quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

SMS 704. Governo neste teste, desnecessariamente

23 fevereiro 2017

Um Governo, como é óbvio em democracia e sendo condição desta, está em permanente teste. Mas há sinal de que as coisas derrapam quando é o Governo a testar os testadores. E. depois da devastação causada por erros e omissões do anterior governo, mau sinal é quando o poder central se presta a fazer testes à paciência designadamente dos seus apoiantes declarados e afins. No Algarve, depois de meses com promessas de redução em 50 por cento das portagens da Via do Infante, eis que a região sofreu o maior aumento dessas taxas; depois da chuva de críticas quanto à política cultural que reduziu a política a zero e a cultura a 45 graus negativos, eis que se volta a confundir cultura com animação, adiando a esperança numa Política Cultural numa região onde, pelas suas características e contributos, mais que em nenhuma outra, esta mesma política devia ser o instrumento prioritário; com a descentralização de competências altamente sensíveis do Estado para os municípios, em vez de se atender às características de área metropolitana que a região tem e deveria potenciar (defendemos isto, aqui, há anos), insiste-se no reforço dos quintais, cada qual a transformar-se em cómico “terreiro do paço” insuportável e asfixiante, quer em burocracia quer em competência, ouvindo-se um ou outro administrante e, pelo que consta, nenhum administrado. Etc.. Mas antes deste etc. terminar, chegamos ao petróleo, e eis que, sem a disponibilização de explicação coerente, fundamentada e esclarecedora, decide-se de surpresa furar ao largo de Aljezur depois de uma consulta pública que, à cabeça, requeria tal explicação. 

Isto, depois da Alemanha estabelecer 2030 como o fim dos automóveis tal como os conhecemos hoje, parece uma aposta serôdia nos combustíveis fósseis, e a coincidir com o objetivo traçado pelo governo da Noruega em antecipar decisão idêntica de acabar com a compra e venda de automóveis a diesel e a gasolina a partir já de 2025. A Noruega é produtora de petróleo (40 % do PIB) mas parece ter chegado a conclusões bastantes com a crise que o setor atravessou entre 2014 e 2016 pela queda abissal do preço do crude, conclusões somadas aos objetivos dos Acordos de Paris para a redução das emissões em 40 % até 2030. Quando já se entra na era pós-petróleo, Portugal fura Aljezur, como se o destino de Aljezur fosse o de um tubo de escape, sem se saber bem por que causa, com que fundamento e para que teste.

Não se trata aqui de dissertar sobre petróleo, mas sim sobre fundamentos da decisão, quais as bases de coerência e para que servem os procedimentos que a antecedem ou que a devem anteceder, designadamente uma consulta pública que não seja verbo de encher ou entretenimento da opinião. Que estudos há? Quais as garantias de segurança? Quais as vantagens e desvantagens do petróleo e do não-petróleo? Quais os impactos? A estas perguntas, quem decide não respondeu com suficiência, com coerência e com clareza. E quanto aos geólogos em serviço, é oportuno dizer que o geólogo é aquele que calcula bem o epicentro depois disso acontecer. Antes disso, anda à tangente.

Carlos Albino
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Flagrante efeito de boomerang: Em defesa da dita descentralização, dizem alguns autarcas que “são escrutinados” mais do que ninguém. Num Algarve, com o grave e iniludível problema de comunicação que tem (sem televisão, sem rádio e sem jornais com meios de produção próprios e atempados), esses autarcas têm inteira razão - são escrutinados pelos departamentos de comunicação e imagem das câmaras que dirigem. E ai de quem escrutina fora disso.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

SMS 703. Soube a muito pouco, a quase nada

16 fevereiro 2017

O Algarve possivelmente é isso mesmo: uma máquina de apagar, um botão Delete no teclado sul do País, um fármaco para esquecer. Refiro-me aos 750 anos de Algarve como parte do celebrado estado-nação que hoje mesmo, dia 16 de fevereiro, se completam e que deveria ser evocada como símbolo de identidade, como sinal indelével da história da região. Sabemos que a Universidade do Algarve respondeu e promove uma sessão, sabemos que uma jovem editora - Sul, Sol e Sal, se associou à passada de Gambelas, sabemos também que este Jornal do Algarve abriu portas a uma parceria pontual com essa mesma editora, e sabemos também que o corpo consular acreditado no Algarve comemora os 750 anos da integração do Algarve no território português, na Pousada de Tavira. E mais nada. Pelo contrário, entidades do governo e entidades locais nem sequer foram capazes de fazer o chamado sacrifício de agenda a favor de uma data que não se repete. É isto aqui, aquilo acoli, nada tendo a ver com o assunto. Só terá faltado, para este mesmo dia e para a hora das modestas evocações, a marcação de uma conferência de imprensa de Sousa Cintra sobre furos. As poucas “entidades regionais”que temos, as autarquias no seu pressuposto conjunto, o próprio governo, particularmente ministérios que deveriam ter sensibilidade para o assunto, deixaram a máquina de apagar a funcionar na sua rotina, enfim, o dedo coletivo do Algarve a carregar na tecla Delete.

Nem Faro, com a sua expetativa de vir a ser Capital Europeia da Cultura de 2027, carregou no Enter desta mais valia irrepetível e de que poderia tirar partido. As televisões nada disseram, porque também não existem no Algarve como televisões nacionais; as rádios continuaram na sua função de grafonolas automáticas, etc.. O que se faz com os 750 anos de Algarve, sabe a pouco ou mesmo a nada.

Fosse outra região do País a ter uma data destas, não sei o que não aconteceria em Guimarães, na Guarda, no Porto ou em Coimbra, e o que jornais, rádios e televisões não diriam de Coimbra, Porto, Guarda ou Guimarães, para assinalar uns 750 anos da entrada definitiva e formal de um território para a soberania portuguesa, com a fixação multissecular das suas fronteiras e uma vivência peculiar e identitária dentro delas, à mistura com lendas.

Com a vinda do verão, não vão faltar “festivais medievais”, teatros de comidas e bebidas com gente trajada de mouros ou de cavaleiros da Ordem mais ou menos de Santiago para proclamada atracão turística, não vão faltar “eventos” a fazer da história algarvia uma história de falsete. Mas hoje é que se deveria celebrar a verdade do Algarve, nos seus 750 anos, verdade essa que colocou os castelos de Castela no brasão real de Afonso III por dote de casamento, mantidos até hoje no símbolo nacional. Talvez na previsão da tecla Delete, Paio Peres Correia se tenha exilado em Sevilha em cuja catedral está sepultado, apesar de dar nome a ruas aí por todo o Algarve, quando cada rua se deveria chamar Rua Delete.

Carlos Albino
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Flagrantes laranjas: No supermercado ali estão “laranjas do Algarve” cujo sumo, segundo diz quem pode provar, sabe a laranja espanhola.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

SMS 702. Quando a ausência dos jovens nada abona

9 fevereiro 2017

Por vezes, até se torna imperioso perguntar: No Algarve há jovens? Para onde foram os que estão entre os 17 e os 30 anos? Por que não aparecem de livre vontade quando se discute ou devia discutir-se a melhoria da Sociedade, seja de uma lado ou do outro, com a presença deste ou daquele? Qual a razão que leva a que em qualquer sessão ou acontecimento que “cheire” a ideias, a cultura, a política, a memória, a futuro, a aprendizagem, é notória a ausência de sangue novo, de figuras de esperança fresca e de generosidade desinteressada ainda que nalguma percentagem razoável?

É que, quando estão ideias em causa, a sala das ideias tem meia-dúzia de jarretas e outra meia-dúzia de flores de pano. Quando é cultura, as salas onde deveria aparecer Cultura, parecem salas de espelhos. Quando é política, em qualquer um dos seus rumos, além de uns pequenos frisos que, usando a linguagem dos clubes de futebol, desculpem-me, são frisos de jovens “vindos da formação” do clube, além disso, mais ninguém, ou se mais alguém está, já calvo, barba branca e nove ais para passar da posição de sentado à de pé, é para dirigir à zona mais abstracta do tecto o tal repetido apelo paternalista de que “é preciso trazer os jovens”. E não passamos das lamentações, tantas e de tal ordem que, numa inesperada era de muros, o Algarve já deve possuir um dos maiores muros de lamentações da Europa. Preferimos lamentar a ir às causas e, pelo menos uma vez, verificar se há ou não uma explicação para que os jovens em peso entrem em rotura com o tempo que os gerou, supostamente os educou e os fotografou no seu crescimento de ano para ano até que a fotografia começou a falar por si.

Caso se recuse um exercício de hipocrisia, não é correto que, por dá cá aquela palha, se diga que os jovens estão injustificadamente ausentes, sendo mais sério reconhecer que os jovens estão em rotura, e mais honesto procurar os motivos de tal rotura, a qual, na pior versão que uma Sociedade pode registar, será uma rotura silenciosa, sem barulho, mas corte com o que lhes foi apresentado como valores ou, pior ainda mais, corte com uma sentida situação de ausência de valores. Ausência de valores na Cultura, na Política, na Memória, para o Futuro, nas posturas da Aprendizagem. Não me refiro ao mero pregão ou aos pregões já doentios dos valores. Estes são muitos, abundam na boca dos pregadores e igualam o número das lamentações. E se calhar é por esta abundância de valores em falsete que os jovens estão em rotura silenciosa que nada abona os pregadores.

Carlos Albino
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Flagrante dúvida: Na verdade, ficamos sem saber se um furo petrolífero, a 45 quilómetros da costa, é mais ou menos perigoso que um secretário de estado colocar-se a essa mesma distância de 45 quilómetros.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

SMS 701. Os candidatos

2 fevereiro 2017

Está na hora em que os partidos comecem a indicar cabeças de listas para as autarquias. Pelo menos, os principais partidos, os que contam com a fidelidade de número apreciável de eleitores que lhes permitem “fazer contas”. Naturalmente que todos procuram “candidatos fortes”, a não ser que a expetativa de vitória eleitoral seja escassa ou mesmo nula, porquanto, neste caso e como é já tradição, o candidato é quem se preste ao sacrifício de figura de corpo presente.

Então, ocorre perguntar: o que é um “candidato forte”? Aquele que tem uma imagem feita ou construída, mesmo que não passe da imagem? Aquele que tem projeto, programa e que eventualmente tenha já dado provas de honrar e cumprir compromissos? Além disso, a força de um candidato vem-lhe da seriedade, da probidade e da sua estatura intelectual? Mais perguntas: quem escrutina isso, é apenas os reduzidos colégios locais de militantes que, na generalidade são mesmo reduzidos e cujo aumento por vezes é temido para que não se perca o controlo? Ou esse escrutínio depende de “sondagens” locais, sabe Deus como são feitas e a que pretexto? Ou ainda se pergunta se tal escrutínio está apenas na mão dos decisores centrais dos partidos, por via de informações difusas, ou se tem em conta o filtro de comando regional, também muitas vezes pouco filtro e “regional” sob condição, ou se é da conta e medida das “bases”, bases estas que também na generalidade e por várias razões não têm grandes expoentes, se o manto do poder foi curto para interessados ou se a “independência” por autodefesa de carreira foi a melhor conselheira.

Estas perguntas, claro, estão diretamente ligadas ao que se entende por democracia, por aquilo que a democracia acolhe ou alberga, enfim, ligadas ao desabafo segundo o qual a democracia é, apesar de tudo, o melhor sistema. E é, é mesmo o melhor sistema se não acolhe títeres disfarçados em cordeirinhos políticos, ou se não alberga mesmo déspotas com máscaras de santos como se isto fosse um permanente carnaval, ou permanente entrudo com guerras de comunicados sem conteúdo e, pior, sem a dignidade política da quarta-feira de cinzas.

A esta distância, já vão sendo os eleitores a tomar alguma decisão e a manifestá-la localmente desta ou daquela forma. Se isto não acontecer, haverá razões para se admitir que a política está morta, que a desconfiança nos que tantas vezes sem pudor se intitulam políticos é de alto grau e de grau preocupante, e que a abstenção não é tanto a causa mas a consequência.

Carlos Albino
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Flagrante poder central: A Comunidade Intermunicipal do Algarve reafirma a sua posição contra quaisquer atividades de prospeção de hidrocarbonetos no Algarve e ao longo da costa algarvia Mas o que vai fazer, o que pode fazer e, mais importante, o que quer fazer?