quinta-feira, 27 de setembro de 2007

SMS 229. Um pacote de açúcar

27 Setembro 2007

Tomei a bica e, como habitualmente, guardei o pacote de açúcar no bolso – o açúcar apenas tira o sabor do café. Depois deste ritual atravessei de carro a cidade, era já meia-noite e começaram as pequenas aventuras numa terra como sempre sem vigilância aparente e sem sistema de prevenção mínima que seja. Mesmo em frente dos Paços do Concelho, jovens em grupo urinavam em competição, parados na travessia de peões em porco desafio. Metros à frente, uma rapariga desenraizada não pela cor mas pela educação insultava gratuitamente quem passasse. Pelo lado direito, um homem já entradote pastava o seu belo e enorme cão parando extasiado com os dejectos que o bicho aliviou, e pelo lado esquerdo uma mulher de meia-idade era puxada por quatro cãezinhos cor de anjo mas que também faziam as porcarias que leva Deus a castigar os anjos do paraíso que façam o mesmo impondo-lhes patas em vez das asas. E nesse pequeno trajecto, com automóveis amontoados sobre os passeios como se não houvesse nem rei nem roque, ainda vi gente a escarrar para o chão, um outro a tentar acertar com uma lata de coca-cola num candeeiro, e ainda uma moto em alta velocidade a fazer cavalinho, seguida por uma outra de quatro grossas rodas de escape aberto, além de que de um primeiro andar alguém atirou para a rua um saco de lixo que se estatelou no chão espalhando vidros e por certo odores. Se todos os dias e todas as noites, isto acontece nesta terra, e se o que acontece nesta terra ocorre também pelo Algarve a fora, então, como se diz no circo, excelentíssimos senhores e excelentíssimas senhoras, isto se não é o inferno, parece.

Quando cheguei a casa, tirei do bolso o pacote de açúcar e li por curiosidade uma frase que lá estava impressa num evidente propósito da multinacional do pacote em divulgar os Direitos Humanos. Isto mesmo: «O indivíduo tem deveres para com os outros, para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade».

Nem com açúcar isto vai – os poderes públicos voltaram costas à educação cívica, as polícias apenas aguardam as queixas e alguma coisa de positivo que se faz nas escolas em matéria de civilidade e integração não chega à sociedade cujas “forças vivas” apenas têm interesse em beber o café com açúcar, com muito açúcar, mesmo que percam o sabor do café e não o sabor do voto.

Carlos Albino

Flagrante paraíso fiscal: Pagar ou receber a
dinheiro vivo, num enorme contributo para a transparência dos
impostos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

SMS 228. O eclipse dos políticos

20 Setembro 2007

O fenómeno não é típico do Algarve, ocorre um pouco por todo o País – os políticos entraram em eclipse e o Algarve não foge à regra. Parece até que um político não é o que faz política reportando anseios da sociedade, expondo ideias para o mundo avançar e propondo soluções para que o nivelamento da cultura e da civilização se faça por cima e não por baixo como cada vez mais acontece. Hoje o político não é o que faz política mas, apenas quase, o que tem um bom emprego político, ou por via de eleição já de si manhosa, ou por via de nomeação que normalmente coloca bem os perfis de capataz – há excepções, claro, mas que confirmam a regra.
Naturalmente que não se nega haver quem julgue que os outros acreditam que fazem política e não que estejam de alguma forma a defender o emprego, surgindo todos os dias, se estão na oposição, com pequenos protestos, com reivindicações de esquina e acaloradas defesas do óbvio, ou, se estão na caleira do poder, com servis apoios a decisões autoritárias, com agradecimentos próprios de afilhados e até mesmo, se o escândalo da medida tomada se revelar incontornável, com amanteigamento de resoluções perversas ou calando-se até que a borrasca passe. Todos eles, no entanto, têm um objectivo comum: serem notícia, aparecerem nos jornais e com isso darem sobrevivência política ao nome, o que está longe do fazer política mas perto do jogo em que a política se converteu,

É claro que neste eclipse, não há ideias consolidadas, não há projectos de sociedade, não há propostas de soluções para os problemas colectivos e muito menos há a vontade de identificar os problemas que é por onde a política começa. Como dizia o velho pensador de Marmeleite que morreu sem deixar obra publicada, contra isto, batatas.

Carlos Albino

Flagrante conta: Se cada português paga mensalmente 36 euros à RTP de mão beijada, os algarvios pagam por ano dois milhões de euros – compensa com o que a RPT faz no Algarve quando não há raptos no litoral e incêndios no Caldeirão?

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

SMS 227. O caso de Verão

13 Setembro 2007

Pois o caso de Verão foi sem dúvida o caso de Madie – não foi necessária uma reunião crucial da presidência da União Europeia para que televisões e imprensa internacional se lembrassem cá da terra por melhores motivos. Aliás é de crer que nenhuma reunião europeia sob presidência portuguesa contou ou possivelmente contará noutras bandas com tal permanência e insistente alvoroço aqui apenas centrado no caso de uma criança, muito embora ali na Emergência Infantil de Faro cada uma das dezenas e dezenas de crianças, muitas delas salvas por uma unha, justificasse uma migalha de atenção para o que ninguém muito menos Deus quer, mas que força a que um homem sonhe e a obra nasça todos os dias.

Quero com isto dizer que, somando as milhentas suspeições às centenas de investigações e à grossa recolha de fundos por um só caso que apenas Deus sabe, foi pena que o acaso ou o destino não tivessem levado Madie para o acolhimento perfumado do Refúgio Aboim Ascensão onde a filha dos MacCann estaria melhor do que onde está, além de que os quase dois milhões de euros dos donativos, se também lá chegassem para serem adoptados, não iriam ao fundo.

Carlos Albino

Flagrante peça de estimação: A chave da igreja da Praia da Luz, Ámen.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

SMS 226. Branco é, Loulé o pôs

6 Setembro 2007

Não foi um ovo de Colombo, mas ficou de pé. A Noite Branca de Loulé fez pública prova de que o bom gosto associado ao bom senso tem sempre êxito nem que seja no meio do gelo do pólo Norte ou nas águas mais isoladas do Atlântico. Provou aquela gente de Loulé que com imaginação e postura elevada, não é apenas a tradição e muito menos decreto ou devaneio de ministro que comanda o calendário da convivência humana – sem grande espalhafato conseguiram o milagre de um mar de gente vestida de branco (a única norma imposta) a passear a alegria pela noite fora sem que seja para passear o cão, e, enfim, a oportunidade do comércio mostrar o bilhete de identidade que tem no incontornável mundo das trocas onde quem compra e quem vende deve ter rosto, sendo já um achado encontrar um riso próximo do laivo de felicidade no rosto de quem vende ou de quem compra. Dizem-me que foi um ensaio, um primeiro ensaio, e que para o ano há mais. Que assim seja e que em algum canto se ouça um acordeão que quando é bom tem muito de jazz – foi a única coisa que faltou mas pouca gente deu pela falta.

Carlos Albino

Flagrante expectativa: Pelo balanço rigoroso do programa Allgarve.