quinta-feira, 31 de março de 2011

SMS 406. Lamentável espetáculo

31 março 2011

Obviamente que o caso da presidência do turismo é um caso político. Não vale a pena assobiar para o lado. Por uma questão política ou de arranjo político, António Pina foi levado a interromper o desempenho como governador civil, transitando para o turismo que era, por assim dizer, uma prateleira dourada e aparentemente local para não provocar incómodos. Acabou por não ser assim, resultando neste lamentável espetáculo. E é lamentável não porque António Pina tenha reentrado e o outro ex-vice saído, ou porque a assembleia do turismo tenha acreditado que era uma assembleia deliberativa e que o turismo era uma “entidade” da região, ou porque o ministro Teixeira dos Santos, que veio ajudar à festa, se tenha esquecido que é mais ilegal um militar no ativo ser governador civil por conveniência do que um aposentado desempenhar funções públicas sem a inconveniência da boa remuneração – o caso é lamentável porque deu azo a mais uma cena de judicialização da política.

A incapacidade do sistema político em resolver os seus conflitos internos pelos mecanismos habituais, ou seja pela vontade consolidada e formulada no quadro dos partidos ou pelas práticas democráticas das instituições, ficou exposta com a transferência para os tribunais e com as denúncias cruzadas dos adversários. Transfere-se para o tribunal como se um caso político fosse mero caso de formalidade, de procedimento administrativo ou de direito ferido! E o que se espera por regra com esse tipo de iniciativa? Espera-se obviamente a exposição judicial do adversário, e que, qualquer que seja o desenlace, ele seja enfraquecido ou mesmo liquidado politicamente. É isso e não vale a pena disfarçar, porquanto a questão de fundo, pelo que toda a gente já percebeu mas alguns disfarçam, é a de se saber se o presidente do turismo algarvio deva ser ou não um comissário governamental, acrítico e obediente à linha, a troco da função e do salário de prestígio social que ela traduz tanto que força ao apego do poder.

Tratando-se de um dos postos decisórios mais emblemáticos da região, a judicialização do diferendo político no turismo é deveras lamentável, e se a democracia fosse pessoa, ela seria com isso uma pessoa humilhada, como já o tem sido nos arranjos para o governo civil, para os “lugares elegíveis” das listas de deputados, para... cala-te boca e ponto final parágrafo, porque a “sociedade civil” do Algarve também gosta muito do ponto final parágrafo, pois, se não gostasse, o caso do turismo nem sequer tinha começado: a ordem democrática tem uma ordem, e há gente fora da ordem que já está a brincar demais aos jogos infantis de poder.

Carlos Albino
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    Flagrante epílogo de história infantil: E foi assim, meus meninos, que o príncipe decidiu não fazer a sua lua-de-mel no Algarve para não tomar partido...

quinta-feira, 24 de março de 2011

SMS 405. Obrigado

24 março 2011

Chegou a hora dos agradecimentos a todos os ilustres democratas por dá cá aquela palha:

  1. Obrigado, porque acreditámos que iriam concretizar ou pelo menos abrir caminho para a regionalização, e nada, nada fizeram por isso, antes pelo contrário, liquidaram as amostras, aumentando as mordomias e mantendo as anomalias.
  2. Obrigado, porque acreditámos no vosso discernido planeamento casado com os ecologistas do mesmo género quanto a uma auto-estrada mais a sul para proteger 17 caracóis e 16 consultadorias dissimuladas, e além disso para a região ficar supostamente com uma solução substitutiva da 125, e vê-se como se ficou com um completo enxerto a sul e outro inominável enxerto para caracóis e consultadorias.
  3. Obrigado, porque a segurança é um facto: a GNR atende as vítimas a tal ponto que as vítimas nem querem incomodar mais, a PSP é luxo citadino aqui e além, e todos sabemos que os tráficos de droga e de seres humanos (clandestinos, mendicidade, prostituição) desapareceram do nosso mapa.
  4. Obrigado, porque temos, até que enfim, não apenas um ou aquele tal e único prometido, mas vários hospitais centrais.
  5. Obrigado, porque temos o tal turismo sustentável, integrado, dinamizador da economia e da capacidade produtiva regional, que nem vale a pena explicar mais, porque arrumamos os quartos, alugamos umas camitas paralelas, vendemos uma peças de artesanato da China e uns lenços com chaminés estampadas, e já é muito para uma população que está sem tempo para jogar golfe com os buracos nos paraísos fiscais.
  6. Obrigado, é claro, por, à exceção de um ou dois deputados que mexem, mal se dar conta de que temos deputados, e quando se dá conta, é para a contemplação do estuário do Arade, a descoberta de que a cortiça nasceu anteontem em São Brás, ou para crónicas que, mutatis mutandis, podem ser lidas em Malmö, no condado de Borsod-Abaúj-Zemplén ou em Gijón, mudando o que deve ser mudado...
  7. Obrigado, porque houve de facto muito evento agenciado e agendado mas quanto a estruturas culturais, práticas rotinadas e coisas que fiquem – pouco ou nada, e o pouco tem sido à custa de autarquias que podem ter visão ou de associações e grupos que fazem das tripas coração. Obrigado, por tanto evento.
Há mais uns 85 obrigados a endereçar aos ilustres democratas, mas sete a sete é quantidade bastante...

Carlos Albino
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    Flagrante obrigado final: Ao ministro António Mendonça que explica tudo bem e dialoga ainda melhor. A si próprio e consigo próprio. Que desapontamento.

quinta-feira, 17 de março de 2011

SMS 404. E se houver eleições?

17 março 2011

Com o significado da manifestação em Faro, sabendo-se o que se sabe do interior de cada partido (situação quantitativa e qualitativa, capacidade de mobilização, níveis de liderança e de ideias) e com mais umas achegas daqui e dali (convocação contra as portagens, mais proximamente), é óbvio que o prognóstico para o Algarve entra pelos olhos, caso sejam convocadas eleições antecipadas. Sobretudo a manifestação de Faro foi um sinal muito forte e uma advertência clara sobre a situação incomportável a que o Algarve chegou, a tal região que pelos critérios europeus acriticamente acolhidos é já de uma riqueza tanta que não tem direito a nada, a nenhuma compensação, a nenhuma exceção, a nenhuma consideração. E se houver eleições antecipadas, o castigo pelo voto a quem dele beneficiou ascendendo ao poder, deverá ser inevitável e talvez sem precedentes nestas breves décadas de democracia. Os sinais que têm vindo a ser dados dão conta de que as pessoas estão fartas dos que fazem das funções ou cargos elegíveis meras peças de profissionalismo político, calculista, frio e seguindo o estilo do jogador de poker, as pessoas estão fartas dos que fazem dos cargos públicos a que ascendem por nomeação, exercícios de mordomia dada como virtude não justificada, e finalmente as pessoas estão fartas de chorar às escondidas, de sofrer envergonhadamente, de engolir em seco a hipocrisia e as palavras enganosas dos melíferos distribuidores de promessas, como fartas estão do fundamentalismo islâmico em que se converteram os centros de emprego no numerador com os déspotas oportunistas das empresas de ocasião no denominador. Para não se falar na corrupção, na insegurança, na saúde que fique afetada acima da constipação.

Creio que haverá partidos que já deviam ter feito uma revolução dentro de si próprios e que, se não a fizeram até este momento, é já tarde para evitarem o pior, se houver eleições. Há cinco, sete ou mesmo dez anos, com duas ou três larachas bem montadas e com um ou dois artistas de alto gabarito, a paisagem regional era dominada satisfatoriamente e caso não fosse, a culpa era do artista convidado. No Algarve de 2011, nada disso – já ninguém vai em larachas.

Carlos Albino
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    Flagrante objetivo de algo em algo: É óbvio que a Via do Infante é a única via transversal do Algarve. Não tem alternativa. E os que assim pensam não são propriamente uma meia-dúzia de insatisfeitos, como alguns dizem só para Lisboa ouvir, na mira de algo em algo.

quinta-feira, 10 de março de 2011

SMS 403. Carnaval, modelo esgotado

10 março 2011

Muitos assim pensam, mas nem todos dizem em voz alta que o modelo destes carnavais está esgotado. Como se fosse um país tropical, desfilam nestes três dias umas raparigas contratadas com umbigo à mostra, anel no umbigo e uma pétalas a tapar o bico dos seios, a desafiar frio de rachar, em cima de carros alegóricos que estão longe do que seja alegoria, sendo apenas ingénuos resultados de raciocínios analógicos, ainda assim a civilizar manifestações de barbárie recalcada a que se chama alegria e brincadeira mas que é, de modo geral, alegria triste e brincadeira sem sentido.

Dá pena ver essas raparigas dos trópicos, com sorriso forçado e, sem dúvida à espera do cheque – não têm nada a ver com a terra, seja esta lá do Norte ou cá do Sul. Até nas terras, como no caso de Loulé, onde o carnaval já foi verdadeiro teatro de rua espontâneo, colocando-se em corso, o que, por certo durante séculos se fazia de forma dispersa e com excessos, os três dias deixaram de ser de mascarinhas, de festa cruzada, de crítica e representação cénica popular numa apoteose de flores de papel, música de bandas e grupos, para dar lugar a um impossível Rio de Janeiro sob nuvens de inverno que é estação de quando o sol é uma sorte. E assim se apagou uma tradição de séculos e se foi diluindo o pouco que o corso dela ainda foi conservando. A agravar, o êxito aparente dos desfiles tropicais mas grotescos embora iluminados por efémeras estrelas de telenovela de fatela pagas a peso de ouro apenas para que alguma televisão também efemeramente ajude ao prestígio falso de três dias, foram sendo imitados por todos os lados, perdendo-se em muitos casos a noção da saloice atroz e com cada carnaval assim estar a matar o outro e todos em conjunto acabarem por matar o que devia ser festa, divertimento e manifestação de alegria coletiva que deixou de ser – ficam os retratos e vídeos das criancinhas que mal percebem o porquê dos trajos ao lado de adultos sorumbáticos e com fatos de ir à missa.

Digo já que esta crítica não tem nada a ver com moralismos, muito menos com os resultados de bilheteira que são escassos e não dão para cobrir o que a casa gasta – até defendo que o carnaval seja o momento de oportuno para desafio da falsa moral e dos falsos moralistas. É apenas para dizer com franqueza que o modelo deste “carnaval global” e que ou é igual em todo o lado ou não passa de imitação amacacada, está esgotado e caso queiram que o carnaval continue, algum esforço tem que ser feito para ir às origens e adaptá-las ou inseri-las na modernidade. Isso é trabalho para equipa onde esteja o antropólogo cultural, o homem de teatro e, claro está, um animador cultural encartado ou a sério e não mascarado. Não é show que se encomende a uma agência de shows. E numa região de turismo como é o Algarve, pelos carnavais que por aí houve, é caso para se adaptar com as devidas consequências aquele dito segundo o qual em casa de ferreiro, espeto de pau.

Carlos Albino
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    Flagrante constatação: O bem precioso que é o Pátio de Letras, em Faro – pelo ambiente, pelas iniciativas, pelo ar que se respira e pela constatação de que os milagres são feitos com coisas simples e na simplicidade mas, e aqui está o mas, com insinuante inteligência.

quinta-feira, 3 de março de 2011

SMS 402. De novo a região-piloto...

3 março 2011

Não é difícil perceber que, neste momento de afogadilho, a regionalização não se afigura como coisa prioritária aos olhos do cidadão comum. A discussão dura há 35 anos e já deu para verificar que a regionalização é bandeira agitada quando se almeja tomar conta das rédeas do poder central mas que rapidamente a mesma bandeira é colocada a meia haste, ou mesmo dobrada no armário dos símbolos a evitar, quando esse poder central fica nas mãos. Além disso, para o quadro ficar melhor pintado, aqueles mesmos que, por via de ténue descentralização ou de mera desconcentração de pequenos poderes deveriam ter provado as vantagens da administração de proximidade e nesse sentido exercido pedagogia, antes pelo contrário, arvoraram-se em chefes de esquadra desmedidos, ridículos e ciosos das mordomias que usufruíram com ares de ministros de segunda, ou mesmo até em alguns casos lamentáveis por aí começaram a desfilar como títeres locais de novo tipo e com seu chicote provinciano próprio de telenovela importada do nordeste, desacreditando pouco a pouco a bondade da regionalização e colocando-a na categoria mental dos conceitos que são de temer. Em todo o caso, a regionalização é assunto que por aí está a ser retomado com a sugestão de se ir devagar, devagarinho, e de se começar o processo com uma ou duas regiões-piloto, com a do Algarve naturalmente à cabeça. A vingar a ideia, volta-se assim à estaca zero e, diga-se de passagem, voltar à estaca zero 35 anos depois, já é um grande avanço... Mas duvido que a ideia ganhe o necessário consenso – as mordomias ficariam reduzidas a metade e isso pesa, aliás, é o que tem pesado desde há 35 anos.

Carlos Albino
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     Flagrante lógica: Pelo que se sabe, obviamente que António Pina deveria regressar à chamada Entidade Regional de Turismo do Algarve...