comunicação responsáveis e empenhada na manutenção da liberdade, de democracia e da justiça. Sem isto, as ideias nostálgicas propagam-se como os vírus, sobretudo quando se está no epicentro da crise e quando, quer decisores quer representantes julgam a agem como se os seus mandatos fossem propriedade privada, abusando dos efeitos daquilo que é a maior conquista de uma democracia – o direito de votar que nenhuma ditadura, por definição, aceita e tolera. Daí a responsabilidade dos eleitores numa democracia. Mas não basta essa responsabilidade, é preciso que as instituições, tal como leite na fervura, venham acima e não se revelem estragadas pois não é a virtude dos homens que as ocupam que evita estarem atalhadas.

Diz uma máxima de Goethe, o genial poeta alemão, que “o melhor governo é aquele que nos ensina a governarmos a nós mesmos”. Estamos longe disso e, de certa maneira, foi a sociedade portuguesa que, na implantação da democracia, ensinou a si própria a não esperar salvação pelas mãos do Estado e deu lições ao governo, tal como possivelmente está a dar, atónita, perante a sucessão de escândalos, aguardando apenas o momento oportuno de responder caso o governo não perceba que a sua presença forte deve ser sentida na garantia de oportunidades iguais para todos na educação, na saúde, na segurança pública, bem como na fiscalização do jogo económico e na aplicação das leis. A receita é tão rara quanto antiga. Está retratada de modo admirável num fresco pintado na cidade italiana de Siena, no século XV, por Ambrogio Lorenzetti: “Os Efeitos do Bom e do Mau Governo na Cidade e no Campo”. Tais efeitos, no Algarve, notam-se.

Carlos Albino
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     Flagrante flamenco andaluz: Esse pedido a Passos Coelho para abolir portagens a espanhóis nos fins de semana. Os portais eletrónicos identificam espanhóis?

quinta-feira, 11 de abril de 2013

SMS 508. Boliqueime, esse símbolo…

11 abril 2013

Pelas razões que são por demais conhecidas, Boliqueime transformou-se numa terra de citação incontornável, tomada para o bem e para o mal como um lugar de exceção. Mas vale a pena lembrar o que diz Onésimo Teotónio de Almeida a propósito da representação dos lugares. Escreveu o professor da Brown University que nunca somos um lugar à parte, na sua oportuna expressão de que todo o universal tem o seu chão

Falemos do chão de Boliqueime com simplicidade. Trata-se de uma freguesia de cerca de 5.000 residentes (uns 1.300 reformados, 1.900 desempregados, 2.000 sem atividade económica) e 3.900 eleitores, que a democracia surpreendeu em pleno regime feudal, uma população que à data da Revolução se mantinha ainda muito analfabeta, presa do mundo agrícola em estado arcaico, mas que soube adaptar-se e aproveitar o que o estado lhe deu e a iniciativa própria de que os seus habitantes foram capazes. Assim, para além de se ter convertido, em conformidade com os ditames centrais e europeus, a uma zona de vivência rural adaptada ao turismo de sinecura, confiada na rotina de um ou dois pólos de indústria (pedreiras e cimentos em brutal queda), desenvolvido efemeramente algum comércio, e mantido bolsas de resistência na agricultura, Boliqueime tem-se modernizado em termos sociais acompanhando a evolução da região. Uma população estrangeira residente perto do mar, mas não em cima do mar, uma população local bem mobilizada, que trabalha nas cidades e à noite recolhe a casa....

Mas o equilíbrio que até aqui se tem mantido, enquanto zona residencial, ameaça ruir sob os olhos de quem aqui vive. Já não se fala da questão da segurança que colocou casas e casas de pessoas estrangeiras à venda, fala-se do perigo em que irão ficar as instituições que sustentam a sociedade, se de facto os cortes que se anunciam vierem a verificar-se. Boliqueime que tinha uma estação ferroviária que era o ponto de escoamento dos produtos da terra, enfim, tem uma Escola Básica que é o coração da terra. Mas até esta escola já foi afetada pela integração num mega agrupamento que ameaça transformar-se num giga agrupamento, perdendo o seu diretor e com isso perdendo, inexplicável e irracionalmente, a sua autonomia. O que mais irá acontecer, não se sabe. O que irá acontecer à Misericórdia que sustenta o Lar para Idosos? O que irá acontecer ao modelar Centro Comunitário de Vale Silves? O que irá acontecer ao Centro de Saúde? A manutenção do Parque Desportivo? Os apoios diminuem, o desemprego e a pobreza aumentam dia após dia, como se sabe. E se assim for, voltar-se-á ao tempo dos armazéns dependentes do casino do figo e da empreita, ao tempo da caridade da Igreja como no tempo de Salazar?

Estas questões dão que pensar. Boliqueime hoje em dia é um lugar de referência simbólica, para o bem e para o mal. Mas a fragilidade da sua estrutura bem que pode transformar-se de um caso raro, como muitos lhe têm chamado, num caso de fragilidade simbólica à escala do país, sobretudo do país rural, estagnado na sua base antiga de sobrevivência, e desapossado agora dos bens de sustentação que até agora o têm mantido como exemplo de conversão e resiliência. Ou, controvertendo o aforismo de Onésimo Teotónio de Almeida, o chão estremece ao ritmo do que lhe é nacional. Ora entre a consciência do estado para que caminhamos e uma estratégia de sobrevivência, nos dias que correm, é preciso ter os olhos na realidade, é preciso olhar para o chão.

Carlos Albino
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Flagrante laxismo: O Algarve está a perder eventos de referência atrás de eventos, deslocados para outras bandas. E não há resposta porque não há quem responda, possa responder e tenha força para responder.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

SMS 507. Sua Excelência o Residente da República

4 abril 2013


Há uns meses atrás, aqui neste mesmo espaço, sem querer fazer trocadilho, levantei a questão de que o tempo se encarregaria de demonstrar se Cavaco Silva, eminente estadista português, filho do Algarve, iria passar à história, nesta sua última fase, como um Presidente da República honorável ou um simples residente do palácio Cor de Rosa. Ora, Infelizmente, à medida que os dias passam e o País mergulha numa crise que parece incontrolável, o Presidente da República mostra-se incapaz de garantir aos portugueses que o papel de um presidente, no actual regime, é uma figura indispensável. Pelo contrário, para desgosto tanto dos seus apoiantes quanto dos seus detractores, a sua figura tornou-se, desde há uns bons meses, clamorosamente dispensável. O seu isolamento em face do país, das suas urgências, conveniências e aflições, tornou-se clamoroso. É triste mesmo que até os menos críticos comecem apreciações sobre os procedimentos do actual presidente, dizendo que não querem ser demasiado cruéis. E assim, Cavaco Silva, dia após dia, desgasta gravemente, a sua imagem pública. Isto é, não serve como deveria o país que jurou servir e ao qual se ofereceu como seu garante de unidade máxima.

Ninguém o constata com felicidade, e talvez valha a pena lembrar que a ideia de que o chefe de um estado representa um povo, e que perante ele responde, é tão antiga quanto a ideia de estado. Esse conceito, na antiga Grécia está na base da concepção da Tragédia Grega, século V antes de Cristo, e vem até aos nossos dias. O texto admirável de Milan Kundera que é "A Insustentável Leveza do Ser", escrito nos anos oitenta, fala exactamente do aspecto decisivo da representação. Nessas páginas, o escritor checo demonstra como a fragilidade e a anomia dos chefes derramam a sua ineficácia e a sua omissão em cadeia, desde o topo até à base de uma sociedade, quer  ela seja ditatorial quer seja livre.

Assim, quando um Presidente da República é grande, generoso, aberto e magnânimo, é toda a sociedade que se eleva. Eleva-se a ele mesmo, eleva as instituições do regime, o partido de onde provém, aqueles que o elegeram, os que não o elegeram, a sua família política, e eleva a sua cidade, a sua província, ou a aldeia que o viu nascer. Mas se assim não é, se um presidente se apouca, foge, não passa de um estratega escondido, de quem se sabe traços da vida privada, mas não se conhece grandeza na vida pública, é o partido de onde provém que se diminui, e diminui a sociedade, as instituições, a sua família política, e a sua terra. Escrevo esta crónica, precisamente, na terra que viu nascer Cavaco Silva e como tal o tem reconhecido. Escrevo com muita pena.

A minha pergunta, escrevendo para este 4 de abril, é esta -  Será que os dias de amanhã conseguirão dar-nos já, nem digo uma boa notícia, mas uma qualquer notícia que nos honre?  Uma notícia que eleve a Residência à categoria de uma necessária Presidência da República? Ou será que um homem nascido na nossa terra, oriundo como nós, dos nossos montes agrestes, se quer tornar num monarca espanhol, presente nas caçadas, mas indiferente aos milhões que, cada dia, perdem o direito ao pão?

Carlos Albino
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Flagrante instituição: Faz o Jornal do Algarve 56 anos. Que dure enquanto o Guadiana, o Arade e o Gilão durarem como rios, porque mal ficará o Algarve se secarem.