quinta-feira, 30 de outubro de 2014

SMS 587. Identidade do Algarve


30 outubro 2014

Não é difícil concluir que a identidade do Algarve é o segredo mais mal guardado da Europa… A questão da identidade coloca-se a várias escalas e níveis, e por assim dizer, se o Algarve tinha outrora um já obsoleto Bilhete de Identidade, está hoje longe de possuir o moderno Cartão de Cidadão. Falo por metáfora, claro. O Algarve foi invocadamente, por séculos, um Reino, mas sem instituições de reino - mero título de monarcas e mera legenda de mapas. Por isso mesmo, tal título nunca até hoje teve sequenciação desde a República de 1910. Foi sendo Província, Distrito e até, por exagero e falta de pudor, Região, mas como província nunca foi institucionalmente provincial (esteve sempre num dos últimos degraus do provincianismo português), como distrito esteve sempre adstrito ao poder central de Lisboa (o chamado governo civil foi sempre um bispado laico com sacristia política primeiro no partido único da Ditadura, depois, em Democracia, no partido dominante), e como Região não passou, nem passa da geografia e mesmo esta, no que toca a “identidade geográfica” já está em crise. Muito do Algarve já é comandado em Sines e em Évora. A Região Piloto nunca se concretizou, ou por falta de pilotos com roda do leme para a Região (o que tem sido um facto), ou por excesso de pilotos cada um com seu leme mas sem navio (o que levou a veleidade da região ao absurdo).

Claro que depois de tudo isto, há alguma coisa. Há uma RTA que é mera secção, sem alma, sem asa, sem poder e quase sempre sem saber; há uma CCDR que é mera extensão autocrática e burocrática que representa o que não pode representar autarquicamente falando; há uma AMAL, que apesar das suas asas autárquicas, não decola, como dizem os brasileiros; há direções regionais cuja direção é Lisboa e sujo sentido é concretizar Lisboa lá nas alturas e distribuir migalhas aos provincianos de boa vontade. E pouco mais haverá, para além da Federação Regional dos Bombeiros. Perdão, há ainda o Círculo Eleitoral do Algarve, mas como o Estatuto dos Deputados estipula logo no N.º 1 que “Os Deputados representam todo o País, e não os círculos por que são eleitos”, cada um dos deputados até pode nada fazer ou fazer tudo menos pela província, pelo distrito e pela região, que ninguém lhes pode tocar. Alguns deputados são como o Duque de Loulé: não nasceram na terra, nunca foram à terra, nunca se interessaram pela terra e até combateram a vontade da terra. Outros, nada mais podem fazer do que fazer perguntas, o que já é notícia por si só.

Perante o facto, que não é metáfora, dos eleitores darem a resposta que podem dar com a abstenção e o desinteresse pela causa pública, agora, a identidade do Algarve, tal como as restantes identidades do país, assistem à revoada da “aproximação dos políticos aos eleitores”, da “cidadania participativa” e da “defesa das pessoas”. O sentido de sobrevivência dos que, sejamos claros, traíram a identidade em benefício de carreiras pessoais, leva-os a isso.  Não sei se será tarde ou se ainda vem a tempo. Os otimistas dizem que sim. Só que já lá vai um ano sobre últimas autárquicas, e, aqui e ali, vamos verificando cada vez mais que a aproximação aos eleitores, ou é meramente virtual e através de expedientes, ou , pior, que ela só existe até ao momento da conquista do poder.

E é assim que, tudo o que não é autárquico mas falsamente regional, ou, sinónimo, destruidor da identidade algarvia e centralista, centralizador e provinciano (o poder central é a coisa mais provinciana de Portugal), vai tendo asas para voar.

Carlos Albino
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Flagrantes doutores: Segundo parece, em cada canto de emprego público, há um doutor ou uma doutora. Seria de fazer um inquérito sobre quantos sabem escrever uma carta a preceito, redigir um e-mail nas mínimas normas da civilidade, falar ao telefone pelo menos com o antigo nível do português da IV Classe. Já ouvi um que em vez de “sinto-me dedraudado” disse com inteira segurança académica: “sinto-me desfraldado”… 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

SMS 586. Lamentação às portas da matriz da terra natal


23 outubro 2014

Na hora em que percas a crença, senta-te.
Senta-te à hora em que ninguém circula e te veja,
Senta-te nos degraus de uma igreja qualquer
Onde nenhum deus durma, nenhuma voz te minta,
E não chores por ti, chora pela cidade que te viu nascer
Chora até ao fim, mas não digas uma palavra que seja,
Pois quando crês que a palavra sustenta-te,
É a descrença que fala por ti  e não tu a dá-la por extinta.

Quieto, fica aí nesses degraus que foram talhados
Por crença e embuste, que são os degraus onde
Um país sentado talhou e talha o seu desengano.
Chora, que a tua terra natal é também a tua terra mortal.
Mas esquece o segundo, a hora, o dia, o mês e o ano
A que a tua inteira crença perdida corresponde,
Para que jamais te lembres quantos anos foram passados
Desde o momento da crença pura e inicial.

E quando sentado nesses degraus sentires falta
De alguém que passe, mesmo que não seja ninguém,
Alguém que te bata no ombro, e seja apenas o vento,
Ou espelho em que a imagem da descrença é a crença,
Então, a primeira palavra que te nascer do pensamento
Terá as sílabas e o som que o teu choro contém,
Que o choro é sempre a primeira palavra que assalta
Quem nasce crente e morre descrente, por secreta sentença.

Na Matriz de Loulé, 21 outubro 2014 (02:10)
Carlos Albino
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Flagrante ignorância de luxo: Um importante hotel implantado no litoral louletano, diz no seu site oficial e em várias línguas, que a gastronomia da zona “ veio dos povos Visigodo e Romano que se estabeleceram neste local de Vilamoura, deixando traços inconfundíveis de distintas civilizações”… Essa dos visigodos não deixa traços – deixa indigestão, para não falar de consequências piores. Se a ignorância tivesse estrelas, esta teria oito.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

SMS 585Primárias para Deputados e Presidentes de câmaras


16 outubro 2014

Toda a gente, de uma maneira ou doutra, fala da “crise da democracia”. E se é verdade que uns sabem bem qual é o problema e o que é que a põe em crise, outros dissimulam o que é que está em causa, falam no vago em reforma sem indicarem a reforma de quê, por certo na expetativa de virar o disco e tocar a mesma música. Falando claro, uma democracia entra em crise quando o acesso à representatividade dos eleitores em pouco ou nada difere dos procedimentos de um regime autoritário, e quando a eleição mais não é do que uma mera formalidade de legitimação de gente nomeada e, no fundo, previamente imposta. Entra em crise, quando os candidatos ao poder são pré-determinados por pequenos grupos auto-organizados, os quais tendo capturado os partidos confinando-os a si mesmos, estão longe de representarem as grandes áreas alargadas do eleitorado. Portanto, na prática, nomeiam os futuros eleitos, independentemente da qualidade, da honestidade e das provas dadas. Se as circunstâncias propiciam a chamada sorte eleitoral, os nomeados ganham a sorte grande. Quando a democracia entra em crise, o que é preciso é ganhar, não se olhando ao comportamento do eleitorado que, cada vez mais descrente, dá a resposta que pode dar: a abstenção galopante, o desligamento crescente pela Causa Pública, a indiferença, o tanto faz que seja este ou aquele.

Recentemente, o Partido Socialista teve a coragem de quebrar a onda em que já ia distraído no seu longo surf do poder, surf esse que, entre nós, já é modalidade olímpica. Começou e concretizou esse quebrar de onda, submetendo a escolha do seu próximo candidato a primeiro-ministro aos declarados simpatizantes da sua área eleitoral, não o deixando refém do reduzido esquema de sócios. A resposta foi imensa, deixando patente aqui e ali, o contraste entre a ár
ea eleitoral e o esquema fechado do sínodo partidário, com seus bispos regionais e monsenhores locais. O Partido Socialista abriu-se e já obrigou os outros partidos a repensarem procedimentos, todos eles a não poderem já esconder o que significa isso de “crise da democracia”. As primárias funcionaram, sabe-se hoje como essa consulta é possível e como é mobilizadora. No Algarve, particularmente, tirou um retrato que obriga a pensar, levando a concluir que, caso se queira resolver a “crise da democracia”,  deve-se ir mais além.

Candidatos a deputados predeterminados por pequenas cliques regionais para os calculados “lugares elegíveis”, candidatos a presidentes de câmara por escolha concertada entre grupos de militantes com quotas em dia mas cada vez menores em número, em atividade e em qualidade, de eleição em eleição, foram fazendo o seu estrago, porque cada eleição, em relação à eleição anterior, foi acentuando mais a conquista do poder do que o exercício do mesmo poder. Foi acentuando o significado de “carreira política” mais como uma espécie de carreira profissional para a satisfação de interesses pessoais ou difusos, e menos como missão de elevado interesse público, pautada pelos valores da ética política, pela proba representatividade dos eleitores e pela defesa atenta dos problemas concretos das populações e dos diversos agentes da Sociedade.

Se o Partido Socialista deu exemplo pioneiro para a escolha do seu candidato à chefia do governo, que avance com o mesmo pioneirismo com primárias regionais para a próxima escolha dos seus deputados e depois com primárias concelhias para a escolha dos seus candidatos às presidências de câmaras.

O recurso a pré-sondagens, a sondagens e ao marketing político por via do qual muitas vezes se elevou nos outdoors um sultão de Marraquexe à escala de Presidente da República engravatado, fez parte de um período que já deu tudo o que tinha a dar. A “escolha” não é por aí. Esse recurso acabou. Acabou e contribuiu muito para a “crise da democracia”. Insistir nesse erro é chamar, por certo sem querer, a cultura do autoritarismo dissimulado – dissimulado até ser assumido, e então nem haverá crise.

Carlos Albino
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Flagrantes cortinas de ferro: O que se diz sobre o que a REFER fez em Olhão (dividindo a cidade) e o que já se fez na chamada “requalificação” da 125 e por certo se vai continuar a fazer (dividindo populações), não é só espécies de Tejo a dividir Lisboa de Almada. São cortinas de ferro.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

SMS 584. Os arquitetos têm razão, muito embora…


9 outubro 2014

Corre uma petição pública dirigida à Presidente da Assembleia da República, lançada pela Ordem dos Arquitetos nesta segunda-feira passada, Dia Mundial da Arquitetura, contra duas propostas de lei em estudo no parlamento. As propostas de lei incidem no regime jurídico da atividade da construção e às qualificações dos técnicos na elaboração e subscrição de projetos, e ainda à fiscalização e direção das obras. Em causa está a hipótese dos arquitetos voltarem a ser excluídos de atividades que a eles no interesse público diz respeito por inteiro e ficar desvalorizada a sua qualificação. João Santa-Rita, presidente da Ordem dos Arquitetos, tem toda a razão em alertar que, se tais propostas forem aprovadas, isso significa um grande retrocesso no exercício da profissão de arquiteto, e até representa, futuramente, um risco para a sociedade, ao pôr em causa a qualidade das suas construções”.

Ou seja: técnicos que não são arquitetos poderão voltar a assinar projetos, voltando o País à triste fase da construção generalizada de galinheiros, casotas de cão por dá cá aquela palha, e reconstruções macacas que um pouco por todo o lado fizeram de belos edifícios do passado meras casas de banho e transformaram vastas áreas da paisagem urbana em pardieiros. O Algarve está cheio disso, entra pelos olhos adentro, e houve disparates que pela grandiosidade e extensão só podem ser corrigidos com um bombardeamento aéreo.

Não estou a dizer que os arquitetos não tenham cometido também eles erros – já aqui temos escrito sobre arquitetolas que mais não imitam que os engenheirolas que nada têm a ver com os Engenheiros de letra maiúscula. Também não estou a dizer que a Ordem dos Arquitetos tenha feito tudo o que devia fazer para pôr “na ordem” alguns dos seus membros, sobretudo alguns instalados nas câmaras que usam régua e compasso como instrumentos autoritários da estética invocada em vão, num afã arbitrário e por vezes infantil. Mas esta é outra ordem de ideias e compete e competirá à Ordem escrutinar a qualidade dos seus membros e a forma como gerem ou impõem supostos critérios “técnicos” quer aos decisores políticos, quer à Sociedade, a mesma Sociedade que é destinatária dos apelos da Ordem para que se evite o pior. Eu que sou mera linha de fuga dessa Sociedade, assinei a petição e não estou arrependido. Não sei se a petição da Ordem conseguirá evitar o pior, mas também peço à Ordem que os seus membros não dêem pretextos para que não se tenha ou perca confiança nos arquitetos.

Desejo que João Santa-Rita leve a bom porto a sua cruzada, mas também lhe peço: ponha os seus arquitetos na ordem. Em quase todo o Algarve, onde há muita brincadeira de menino e menina de parque infantil, isso se lhe agradece. Mas, enfim, a gente só se lembra de Santa Bárbara e possivelmente de Santa Rita quando faz trovões.

Carlos Albino
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Flagrante vontade de rir: Há anos e anos que se espera pela “sinalética turística”, e com isso pela sinalética cultural, histórica e do património, nas principais estradas do Algarve e às entradas das nossas cidades. Os responsáveis nada fazem nem deixam fazer, e possivelmente não percebem e não entendem o que deveriam fazer. Gente desta, dá vontade de rir.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

SMS 583. Algarve e primárias do PS


2 outubro 2014

Valendo o que valem, os resultados das eleições primárias no Algarve dão bastantes sinais de que existe uma vitalidade democrática até agora escondida que este tipo de mecanismo, felizmente, pôs em evidência. A partir de agora torna-se defensável que os restantes partidos sigam as pisadas do PS, e que o mesmo método seja aplicado para a escolha de candidatos a cargos eletivos, designadamente deputados e presidentes de câmaras. Se tal fosse possível, os sinais do eleitorado passariam a indicações, e estas, caso fossem respeitadas, em muito contribuiriam para a melhoria e solidez das instituições, reduzindo-se em boa escala as permanentes suspeitas de jogos de poder, e do tráfico de influências, na disputa dos cargos políticos eletivos. A Sociedade apenas teria a ganhar com isso.

Primeira indicação, a radiografia do PS, com as suas abas sociais de influência assumida, ou seja, o esqueleto do partido em contra-luz. À cabeça, com elevada importância para diagnóstico, a visibilidade dos inscritos por concelho, acabando-se de vez com cálculos subjetivos de importância. Objetivamente, nessa radiografia do PS/Algarve, Loulé lidera com 1.188 inscritos, seguindo-se Faro (1.163), e depois, já relativamente longe da fasquia do milhar, Olhão (894) e Portimão (801). Abaixo do meio-milhar ficam Tavira (489), Lagos (348) e Vila Real SA (295), seguindo-se o grupo das duas centenas – Lagoa (231), Castro Marim (224) e Silves (223). Mais dois com centena e picos, São Brás (141) e Vila do Bispo (120), e, finalmente, onde à centena não se chega, Monchique (97), Aljezur (88) e Alcoutim (66). Esta é a radiografia.

Segunda indicação, os resultados. À exceção de Aljezur, onde, dos escassos 71 votantes, António José Seguro obteve 54,9 % contra 24% de António Costa, este ganhou em todos os concelhos, sendo mais expressivos politicamente os 87,2% em Faro, 84,8% em Loulé e 84,3% em Portimão, a dar alguma explicação aos resultados do PS nas autárquicas, exitosos ou não, conforme os candidatos locais já então vinham a posicionar-se na questão interna, mas já latente no partido. Os êxitos foram geralmente por mérito próprio dos candidatos locais e os fracassos foram ditados pela desmotivação ou mesmo divisão do partido. As primárias provaram suficientemente isto.

Terceira indicação, a votação maciça do Algarve em António Costa, além da explicação pontual de enormes êxitos e também de paradoxais fracassos nas autárquicas, não anda longe de traduzir o desapontamento da área geral do PS/Algarve pelas escolhas de António José Seguro para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu, ferindo a visibilidade política mas também a sensibilidade da Região. Para São Bento, o PS apenas conseguiu carrear dois deputados, mas na prática tem apenas um. E para o Parlamento Europeu, o ex-secretário geral apenas despendeu o esforço para colocar, em 19º lugar simbólico, um candidato do Algarve. Esta secundarização da representação política do Algarve, conjugada com a omissão constante dos problemas dramáticos da Região, ditou o desfecho das primárias.

Carlos Albino
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Flagrantes preços: Uma ida, avião de Faro-Porto, por exemplo dia 8 (quarta) – pela TAP 205,31€ (partida 11:20, 3 horas de viagem com mudança em Lisboa); pela Ryanair 18,23€ (partida 20:15, uma hora de viagem).