quinta-feira, 6 de abril de 2017

SMS 710. Uma ideia de Algarve, como, com quem e quando?


6 abril 2017

Nestas décadas em que o Algarve envelheceu tanto e como cada um de nós, têm sido vários os "arranques" visando a meta da regionalização. Arranques tais, todos falhados no terreno ou diluídos nas ambições que a cada arranque ficou subjacente.

Os fracassos de tais iniciativas podem ser explicados pelo espontaneísmo dos seus promotores, e também por intenções de afirmação pessoal sem relação direta e útil com a causa a que se propunham, além de, em pouco tempo, se revelarem meros exercícios de poder individual difuso, quase sempre por ressaibo e por frustradas derivas de liderança e sem correspondência com as capacidades e as competências comprováveis.

Nesse histórico figuram movimentos independentes cujo carácter de "independência" provinha exclusivamente de ressentimentos; figuram associações abrangentes cuja “abrangência” foi apenas procurada ou obtida no refugo das forças políticas relativamente organizadas e frágeis fora dos calendários eleitorais; figuram também iniciativas expectantes cuja “expectância” se fazia depender de uma suposta "vaga de fundo", iniciativas que hoje e sem ofensa já podem ser classificadas de populismo; e figuram ainda voluntarismos, por certo muito ativos mas sem biografia sólida, ou decorrentes de auto-atribuídos carismas, numa evidente confusão entre qualidades de pregoeiro ou leiloeiro autoritário, e capacidade de estruturar ideias e de inspirar entusiasmo e adesão, na humildade da convivência. De uma forma ou de outra, isso foi inviabilizando o aprofundamento sério da ideia de Algarve, se é que, não raras vezes, colocou essa mesma ideia no ridículo junto de quem a respeita e poderia respeitar mais.

Também não é difícil verificar-se nesse histórico, que tais ações espontaneístas e voluntaristas surgiram sempre que se antevia a abertura de alguma janela para a devolução mais ou menos parcial da Administração que compete ao Estado para os Administrados algarvios. Tais ações, na generalidade, tiveram um efeito perverso.

No momento que passa, quando há, não uma janela mas uma vaga hipótese de janelim a abrir-se, assiste-se a mais uma revoada desse mesmo espontaneísmo e desse voluntarismo, que tal como nas anteriores revoadas, não vai aportar a lado nenhum porque a sua base é a mesma – o carisma de falsete, seja qual for a patine com que se possa recobrir. É uma questão de tempo, tempo que seria tão necessário para que a ideia de Algarve não possa ser mais uma vez adiada.

Ora uma ideia de Algarve como região, não se conseguirá construir ou reconstruir com se fosse uma passadeira de espontaneísmo estendida para algum rei nu passar, e, acabada a festa, desarmar-se o trono. Para se evitar esse erro de paralaxe, o caminho é estreitíssimo, se é que ainda haja espaço, pois o desiderato dos espontaneistas, voluntaristas e auto-convencidos de carisma, aparentemente com a melhor das intenções, é queimar caminho. Em terra de videntes, quem se vê ao espelho é rei.

Então, o que fazer? Quem poderá fazer? E quando se deverá fazer? Julgo que o Algarve, desde que não lhe falte opinião pública, plateia de pensadores e patamar com decisores, esse Algarve é melhor que os algarvios apressados e irrequietos seja qual for o seu número. Se houver uma opinião pública algarvia feita por comunicação e não pelo traçado das comarcas, se os pensadores tocarem a reunir sem corporativismos de pensamento, e se o patamar de decisores assim se assumir, acima de questiúnculas, na linha do denominador comum, isso será possível, não faltando quem, e talvez quando menos se espere.

Carlos Albino
___________________
Flagrante pecado cultural: Segundo se escreveu e não foi desmentido, o pároco de Olhão desconhecia que a igreja matiz onde procedeu a obras de livre arbítrio, está classificada como Imóvel de Interesse Público, classificação que ocorreu há cinco anos (maio de 2013), num processo que se arrastou por 15 anos. O pecado não foi por pensamentos ou palavras, mas, na inteira propriedade do termo, por obras.

quinta-feira, 30 de março de 2017

SMS 709. O Algarve que não gostaríamos de ver no mapa


30 março 2017

Foi divulgado e está mais ou menos conhecido o relatório sobre 2016 da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), organização que dispõe de cinco gabinetes de atendimento no Algarve - Tavira, Faro, Loulé, Albufeira e Portimão -, na sequência de parcerias com os municípios.

Pelos dados revelados pela APAV, obtidos apenas no seu âmbito, deu para grandes títulos, a constatação de que, todos os dias em Portugal, 14 mulheres, 2 idosos, 2 crianças e 2 homens foram vítimas de crime, com fortíssima incidência na violência doméstica: dos 12.450 casos assinalados em 2016 pela organização, 9.347 pessoas foram vítimas de crime, e de entre estas mais de 80% eram do sexo feminino.

Também foi divulgado e está conhecido que das cerca de 93% de vítimas de nacionalidade europeia (92% portuguesas), a maioria residia nos distritos de Lisboa, Porto, Algarve e Setúbal (52,3%). Não gostaríamos de ver o Algarve neste mapa, mas está e pelos piores motivos. Na tabela ordenada, o Algarve, apesar da sua relativamente fraca expressão demográfica, surge nesse aviltante terceiro lugar, com 841 crimes registados (9% do total do país), logo depois de Lisboa (2.229 casos, 23,8%) e do Porto (1.172, 12,5%). O Algarve fica colocado nessa tabela negra, acima do distrito de Setúbal que engloba o vultuoso leque das cidades da margem sul do Tejo (651 casos, 7% do total), e do não menos expressivo distrito de Coimbra (408 casos, 4,4%). E, num exemplo comparável com o número de residentes do Algarve, surge, já a bastante distância, o distrito de Braga com 312 casos ou 3,3% do total.

Não é uma boa notícia saber-se que o Algarve ocupa esse lugar nada honroso no mapa da violência doméstica.

A colocação do Algarve em terceiro lugar neste ranking trágico, é assustador e naturalmente que obriga a pensar, ranking que resultou apenas do número de crimes reportados e registados pela APAV, porque há mais e só cada um ou, no caso, cada uma de boca calada, como tudo leva a crer, sabe o que a sua casa gasta.

O que fazer? Prevenção, mais prevenção. Atacar as causas do problema – emprego precário e desemprego, défice de educação, restrição ao mínimo dos conceitos de solidariedade social e de cultura. E mais comunicação, pronta informação que provoque o constante alerta social e retire aos autores do flagelo o seu reconfortante anonimato social. E, sobretudo, também atendimento mais alargado, mais rápido e proporcionado em circunstâncias mais discretas, sabendo-se que os crimes de violência doméstica, pela sua natureza, pelas características dos autores e pelo medo das vítimas, são em grande e desconhecida parte omitidos, abafados, não comunicados ou adiados pelo rastilho de pólvora da chantagem.

Tiremos o Algarve desse mapa. Julgamos que este é um assunto que não deve comprometer em parcerias apenas cinco municípios, mas todos os 16 municípios algarvios e a sua associação, evidentemente. Com firmeza, porque os números incendiários da violência doméstica já são mais graves do que um incêndio florestal, e só dão vergonha à região.

Carlos Albino
___________________
Flagrante bom começo: O novo presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve, Paulo Morgado, reconheceu que o modelo do Centro Hospitalar do Algarve não funcionou, que reforçar o curso de Medicina da UALG é estratégico para o Algarve, e que o novo modelo de gestão hospitalar que o Governo prepara e ele próprio assume é o único caminho» para colocar o Serviço Nacional de Saúde algarvio nos trilhos. Se isto não for mais um expediente para adiar o Hospital Central até às calendas de março, é um bom começo e que Deus o ouça nos trilhos!

quinta-feira, 23 de março de 2017

SMS 708. Sobre isso de que só falar, faz estremecer

Destruição em Vila do Bispo em 1969
23 março 2017

Sismos, exatamente. Jornais e televisões falam disso, por exemplo, quando não têm notícias disponíveis de emoção forte. E, de vez em quando, por aí se fazem uns “exercícios” envolvendo escolas ou cidadãos voluntários, quando ocorre a efeméride de uma catástrofe, como foi a do ano de 1755. E também se legisla e se regulamenta, é verdade. O Estado português tem sido sensível a este tema, muito embora prestando mais atenção a medidas reactivas e não tanto a medidas preventivas, como seria desejável.

Olhando para as construções implantadas nas últimas décadas, sobretudo no litoral algarvio e muito em particular nas áreas de falhas sísmicas, ou onde a sismicidade histórica se tem manifestado de forma violenta ao longo dos séculos, fica-se sem saber se a única solução é a de que “Deus nos ajude”. Fica-se sem saber se as decisões políticas no que toca a gestão e ordenamento do território e as regras de reabilitação do que se encontra edificado, continuam a ignorar ou a desvalorizar a probabilidade de ocorrência de um sismo, ou de um tsunami. Fica-se mesmo a desconfiar que continuamos a assistir à construção de edifícios, equipamentos e infra-estruturas em zonas de elevado e comprovado risco sísmico sem as adequadas técnicas construtivas para a redução dos riscos. Os dias passam, as coisas acontecem quando estamos distraídos, e o que de pior pode acontecer, não escolhe linhas limítrofes de concelhos – toca a todos.

Além de um quadro legislativo e regulamentar que, levado à letra e com responsabilidade, já teria provocado muito derrube e uma enormíssima correção, há também um número apreciável de avisos e advertências feitas com rigor, provenientes de universidades e de departamentos responsáveis, que tornam imperioso muito mais do que ensinar a crianças e a seniores medidas de autoprotecção sobre como agir antes, durante e depois do Deus nos ajude. Pode custar dizer as palavras mas são as únicas que se adequam ao caso – avaliação e fiscalização.

E qual 1755! Quem não sabe, entre tantos outros sismos conhecidos desde os anos 33 e 80 antes de Cristo, que o violento sismo de 1 de janeiro do ano 309 gerou um maremoto, provocando o desaparecimento de ilhas próximas do Cabo de S. Vicente, imagine-se o resto? Quem pode desconhecer o sismo de novembro de 1587 ocorrido na falha de Loulé, causando muitas mortes e elevados danos materiais, mais que em 1755 aí? E o sismo de 27 de dezembro de 1722, com epicentro também em Loulé, terra que então ficou quase totalmente destruída? E, mais proximamente, o que ocorreu em 12 de janeiro de 1856, igualmente com origem provável na falha de Loulé? O de 28 de fevereiro de 1969, já assim coisa ligeira face aos que aconteceram em 1587 e em 1722, está na memória de muitos que ainda podem contar.

Lembramos isto não para concitar temor, mas para se fazer apelo à prevenção e à correção do que foi manifestamente mal feito e mal feito está, sobretudo feito em altura e em áreas altamente sensíveis.

Carlos Albino
___________________
Flagrante operação: Chama-se produto ao resultado da multiplicação do populismo pela manha. E a ordem dos fatores não altera o resultado da operação, chamando-se a isto comutatividade. E mal andamos quando a comutatividade é sinónimo de política. 

quinta-feira, 16 de março de 2017

SMS 707. RTP, sem R, sem T e com um bocado de P


16 março 2017

O título deste apontamento não é brincadeira. A RTP é hoje a soma de muito passado, bastante mal passado e algum bem passado. A rádio que, sob outras siglas, nasceu e cresceu como meio de propaganda do Estado e hoje se assume de “serviço público”, vai nos seus 82 anos (emissões regulares começadas em 1 de agosto de 1935); a televisão, também nascida nos lençóis da ditadura e hoje igualmente com a profissão de “serviço público” no bilhete de identidade, acaba de fazer a festa dos 60 anos (emissões regulares iniciadas em 7 de março de 1957); e no que a RTP pode parecer mais jovem, o online, pouco lhe falta para terminar a adolescência - 17 anos. O tempo voa, as siglas ficam. Quem faz o que as siglas significam, dentro dos estúdios ou à frente do computador, pode não perguntar por distração das rotinas, mas quem ouve e vê, em algum momento interroga, até pela obrigatoriedade da taxa de radiodifusão constante na fatura: que Rádio é este R? Que Televisão é este T? E que P é este de Portuguesa?

No Algarve, enquanto não houver uma Rádio regional de serviço público, não é R; enquanto não houver estúdios com centro emissor na região e da região, não se pode falar em T; e quanto ao P de Portuguesa, enquanto Lisboa ou Porto com respetivos arredores garantirem que chove quando no Algarve faz sol, não havendo nada mais deste mesmo Algarve a constar nos noticiários a não ser crime de monta, desastre chocante ou acontecimento exótico emocionante, então o P pode ser tudo menos a letra inicial do adjetivo Portuguesa. Ou seja, não há razões para se festejar no Algarve, 82 anos de rádio, 60 de televisão e 17 de online, além de não se poder nem dever exigir às estações privadas que façam o que ao serviço público compete e deve fazer. Mais: em vez de no Algarve se registarem avanços, houve desastrosos recuos.

Pior que fazer furos para o petróleo, pior que os grandes operadores económicos e financeiros da região não terem aqui pé mas apenas mãos, pior que as burocracias locais umas, desconcentradas ou descentralizadas outras, prosseguirem o seu trabalho de bichos carpinteiros comendo as tábuas de salvação, e até pior que os exercícios autistas da política local e regional com que alguns chamam o populismo como quem chama pelas aves, sem se importarem se tais aves são pombas ou abutres, pior que tudo isso, é termos no Algarve uma sociedade sem comunicação, e, por isso, sem informação cujo teor tenha uma relação direta, atempada e constante com o que está à vista, entra pelos ouvidos e se precisa no dia a dia. Em todos os campos: saúde, ensino, política, economia, empresas, cultura, ciência, instituições, identidade…

Não é pedir esmolas, invocando o serviço público sem que seja em vão, o pedir-se uma Rádio Algarve, uma Televisão Algarve, ou mesmo, já que vem no lanço de rede, uma costela da Agência Noticiosa, mesmo que seja costela falsa. Pedir isso é tão-somente ter direito a algum retorno, modesto retorno relativamente ao que o Algarve dá e gera. Em tudo, houve recuo, não houve avanço.

E isto, quanto a comunicação, está tão mau que quem devia formular, pedir, propor, exigir até se for o caso, não o faz, pensando que o press-release, a comunicação institucional, as ações pontuais de animação pagas por quem pode, o boletim e a agenda com a “minha” fotografia, o marketing calculado, ou quatro linhas no boletim oficial dos desastres, crimes & ofícios correlativos, resolvem o mais grave problema do Algarve que é um problema de comunicação.

Carlos Albino
________________
Flagrante provincianismo: Os folhetos em inglês e garrafalmente só em inglês que a maioria percebe, nem os ingleses. Apenas os franceses entendem com o Google Tradutor...

quinta-feira, 9 de março de 2017

SMS 706. Qualifica, sim, mas com rigor e seriedade


9 março 2017

Está anunciado o programa Qualifica, sucedâneo das interrompidas Novas Oportunidades. Afiança do governo que o novo programa contempla a qualificação com obrigatoriedade de encaminhamento para formação certificada, ajustada às necessidades de cada formando. Para tanto, afirma-se que passa a existir uma lógica de complementaridade entre reconhecimento, validação e certificação de competências. Mais se diz que o programa pretende garantir que até 2020 metade da população ativa do país conclua o ensino secundário, que se visa alcançar uma taxa de 15% na participação de adultos em atividades de aprendizagem ao longo da vida, alargada para 25% em 2025, e que, até final de 2017, o governo pretende ver instalados no continente cerca de 300 centros Qualifica - atualmente, existem 261 centros, 30 dos quais criados em 2016, devendo ser aberto concurso para mais 42, ainda em 2017, em função das necessidades locais e regionais de qualificação. Podem inscrever-se neste programa todos os adultos que não disponham de qualificação de nível básico, secundário ou mesmo profissional, bem como os jovens que tenham abandonado a escola e não se encontrem a trabalhar ou a estudar. É mais um ciclópico trabalho.

Impõe-se perguntar: Quem forma? Quais os fatores de multiplicação de ciência, cultura e conhecimento que localmente ou regionalmente estão disponíveis com qualidade suficiente? Quem vai reconhecer, quem vai validar e quem vai certificar competências? As respostas a estas perguntas apenas serão aceitáveis se contiverem, em todos os casos, duas palavras: seriedade e rigor. E aqui está um também ciclópico imbróglio.

Num país e em regiões onde, a pretexto da educação e do ensino, se registou uma desenfreada corrida ao canudo pelo canudo, sobretudo no nível superior de onde deveriam emanar os tais fatores de multiplicação de conhecimento, ciência e cultura, o que está à vista e se verifica nos guichés da administração pública, não dá um panorama reconfortante. Antes pelo contrário, o panorama é desencorajador, independentemente das estatísticas. Obtido o canudo que permite ascensão e salto hierárquico, rapidamente muitos, muitos dos que beneficiam dos programas de qualificação, esquecem-se da aprendizagem ao longo da vida, porque para esses, a aprendizagem também rapidamente passa a episódio do passado. Obtido o canudo, já sabem tudo, dispensam aprender mais alguma coisa, e, pior, é quando passam a ensinar o que sabem mal e até o que não sabem. Acontece isto quando o facilitismo campeia, quando se confunde conhecimento e saber com almejados exercícios de poder, e quando se faz depender a competência exclusivamente do canudo.

É claro que a exigência de seriedade e rigor começa em cada um, seja este formador ou formando. Sem essa exigência assumida, cada um pode ganhar ou julgar que ganha, mas é a sociedade que perde. Nas áreas técnicas, a vida encarrega-se de fazer a triagem entre competentes e incompetentes; nas áreas verbalistas, que são as dominantes, corre-se o risco de a ignorância ser certificada como sabedoria e conhecimento. E já estamos, a sociedade já está a pagar o preço de muito facilitismo validado, e o custo certificado da falta de rigor e seriedade.

Carlos Albino
________________
Flagrante coragem: Contra a exploração de feldspatos, Rui André, presidente de Monchique, além de solicitar uma audiência com o primeiro-ministro António Costa para expor a situação, garante que “se for preciso, ponho-me à frente das máquinas!”. É mais um episódio em que todos os presidentes de câmaras do Algarve e da AMAL, no caso, não deviam deixar Rui André sozinho.

quinta-feira, 2 de março de 2017

SMS 705. O Papa Francisco

2 março 2017

Acabados que estão os carnavais, conhecidos os Óscares, já mais ou menos feitas as listas para as autárquicas, e sabendo-se que problemas e escândalos nacionais entram na rota tradicional do empate nebuloso, parece que há uma aberta para se reconhecer, neste mundo, uma autoridade moral de que tanto está carenciado: o Papa Francisco. Uma das suas últimas afirmações que abanou muitas consciências, foi precisamente a de que “mais vale ser ateu do que católico hipócrita”. Naturalmente que junto daqueles católicos que pensam não haver católicos hipócritas, apenas porque julgam que o ser-se católico é uma vacina contra a hipocrisia, a frase do Papa caiu mal. Mas porque a mesma frase inversa, também é válida para os ateus, porquanto não se pode deixar de admitir que “mais vale ser católico do que ateu hipócrita”, essa frase também caiu mal junto de alguns ateus e mesmo agnósticos que pensam que o seu agnosticismo e o seu ateísmo são idênticas vacinas contra a trapalhice ou que os tornam imunes na subversão ou perversão dos valores do humanismo. Independentemente do somatório de uns com outros, o certo é que o Papa fez acordar católicos, ateus e agnósticos com a consciência de que o cultivo dos valores que viabilizam a Humanidade para o progresso em paz e para a paz em progresso, na busca do consenso e na pauta da tolerância, que tal cultivo se torna impossível com a hipocrisia e na hipocrisia.

Não é preciso dar muitas voltas para se definir hipocrisia, os dicionários, nisso, são unânimes: é o fingir sentimentos, crenças e virtudes, que na realidade não se possui. O termo começou, do latim e do grego, a significar a representação dos atores que, em teatro, usavam máscaras de acordo com o papel que representavam numa peça, e, hoje, em todas as línguas, para os atores com que nos cruzamos no dia-a-dia e que muitas vezes o influenciam e determinam, continua a ser isso: o hipócrita é alguém que oculta a realidade através de uma máscara de aparência, finge comportamentos, falseia possuir boas qualidades para ocultar defeitos de carácter e de personalidade, e por isso o hipócrita é conhecido como uma pessoa dissimulada. O hipócrita invoca valores que não segue, e, usando a máscara, engana e julga nunca se enganar.

Que me recorde, assim a falar tão claro, apenas notei a voz de João XXIII que por isso entrou na reduzida galeria das autoridades morais do mundo. Agora, temos nessa mesma galeria, com coragem redobrada, o Papa Francisco. Crentes e não-crentes mas que estejam alinhados na defesa de um Humanismo que tenha o fio condutor da tolerância, do consenso, da procura da verdade sem concessões para o livre arbítrio, para a discriminação e para o enriquecimento sem justa causa, todos esses que rejeitam usar máscaras nas relações humanas em todos os campos – da Política à Cultura, da Economia e Finanças à Ciência, todos esses que, juntos, são muito mais que os hipócritas, estão naturalmente com o Papa Francisco, e reconhecem a sua autoridade moral ao abdicar das vestes de príncipe.

Sabe-se que, nesse exercício de abdicação das vestes douradas, o Papa Francisco gosta das periferias, de se deslocar às periferias, de sentir de perto as periferias sem máscaras. Sendo o Algarve periferia do País, periferia da Península e vizinho da periferia norte-africana, seria sonhar alto pensar que o Papa Francisco, algum dia, venha ao Algarve. Mas, se pensar, venha que será bem-vindo e será recebido sem hipocrisia. Duvido que esta SMS lá chegue, mas ninguém se incomodará que divulgue.

Carlos Albino
________________
Flagrante drone: Lembrou-se, e bem, a Universidade do Algarve de colocar um drone a voar pelo Campus de Gambelas, para mostrar como a tecnologia já pode estar ao serviço da agricultura, num “Dia Aberto” da UALG, que atraiu dois milhares de jovens. Isto pede 365 Dias Abertos e não apenas um.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

SMS 704. Governo neste teste, desnecessariamente

23 fevereiro 2017

Um Governo, como é óbvio em democracia e sendo condição desta, está em permanente teste. Mas há sinal de que as coisas derrapam quando é o Governo a testar os testadores. E. depois da devastação causada por erros e omissões do anterior governo, mau sinal é quando o poder central se presta a fazer testes à paciência designadamente dos seus apoiantes declarados e afins. No Algarve, depois de meses com promessas de redução em 50 por cento das portagens da Via do Infante, eis que a região sofreu o maior aumento dessas taxas; depois da chuva de críticas quanto à política cultural que reduziu a política a zero e a cultura a 45 graus negativos, eis que se volta a confundir cultura com animação, adiando a esperança numa Política Cultural numa região onde, pelas suas características e contributos, mais que em nenhuma outra, esta mesma política devia ser o instrumento prioritário; com a descentralização de competências altamente sensíveis do Estado para os municípios, em vez de se atender às características de área metropolitana que a região tem e deveria potenciar (defendemos isto, aqui, há anos), insiste-se no reforço dos quintais, cada qual a transformar-se em cómico “terreiro do paço” insuportável e asfixiante, quer em burocracia quer em competência, ouvindo-se um ou outro administrante e, pelo que consta, nenhum administrado. Etc.. Mas antes deste etc. terminar, chegamos ao petróleo, e eis que, sem a disponibilização de explicação coerente, fundamentada e esclarecedora, decide-se de surpresa furar ao largo de Aljezur depois de uma consulta pública que, à cabeça, requeria tal explicação. 

Isto, depois da Alemanha estabelecer 2030 como o fim dos automóveis tal como os conhecemos hoje, parece uma aposta serôdia nos combustíveis fósseis, e a coincidir com o objetivo traçado pelo governo da Noruega em antecipar decisão idêntica de acabar com a compra e venda de automóveis a diesel e a gasolina a partir já de 2025. A Noruega é produtora de petróleo (40 % do PIB) mas parece ter chegado a conclusões bastantes com a crise que o setor atravessou entre 2014 e 2016 pela queda abissal do preço do crude, conclusões somadas aos objetivos dos Acordos de Paris para a redução das emissões em 40 % até 2030. Quando já se entra na era pós-petróleo, Portugal fura Aljezur, como se o destino de Aljezur fosse o de um tubo de escape, sem se saber bem por que causa, com que fundamento e para que teste.

Não se trata aqui de dissertar sobre petróleo, mas sim sobre fundamentos da decisão, quais as bases de coerência e para que servem os procedimentos que a antecedem ou que a devem anteceder, designadamente uma consulta pública que não seja verbo de encher ou entretenimento da opinião. Que estudos há? Quais as garantias de segurança? Quais as vantagens e desvantagens do petróleo e do não-petróleo? Quais os impactos? A estas perguntas, quem decide não respondeu com suficiência, com coerência e com clareza. E quanto aos geólogos em serviço, é oportuno dizer que o geólogo é aquele que calcula bem o epicentro depois disso acontecer. Antes disso, anda à tangente.

Carlos Albino
________________
Flagrante efeito de boomerang: Em defesa da dita descentralização, dizem alguns autarcas que “são escrutinados” mais do que ninguém. Num Algarve, com o grave e iniludível problema de comunicação que tem (sem televisão, sem rádio e sem jornais com meios de produção próprios e atempados), esses autarcas têm inteira razão - são escrutinados pelos departamentos de comunicação e imagem das câmaras que dirigem. E ai de quem escrutina fora disso.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

SMS 703. Soube a muito pouco, a quase nada

16 fevereiro 2017

O Algarve possivelmente é isso mesmo: uma máquina de apagar, um botão Delete no teclado sul do País, um fármaco para esquecer. Refiro-me aos 750 anos de Algarve como parte do celebrado estado-nação que hoje mesmo, dia 16 de fevereiro, se completam e que deveria ser evocada como símbolo de identidade, como sinal indelével da história da região. Sabemos que a Universidade do Algarve respondeu e promove uma sessão, sabemos que uma jovem editora - Sul, Sol e Sal, se associou à passada de Gambelas, sabemos também que este Jornal do Algarve abriu portas a uma parceria pontual com essa mesma editora, e sabemos também que o corpo consular acreditado no Algarve comemora os 750 anos da integração do Algarve no território português, na Pousada de Tavira. E mais nada. Pelo contrário, entidades do governo e entidades locais nem sequer foram capazes de fazer o chamado sacrifício de agenda a favor de uma data que não se repete. É isto aqui, aquilo acoli, nada tendo a ver com o assunto. Só terá faltado, para este mesmo dia e para a hora das modestas evocações, a marcação de uma conferência de imprensa de Sousa Cintra sobre furos. As poucas “entidades regionais”que temos, as autarquias no seu pressuposto conjunto, o próprio governo, particularmente ministérios que deveriam ter sensibilidade para o assunto, deixaram a máquina de apagar a funcionar na sua rotina, enfim, o dedo coletivo do Algarve a carregar na tecla Delete.

Nem Faro, com a sua expetativa de vir a ser Capital Europeia da Cultura de 2027, carregou no Enter desta mais valia irrepetível e de que poderia tirar partido. As televisões nada disseram, porque também não existem no Algarve como televisões nacionais; as rádios continuaram na sua função de grafonolas automáticas, etc.. O que se faz com os 750 anos de Algarve, sabe a pouco ou mesmo a nada.

Fosse outra região do País a ter uma data destas, não sei o que não aconteceria em Guimarães, na Guarda, no Porto ou em Coimbra, e o que jornais, rádios e televisões não diriam de Coimbra, Porto, Guarda ou Guimarães, para assinalar uns 750 anos da entrada definitiva e formal de um território para a soberania portuguesa, com a fixação multissecular das suas fronteiras e uma vivência peculiar e identitária dentro delas, à mistura com lendas.

Com a vinda do verão, não vão faltar “festivais medievais”, teatros de comidas e bebidas com gente trajada de mouros ou de cavaleiros da Ordem mais ou menos de Santiago para proclamada atracão turística, não vão faltar “eventos” a fazer da história algarvia uma história de falsete. Mas hoje é que se deveria celebrar a verdade do Algarve, nos seus 750 anos, verdade essa que colocou os castelos de Castela no brasão real de Afonso III por dote de casamento, mantidos até hoje no símbolo nacional. Talvez na previsão da tecla Delete, Paio Peres Correia se tenha exilado em Sevilha em cuja catedral está sepultado, apesar de dar nome a ruas aí por todo o Algarve, quando cada rua se deveria chamar Rua Delete.

Carlos Albino
________________
Flagrantes laranjas: No supermercado ali estão “laranjas do Algarve” cujo sumo, segundo diz quem pode provar, sabe a laranja espanhola.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

SMS 702. Quando a ausência dos jovens nada abona

9 fevereiro 2017

Por vezes, até se torna imperioso perguntar: No Algarve há jovens? Para onde foram os que estão entre os 17 e os 30 anos? Por que não aparecem de livre vontade quando se discute ou devia discutir-se a melhoria da Sociedade, seja de uma lado ou do outro, com a presença deste ou daquele? Qual a razão que leva a que em qualquer sessão ou acontecimento que “cheire” a ideias, a cultura, a política, a memória, a futuro, a aprendizagem, é notória a ausência de sangue novo, de figuras de esperança fresca e de generosidade desinteressada ainda que nalguma percentagem razoável?

É que, quando estão ideias em causa, a sala das ideias tem meia-dúzia de jarretas e outra meia-dúzia de flores de pano. Quando é cultura, as salas onde deveria aparecer Cultura, parecem salas de espelhos. Quando é política, em qualquer um dos seus rumos, além de uns pequenos frisos que, usando a linguagem dos clubes de futebol, desculpem-me, são frisos de jovens “vindos da formação” do clube, além disso, mais ninguém, ou se mais alguém está, já calvo, barba branca e nove ais para passar da posição de sentado à de pé, é para dirigir à zona mais abstracta do tecto o tal repetido apelo paternalista de que “é preciso trazer os jovens”. E não passamos das lamentações, tantas e de tal ordem que, numa inesperada era de muros, o Algarve já deve possuir um dos maiores muros de lamentações da Europa. Preferimos lamentar a ir às causas e, pelo menos uma vez, verificar se há ou não uma explicação para que os jovens em peso entrem em rotura com o tempo que os gerou, supostamente os educou e os fotografou no seu crescimento de ano para ano até que a fotografia começou a falar por si.

Caso se recuse um exercício de hipocrisia, não é correto que, por dá cá aquela palha, se diga que os jovens estão injustificadamente ausentes, sendo mais sério reconhecer que os jovens estão em rotura, e mais honesto procurar os motivos de tal rotura, a qual, na pior versão que uma Sociedade pode registar, será uma rotura silenciosa, sem barulho, mas corte com o que lhes foi apresentado como valores ou, pior ainda mais, corte com uma sentida situação de ausência de valores. Ausência de valores na Cultura, na Política, na Memória, para o Futuro, nas posturas da Aprendizagem. Não me refiro ao mero pregão ou aos pregões já doentios dos valores. Estes são muitos, abundam na boca dos pregadores e igualam o número das lamentações. E se calhar é por esta abundância de valores em falsete que os jovens estão em rotura silenciosa que nada abona os pregadores.

Carlos Albino
________________
Flagrante dúvida: Na verdade, ficamos sem saber se um furo petrolífero, a 45 quilómetros da costa, é mais ou menos perigoso que um secretário de estado colocar-se a essa mesma distância de 45 quilómetros.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

SMS 701. Os candidatos

2 fevereiro 2017

Está na hora em que os partidos comecem a indicar cabeças de listas para as autarquias. Pelo menos, os principais partidos, os que contam com a fidelidade de número apreciável de eleitores que lhes permitem “fazer contas”. Naturalmente que todos procuram “candidatos fortes”, a não ser que a expetativa de vitória eleitoral seja escassa ou mesmo nula, porquanto, neste caso e como é já tradição, o candidato é quem se preste ao sacrifício de figura de corpo presente.

Então, ocorre perguntar: o que é um “candidato forte”? Aquele que tem uma imagem feita ou construída, mesmo que não passe da imagem? Aquele que tem projeto, programa e que eventualmente tenha já dado provas de honrar e cumprir compromissos? Além disso, a força de um candidato vem-lhe da seriedade, da probidade e da sua estatura intelectual? Mais perguntas: quem escrutina isso, é apenas os reduzidos colégios locais de militantes que, na generalidade são mesmo reduzidos e cujo aumento por vezes é temido para que não se perca o controlo? Ou esse escrutínio depende de “sondagens” locais, sabe Deus como são feitas e a que pretexto? Ou ainda se pergunta se tal escrutínio está apenas na mão dos decisores centrais dos partidos, por via de informações difusas, ou se tem em conta o filtro de comando regional, também muitas vezes pouco filtro e “regional” sob condição, ou se é da conta e medida das “bases”, bases estas que também na generalidade e por várias razões não têm grandes expoentes, se o manto do poder foi curto para interessados ou se a “independência” por autodefesa de carreira foi a melhor conselheira.

Estas perguntas, claro, estão diretamente ligadas ao que se entende por democracia, por aquilo que a democracia acolhe ou alberga, enfim, ligadas ao desabafo segundo o qual a democracia é, apesar de tudo, o melhor sistema. E é, é mesmo o melhor sistema se não acolhe títeres disfarçados em cordeirinhos políticos, ou se não alberga mesmo déspotas com máscaras de santos como se isto fosse um permanente carnaval, ou permanente entrudo com guerras de comunicados sem conteúdo e, pior, sem a dignidade política da quarta-feira de cinzas.

A esta distância, já vão sendo os eleitores a tomar alguma decisão e a manifestá-la localmente desta ou daquela forma. Se isto não acontecer, haverá razões para se admitir que a política está morta, que a desconfiança nos que tantas vezes sem pudor se intitulam políticos é de alto grau e de grau preocupante, e que a abstenção não é tanto a causa mas a consequência.

Carlos Albino
________________
Flagrante poder central: A Comunidade Intermunicipal do Algarve reafirma a sua posição contra quaisquer atividades de prospeção de hidrocarbonetos no Algarve e ao longo da costa algarvia Mas o que vai fazer, o que pode fazer e, mais importante, o que quer fazer?

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

SMS 700. Burocracias municipais

1 dezembro 2017

Diz-me um engenheiro que lida com as coisas que alguma gente já se suicidou devido às burocracias municipais. Lá fora, em contactos circunstanciais com potenciais investidores, ao longo dos anos foram-me dizendo aqui e ali, em diversos países, que no Algarve, nem pensar. Cá dentro, sempre que as conversas vêm à tona envolvendo obras e urbanismo, noto que há muita gente arrependida e que está pelos cabelos. Gostam da terra, gostam das gentes, adoram o clima, mas a relação com as burocracias municipais é uma tortura. Papelada aparentemente desnecessária, atendimentos litigantes, exigências que roçam o fundamentalismo legalista, enfim, exercícios de poder e autoridade que se situam nos antípodas da cidadania de proximidade, do serviço público prestado com lhaneza.

Não raramente, técnicos alojados por esta ou aquela via nas máquinas municipais, ou mesmo ascendendo por concursos públicos pré-formatados por reclamada confiança política, não sendo eles eleitos, condicionam os decisores eleitos, em alguns casos reféns das burocracias que representam mas não orientam ou não ousam orientar. E há critérios díspares: hoje viabiliza-se o que ontem se negou nas mesmíssimas ou semelhantes circunstâncias. Por exemplo, tão depressa se exige o respeito pela paisagem, pela arquitetura tradicional da porta ao telhado e dos materiais às cores, como depois, por critérios contraditórios se aprovam, na mesma zona, projetos de casas, uns cubos pintados de negro e sem janelas, que mais parecem projetos para ampliação do crematório de Ferreira do Alentejo. Dizem-me ainda, e acredito, que os tais técnicos que dominam a máquina, têm um pavor terrível das inspeções dos serviços centrais do Estado, o que levará tais técnicos, por suposta autodefesa, para interpretações fundamentalistas da lei e dos regulamentos, interpretações que, em função de relatos fidedignos que vou registando, das duas uma - ou se prendem com interesses difusos que nada têm a ver com o espírito da descentralização do Estado para as autarquias, ou são exercícios próprios de estagiários a quem a antiguidade não confere saber e consciência dos deveres de trato. E pelo somatório dos casos, um pouco por todo o Algarve mas sempre a bater nas obras e urbanismo, acredito piamente no que o engenheiro me diz: alguns não têm aguentado viver assim.

E quanto ao escrutínio - escrutínio político, sublinhe-se - o panorama também deixa muito a desejar, como se o exercício democrático do poder e da representação tivesse apenas como limite o cumprimento formal da lei compaginado com a vontade do decisor, fazendo-se com perfeito à-vontade tudo e mais alguma coisa desde que não seja proibido e, mais importante, não se deixe o pé de fora, como se costuma dizer.

Daí que descentralizar sim, mas desde que aquele para quem se descentraliza não seja um refém dos que usufruem do bodo da política sem que aparentemente tenham a ver com ela ou dela lavem as mãos como Pilatos, quando as coisas dão para o torto.

Outrora associava-se ao horror a burocracia do Terreiro do Paço da capital portuguesa. Infelizmente, para se fugir a esse horror, geraram-se pequenos terreiros do paço locais que, em vez de encorparem a descentralização democrática e a paz da cidadania, acabaram por descentralizar o horror.

Carlos Albino
________________
Flagrante incêndio: O do palacete da Fonte da Pipa, em Loulé, em pleno inverno. Uma longa e triste história onde, antes, já tinha ardido aquilo que se pode designar por consciência do património. Foi Loulé e não tanto um “fundo inglês”que perdeu um “ativo”. Longa história.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

SMS 699. Algarve que, tal como és, fazes 750 anos

19 janeiro 2017

Com o Tratado de Badajoz, assinado em 16 de fevereiro de 1267 por Afonso III de Portugal e Afonso X de Leão, o bilhete de identidade do Algarve ficou como até hoje, integrado em Portugal, com o lado de lá na margem esquerda do Guadiana. Nesse dia, portanto completam-se 750 anos de uma convivência entre os que já estavam e os que vieram, todos, ao longo de séculos, contribuindo para que cada um dos respetivos vindouros sentisse como é bom viver aqui, com fronteiras pacificas e pacificadas. O selo branco colocado nesse bilhete de identidade, não foi por uma partilha de despojos após guerra que chegou a haver, mas um dote por casamento entre Afonso III e Beatriz de Castela, filha de Afonso X. É sabido que a nobreza portuguesa de então considerou que o "casamento foi humilhante para o rei de Portugal", mas Afonso III calou tal nobreza argumentando que "...se em outro día achasse outra molher que lhe desse tanta terra no regno, para acrecentar, que logo casaria com ela". E assim ficou provado que o primeiro rei a invocar com legitimidade que era "Pela Graça de Deus, Afonso III, Rei de Portugal e do Algarve", tratando-se do território tal como continua a ser, além do mais, já percebia de imobiliária.

Com isto, importa observar que um período de 750 anos de Algarve como Algarve definitivo, não é um período qualquer ou sem importância, e que a baliza simbolicamente marcante desse período, 16 de fevereiro, não é uma data sem importância, caso o bilhete de identidade ainda esteja válido.

Nem de longe se sugere mais um festival, um foguetório, um “evento” ou jantarada festiva, mas, havendo ainda tempo, apenas se espera alguma reflexão onde esta pode e deve ocorrer, algum ato próprio de quem, agora com legitimidade também, pode e deve questionar se há identidade para ter bilhete ou se não anda apenas a ver se acha outra mulher que dê tanta terra.

Não vou aqui dizer quem pode e deve dar resposta digna, séria e sábia aos 750 anos que o Algarve cumpre formalmente a 16 de fevereiro. Há algumas instituições do reino que podem, bastantes que devem e duas ou três que têm essa obrigação. Vou observar e não deixarei de concluir.

Carlos Albino
 ________________
Flagrante passeio: A vinda de um secretário de Estado ao Algarve para inaugurar o reinício da requalificação da 125 já quatro vezes inaugurado, foi uma triste passeata. E o geral silêncio autárquico perante o maior aumento no País das portagens na Via do Infante, foi um triste silêncio.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

SMS 698. Mário Soares, as plantas na casa do Vau

12 janeiro 2017

Dizem que o loureiro conhece o dono, segue-o na sua vida, e se acaso o dono morre, o loureiro chora por ele. Consta que, se tal acontece, as folhas murcham, secam e muitas vezes não voltam a enverdecer.

Na Casa da praia do Vau, naquele fim de tarde de setembro, as árvores do jardim estavam verdes, mas não sei se havia algum loureiro. Se houvesse, e nessa tarde em que mostrou o jardim, o descreveu e lhe atribuiu autorias, e se lhe tivesse falado dessa inclinação do loureiro para chorar pelos seus donos, por certo que Mário Soares teria rido a bandeiras despregadas, e teria dito que isso era coisa para acontecer nos lugares das ditaduras e não nas democracias. Como se sabe, nas pátrias de Nicolás Maduro, os pássaros falam ao ouvido do ditador, na Coreia do Norte, o povo entusiasta vê caírem gotas vermelhas das nuvens quando correm más notícias sobre Kim Jung Woon… É melhor, pois, não invocar os sentimentos das plantas nas pátrias democráticas. Mário Soares, para isso, só teria como comentário a imensa gargalhada e uma história cómica a propósito. Nesse dia, o penúltimo em que nos encontrámos, ele falou antes dos pinheiros que tinha plantado, e da forma como as copas haviam alastrado, como as raízes e a caruma faziam mal à rua e à casa, mas ele, Mário Soares, não lhes queria tocar. Eram plantação antiga, tinha dó de os destruir. Isto é, ao contrário das lendas que fazem com que as plantas chorem pelos donos, há donos que têm sentimentos pelas plantas, como se elas fossem seres humanos. É a inversão da lenda.

Então Mário Soares levou-nos pelos recantos do jardim e falou do jardineiro, do amor do seu jardineiro pelas plantas, e nomeou-as uma a uma. Havia piteiras, sargaços, buxos e buganvílias. Recantos, repuxos, regatos. Mas o que nos admirava não era que o seu jardim algarvio ali estivesse para lhe criar uma atmosfera vegetal onde se pudesse recolher. Era o conhecimento que Mário Soares tinha das plantas do seu jardim, como se fosse um aprendiz de botânico. E quando lhe disse que certa piteira diferia da outra, e porquê, ele respondeu – “Ah! Sim, pois eu não sabia. Ainda bem que o disse. Quer dizer que precisa de rega diferente…”

Não, ninguém quer que se louve Mário Soares como um anjo, ou como um santo. Não o foi. Foi simplesmente um homem. Só que há diversas espécies de homens. Mário Soares pertence ao grupo daqueles que, tal como Goya num dos seus últimos quadros a si mesmo se pintou velho e desgrenhado, acrescentando com a seguinte legenda – “Aún Aprendo”.

Que eu seja um desses que, até ao fim da vida, ainda aprenda, nem que seja apenas sobre a natureza de uma piteira brava.

Carlos Albino
________________
Flagrante dedicatória: Dedico este apontamento a João Soares, a Isabel Soares e à memória de Maria Barroso.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

SMS 697. Vítor Neto, não se canse e pense mais em voz alta

5 janeiro 2017

Vem a tempo, neste início de 2017, destacar do ano que passou. coisa exemplarmente boa para o Algarve. Refiro-me à distinção dada pela Revista Exame aos Estabelecimentos Teófilo Fontainhas Neto, Comércio e Indústria, SA como a Melhor PME do País no setor da Distribuição Alimentar em 2016. E como não há empresas sem pessoas, a pessoa chama-se Vítor Neto que dirige esse grupo sediado em São Bartolomeu de Messines e desenvolve atividades nas áreas da agroindústria exportadora, imobiliária e turismo, prosseguindo uma saga familiar.

Foram justas as palavras que Desidério Silva, presidente da RTA, endereçou à pessoa que impulsiona a empresa, mal foi conhecida a distinção: «Vítor Neto é uma personalidade incontornável no turismo, profundo conhecedor e estudioso dessas questões e a quem o Algarve deve reconhecimento».

Por isso, neste início de 2017, há que pedir a Vítor Neto que não se canse e que, sobretudo, pense mais em voz alta. Não por ser o presidente do NERA, sigla que identifica a Associação Empresarial do Algarve, ou por ter sido um memorável secretário de Estado do Turismo entre 1997 e 2002, ou ainda por ter sido como deputado uma voz marcante da Região. Mas porque o seu livro «Portugal Turismo – Relatório Urgente», publicado vai para quatro anos, é um livro inacabado. Faltam os próximos capítulos de uma reflexão exemplar sobre o Algarve, que de reflexão precisa. Há por aqui muito encómio e apontar de caminhos a menos, sobretudo reflexão crítica doa o que doer e a quem doer. Daí a justeza das palavras isentas de Desidério Silva: o Algarve deve reconhecimento a Vítor Neto. E enquanto isso não chega, que Vítor Neto não se canse e que a sua voz seja ouvida alto quer por concordantes, quer por discordantes.

O Algarve precisa de análise, muita análise dos seus problemas, mais, precisa de encontrar soluções para uma visão de futuro para a sua economia, para as suas empresas e, com isto, para as suas pessoas. Vítor Neto é dos poucos que, entre nós, está nessa senda. Temos, felizmente, muitos historiadores, mas projetistas do futuro a menos.

São Bartolomeu de Messines que já nos deu um poeta e pedagogo ímpar, João de Deus, cuja data de nascimento devia ser considerada como Dia do Algarve, dá-nos agora um gestor de referência que não se limita a fazer figura de corpo presente com o prestígio da sua empresa. Pensa pelos caminhos e atalhos mais nobres da Política que é a melhor das cartilhas. Que não se canse. Vem a tempo.

Carlos Albino
________________
Flagrante Prémio SMS de Jornalismo: O júri reuniu e por unanimidade atribuiu o Prémio SMS de Jornalismo a Rosa Veloso, delegada da RTP no Algarve. Consta da ata, que a jornalista Rosa Veloso faz sempre bem, com os meios que tem, o possível e o impossível, tentando fazer sempre o que deve. Parabéns.