quinta-feira, 25 de agosto de 2005

SMS 120. Tempos difíceis

25 Agosto 2005

A juntar a tantos males, já esperava que, mais dia, menos dia, o Banco de Portugal revelasse o que em círculos restritos se comentava desde há um mês: as câmaras municipais, no primeiro semestre deste ano, apresentavam um défice de 174 milhões de euros. Em qualquer democracia, essa notícia provocaria um enorme debate público. Aqui, na terra dos expedientes, não – e seria impensável que o Algarve fugisse à regra, mais: ninguém se preocupa e muito menos se discute, com seriedade e sem folclore, a situação financeira de cada uma das nossas 16 câmaras algumas das quais, apesar do montante dos empréstimos obtidos por processos quase virtuais (Oh! Se o Banco de Portugal descobre!) dissimulam o mal como se nisso houvesse um entendimento tácito entre quem está no poder e quem está na oposição. Se calhar, há. Para o cidadão, para os munícipes, os tempos são difíceis, para já, de entender.

P.S.: Naturalmente que, algum dia, vamos falar da Capital Nacional da Cultura. Temos tempo e não nascemos ontem.

Carlos Albino

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

SMS 119. Sete metáforas de Verão

18 Agosto 2005

1.ª – Dizem-me e não acredito que seja verdade – No âmbito do Plano Regional de Turismo, houve concurso da RTA para o fornecimento de viaturas para apoio às praias do litoral algarvio (uma por concelho). Como mais vale tarde do que nunca, o concurso apenas devia merecer aplausos. Só que as viaturas têm tracção às quatro rodas – se entrarem pela areia, atolam-se. Além disso não dispõem de ar condicionado pelo que será de ver tais viaturas estacionadas junto dos pontos de boa cerveja à escolha dos funcionários e o alegado apoio às praias em breve mais não será do que passeatas. Bem! Os comunistas angolanos dos anos 70 do século passado ficaram felizes pelo fornecimento soviético de limpa-neves para o alegado asseio das avenidas e ruas de Luanda. Os limpa-neves obviamente nunca chegaram a ser utilizados e ainda hoje jazem num grande cemitério de ferro inútil. No Algarve ainda não se chegou aos limpa-neves para o asseio das praias onde funcionam ou dizem que funcionam tractores de agricultura, mas estas viaturas sem tracção às quatro rodas e sem ar condicionado para apoio das praias, serve de metáfora para a qualidade dos decisores do Algarve, a ser verdade o que me dizem mas em que não acredito. Na verdade, vivemos de passeatas.

2ª. – Mas que Volta a Portugal? Foi verdade – a Volta a Portugal que, com todo o descaramento começou e terminou autotitulando-se Volta a Portugal, mentindo, não passou de uns circuitos pelas Beiras, pela área do Porto, pelo Minho com uma devassa por Trás-Os-Mintes e, em perfeita homenagem ao centralismo do Estado, por uma tirada curva entre Lisboa e Oeiras... Foi uma Volta a Portugal dos Pequeninos e mais nada. E não temos que nos lamentar porque o desporto das duas rodas mais não imita do que os decisores beirões, minhotos, transmontanos e alguns destes emigrados em Lisboa pretendem da Regionalização e com a Regionalização: um Portugal dos Pequeninos – pequeninos mas espertos de uma esperteza que estraga a Democracia. A Volta serve de metáfora.

3.ª – Sinalética, tabuletas – Então nisto, nos concelhos de Lagoa e de Albufeira é o caos. No penúltimo fim de semana, até conseguir chegar à casa de verão de um embaixador algarvio, foi o inferno. Em vez da indicação correcta dos sentidos das terras, dos sítios e dos lugares, deparei pelas estradas e caminhos com dezenas e dezenas de tabuletas, uma para a Casa Gabirá ou para a Moradia Isabú, outra para a Vivenda Ginga, grandes cartazes para a Urbanização Conchinha, outros do mesmo tamanho para o Aldeamento dos Passarinhos do Pinhal para não falar das dezenas de setas com quilómetros de antecedência para a Cabeleireira Céu, para o Canalizador Esteves e para Mecânico Jocas, por entre muitas outras cabeleireiras, outros tantos canalizadores e não menos mecânicos - nomes de sítios, lugares, terras ou sentidos de terras, nada, nada e nada. Este péssimo hábito está a chegar, pelos vistos, já ao concelho de Loulé. Um sujeito que tenha abra um restaurante a que por hipótese dê o nome de Tasca da Alfarrobeira Dobrada ou mesmo alguém que tenha recuperado a sua casinha a que passou a chamar Casa do Pintatolas ou comprado coisa semelhante baptizando-a de Vivenda Xico Beirão, pois não tardará que quilómetros antes e em cada cruzamento ou desvio lá surjam uma tabuletas de papelão presas com arames, a indicar a Casa do Pintarolas, a Tasca da Alfarrobeira Dobrada e a Vivendo Xico, encavalitadas noutras tabuletas num verdadeiro enxame a ocultar as poucas placas que indiquem nomes de sítios lugares e terras. Cada um faz o que lhe apetece, cada um pensa apenas no seu umbigo e as Câmaras porque nada ou pouco fazem, também deixam fazer tudo. Já um dia me referi ao cemitério das tabuletas. É uma metáfora.

4.ª – O sentido de sobrevivência de Vitorino. E com esta de Vitorino dizer em alto e bom som que «Faro não é o Faroeste», fazendo cair a espada municipal sobre um construtor que pode perceber muito de betão mas nada percebe nem quer perceber de direitos humanos estragando o arranjo, admito que o sentido de sobrevivência desse político o possa fazer passar sobre as eleições autárquicas como César passou o Rubicão. A esta distância, as sondagens embora entretenham, pouco significam, sobretudo porque, no Algarve, o mês de Agosto até 15 de Setembro equivale a um ano e meio. Ainda falta um ano até Outubro e no faroeste já toda a gente está conformada com o Farense no escalão mais baixo. Apolinário tem que produzir melhor metáfora, melhor dizendo: tem que produzir uma boa metáfora. Como se sabe (Vitorino talvez não saiba mas Apolinário sabe) o Rubicão era o pequeno rio, que separava a Itália da Gália Cisalpina. O Senado Romano declarava traidor à Pátria e votado aos deuses infernais, todo aquele que, à frente de uma legião, ou ainda de uma comitiva, transpusesse tal rio. César infringiu a proibição e passou o Rubicão, exclamando: Alea jacta est ! ( A sorte está lançada!) O Rubicão de Faro é a Ribeira do Pechão. Metáfora, claro.

5.ª – Turistas ou penitentes com sacos de plástico, não? Todas as semanas, seja Verão ou Inverno (já não há diferença), faça sol ou caia chuva, há todos os sábados um mercado em Loulé que atrai centenas e centenas de turistas que ali são despejados de autocarros. Possivelmente, em alguns sábados são mesmo milhares que vão comprar de tudo onde também há de tudo, desde as rendas da Madeira feitas na China até ao artesanato da China feito na Madeira ou pelo menos transaccionado no ou através do off-shore da Madeira. Barracas sem conto armam-se desarmam-se todos os sábados para isso, não faltando o cheiro do polvo assado e das frituras enquanto uns mascarados dos Andes fazem de índios a tocar flauta como se fossem vereadores da oposição local, ou seja, tocam bem flauta na oposição. Observei essas enormes filas ou mesmo magotes de turistas, neste último Sábado: entram no mercado de mãos a abanar e saem com sacos de plástico na mão com o inimaginável lá dentro mas que levam como inefável recordação do Algarve. Só que esses milhares de turistas que ao longo do ano são despejados na periferia de Loulé, de Loulé pouco ficam a conhecer – não há um folheto colocado nas suas mãos, não há uma lembrança simpática, uma sugestão de roteiro do riquíssimo mas censurado património cultural local que tem tabuletas a mais para as portas abertas que há. É uma metáfora, claro. Uma metáfora de como o Algarve recebe os turistas, tratados como penitentes, ainda para mais penitentes com sacos de plástico na mão a ouvir os que fingem de índios!

6.ª – A sardinhada do catamarã. E foi assim, pois poderia ter sido pior junto à praia da Galé. Como é que é possível que o catamarã de Vilamoura que se incendiou que nem um fogareiro, servisse sardinhadas a bordo? E a ser verdade o que uma passageira afirmou, como é possível que o catamarã não tivesse salva-vidas, com os extintores para inglês ver e as mangueiras sem água? Felizmente que os 90 turistas que partiram alegres e por certos julgando-se seguros, foram salvos pelas embarcações populares, por embarcações de recreio e até por motas de água, antecipando-se ao posterior aparato de lanchas da polícia marítima e, claro, do helicóptero da Força Aérea. Naturalmente que se segue agora o inquérito para apurar a origem do incêndio, sabendo-se entretanto que o catamarã (com 30 anos e capacidade para 120 passageiros) tinha todas as inspecções em dia. Não sabemos se a sardinhada entra na lista das inspecções, mas isso também e já agora por metáfora, pouco importa uma vez que há pedreiras no Algarve a laborar com as inspecções em dia mas cujos sismógrafos estão «avariados» há dezenas de anos. Sampaio que, pelos vistos, tem dificuldade em encontrar gente com feitos digna de ser condecorada, bem poderia condecorar e com justiça os denodados banhistas que salvaram das chamas e da morte certa aqueles 90 seres humanos que julgavam que o Algarve não tem metáforas.

7.ª – O comboio de Loulé. E para finalizar, outra triste metáfora – na Estação Ferroviária de Loulé, é verdade que cerca de uma centena de passageiros que esperavam na linha que lhes tinha sido indicada, pelo comboio Intercidades para Lisboa, viram o comboio partir sem que, na era do telemóvel, maquinista e chefe da estação dessem entre si conta do engano. Depois veio a explicação da CP que não a culpa não foi da CP mas da Refer e possivelmente a Refer dirá que foi a CP, como nas discussões de comadres. Mas o certo é que aquela Estação de Loulé que serve uma área turística dita de excelência (Vale do Lobo, Quarteira, Vilamoura) é uma metáfora e, segundo me dizem mas em que também não acredito, para além do serviço de bar digno de catamarã sem inspecção, também está apetrechada para grandes sardinhadas e churrascos de caça. Possivelmente nem a CP nem a Refer foram ainda à Estação de Loulé ou se foram, foram por aquela metáfora que, como se sabe e é habitual, fica alojada num hotel de cinco estrelas. Claro, falamos por metáfora.

P.S. – A propósito, há em Loulé um excelente Mapa da Cidade para turistas que está tão limpo, tão limpo que os ingleses conseguem escrever a dedo as suas metáforas...

Carlos Albino

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

SMS 118. Muito felizes, muito.

11 Agosto 2005


O objectivo da regionalização como corolário do melhor que os regimes democráticos podem e devem propiciar, em detrimento do centralismo incontrolável no que tem de arrogância e arbítrio, pois esse objectivo desapareceu como que por milagre dos discursos oficiais, escapuliu-se do debate público e da boca dos políticos profissionais. Bastou o primeiro-ministro José Sócrates determinar o adiamento da regionalização para que todos os nossos políticos, desde logo também se sentissem na obrigação de se adiarem, até porque uma regionalização a sério incluiria à cabeça o escrutínio do poder e, pelos vistos, este escrutínio não interessa a ninguém enquanto houver uma parcela para vender, uma ilha para negociar ou uma arriba para lotear pelas veredas dos subterfúgios legais onde o esperto é rei e cada município um verdadeiro condado. Assim sendo, quem hoje por acaso ou por convicção, defender a regionalização do Algarve, corre o risco de estar a terçar armas por uma espécie de coisa quase já clandestina ou pelo menos muito inconveniente. Estamos felizes.

No entanto, à falta desse escrutínio, os Municípios continuam a fazer o impensável ao mesmo tempo que os reis da batota também sabem que é muito mais fácil manobrar e influenciar direcções-gerais longínquas quase sempre com o apoio exitoso de gabinetes especializados. E é neste quadro, que os apregoados objectivos da desconcentração e da descentralização, acabam por funcionar igualmente como farsas a começar pelo preenchimento dos cargos, onde os critérios da competência, da capacidade de acção e do conhecimento da «região» acabam por dar lugar à prática do clientelismo político e do favorecimento sem justa causa. Mas também ninguém questiona por que motivo fulano foi nomeado para ocupar um lugar do Estado no Algarve até porque isso é emigração de luxo, sendo também inconveniente beliscar os emigrantes de luxo. Estamos felizes, muito.

É claro que, por ora, não citamos nomes para que não se diga que há nestes reparos algum ataque pessoal, muito embora se saiba que mesmo sem citar ninguém, as palavras são incómodas, sobretudo quando todos estão felizes. Muito felizes, apesar da crise do Estado e da crise do Algarve que, felizmente, ainda tem bastante areia para as avestruzes enterrarem a cabeça. Honra, vida longa e muito dinheirinho para as avestruzes.

P.S. - Ouvimos dizer que Faro é a Capital Nacional da Cultura. Não sabemos se a Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, tem já conhecimento disso.

Carlos Albino

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

SMS 117. Debate desenxabido nos quintais municipais

4 Agosto 2005

É possível que em Setembro, com a partida dos turistas e o apertar da crise, o tom do debate político no Algarve suba de tom e de nível, mas até agora tem sido ensonsso em Faro, insípido em Portimão, dessaboroso em Silves, desgracioso em Loulé, desanimado em Tavira, desgostoso em Albufeira, sensaborão em Lagos, e até mesmo em Vila do Bispo, desta vez, à falta de um novo Infante a traçar planos do futuro sentado no forte de Sagres e a olhar para a fotografia, o momento é sensaborão. O debate autárquico, por todo o Algarve, é desenxabido e os cartazes parecem dizer tudo ou pelo menos traduzem grande parte da verdade – não se vai além do «eu sou melhor do que ele», «eu sou a honestidade», «só eu serei um presidente para todos», «a competência dorme e acorda ao meu lado»; enfim, desenxabimento, é a palavra, para mais com enormes fotografias em que cada um dos candidatos apenas prova que está mais gordo e apenas ligeiramente mais velho do que há cinco anos, embora todos sorridentes ou então com olhos solenes de esquisita Sexta-feira Santa porque já vamos pelo Verão fora.


No entanto, tanta coisa haveria que discutir! A começar pela questão financeira dos municípios, do endividamento e dos expedientes para obter empréstimos por formas que nem o banco central sonha ou então a que fecha um olho mas para os quais (expedientes) aldeamentos e urbanizações têm os dois olhos abertos. E nem falemos das acumulações, dos empregos políticos ou da sua expectativa que na generalidade gerou as listas, nem falemos da ruína das fiscalizações municipais, da péssima e por vezes prepotente para não dizer mal criada relação dos funcionários locais com as costas quentes do poder face aos administrados por efeito dos comandos que os comandam explicando-se todos com essa profissão mais antiga do mundo que não é a que alguns pensam e que é a burocracia, por certo mãe da outra que se julga mais antiga.


O êxito ou fracasso da apresentação das listas acabou assim por ser aferido pelo maior ou menor número de gente que se inscreveu para o jantar – faltando ainda alguns jantares – e avaliado também pela qualidade e suposto nível dos apresentadores, uma estrelas políticas despachadas por militância de Lisboa e que, regra geral, teceram (faltando a algumas ainda tecer) rasgados elogios ao cabeça de lista porque o segundo e terceiro já não contam, como provam as fotografias dos cartazes.


Tudo isto poderia acontecer até como tem estado a acontecer e nenhum mal daí viria ao mundo. O problema é que o debate político autárquico esgota-se nisso, não passa disso e é quase só isso - «eu sou melhor do que ele», «eu sou a honestidade», «só eu serei um presidente para todos», «a competência dorme e acorda ao meu lado»…


Ninguém discute a sério as contas locais, o destino ou uso do dinheiro dos contribuintes, a qualidade das ruas, a lisura das decisões públicas que a todos afectam e, o que já seria pedir demais, que Algarve que projecta e se deseja no futuro acima dos quintais autárquicos cada vez mais murados com provincianos egoísmos municipais. Outrora, diziam os de Monchique «Adeus Algarve, que vou p’ra Faro!» Agora todos são de Monchique, o que é coisa desenxabida.

Carlos Albino