O Algarve viveu um gigantesco “evento” com a participação recorde de 206.666 espectadores e apenas suplantado por Bragança. Foi o inédito Festival da Abstenção que arrastou 55,65 por cento de algarvios e outros pára-quedistas, alguns destes quadros médios e superiores que por aí andaram a influenciar à boca cheia com o “Eu não vou votar”, mas que, se falassem verdade, deveriam dizer “Eu não posso votar”. E de facto, não puderam nem poderiam votar mesmo que quisessem – são residentes no Algarve mas estão inscritos noutros círculos eleitorais, bem longe e onde só vão para rever a família. Estão aqui pelo ordenado, pelo clima e pelo relativo mas felicíssimo anonimato de uma espécie de refugiados de élite. Em todo o caso, serão ainda uma minoria e, não estando inscritos no círculo marroquino de Faro, cabe aos algarvios natos a glória desta gigantesca manifestação cívica perante eleições livres do Presidente da República.
Nenhum mal viria ao
mundo se o êxito deste Festival da Abstenção tivesse sido uma exceção de
protesto – e motivos não faltariam. O problema é que os eleitores inscritos
algarvios estão cada vez mais a abster-se em tudo e abster-se até dos protestos
que seriam justos e legítimos. Mais grave ainda, é que a abstenção parece que é
estimulada pelos eleitos doutras eleições, para os quais o “evento” das
presidenciais nada diz, ou convirá que nada diga, para que não percam votos nas
próximas em que se apresentarão como candidatos nas repúblicas locais. Passam
ao lado, ou, vá lá, concedem uma participação soft. Por pudor, é de evitar
dizer o rombo que isto provoca no custoso edifício democrático, mas a
explicação de que não se livram não anda longe daquilo que vai cozendo em lume
brando e que pode resultar no grande prato dos déspotas bem conhecidos em
ditadura, de resto, quase sempre fervilhados em democracia.
Para os sobreviventes
dos anos autoritários quando votar era, na prática, uma proibição imposta
pelo receio social e pelo medo de ser marcado, era inimaginável que em Olhão,
no século XXI, se registasse 60,11 por cento de abstencionistas, em Albufeira
59,8 por cento, em Loulé 58,37 por cento, com todos os concelhos do Algarve, à
exceção de Monchique, a darem este triste espetáculo muito acima da média
nacional de 49,93 por cento, já de si elevada.
Para os que nasceram
já em democracia ou nesta formaram o corpo e o espírito, para estes que vão
sendo a maioria, o que já se torna inimaginável com um festival destes, é o que
seria a Sociedade se estivesse entregue a uma legião de déspotas ainda que
sorridentes. Aliás, não há déspota que não sorria. Cinicamente, diga-se.
Carlos Albino
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Flagrante
exceção: Monchique, com apenas 39,09
por cento de abstencionistas, fez jus à sua altura, e até ver, tornou-se na
capital da participação cívica e política do Algarve. Os da serra deram uma
lição. E grande.