quinta-feira, 31 de maio de 2012

SMS 464. Querença e basta

31 maio 2012

Aldeia que é uma pérola encastoada no anel do primeiro dedo que a serra algarvia mostra, Querença subiu ao noticiário quotidiano por bons motivos. Nem sempre é assim, ou melhor dizendo, quando se fala no País de uma aldeia do interior algarvio, por regra, é por assalto e facada em ancião estrangeiro, incêndio em sete propriedades ou inauguração de lar de idosos ou de creche por Sua Excelência que por vezes é a pior das catástrofes. Apesar da presença de um secretário de Estado (oh, céus!) no cerimonial da apresentação de resultados do projeto pioneiro com universitários para revitalização daquela porção de mundo que se chama Querença mas que também se podia chamar Presépio Encantado, o festejo não chegou a catástrofe. O secretário de Estado foi com as duas mãos cheias de nada e ganhou mais com Querença do que Querença, ou aqueles nove jovens que fizeram, no fundo, a redescoberta da pólvora, ganharam com ele. Não é que o secretário de Estado tenha discursado mal, falou até bem, só que foi lá de mãos a abanar, sem nada para dar, ou seja, foi lá como um secretário sem Estado. Ora, se o nome de Querença foi ouvido ou soletrado em todo o País, não foi por essa visita que até poderia ser uma catástrofe de propaganda, mas esse nome foi soletrado e ouvido pela experiência pioneira de caçar saberes rurais que o elitismo velhaco desacreditou, de replantar culturas já a finar na memória coletiva e de património natural já quase todo desidratado, para dar a essa aldeia novos horizontes que, tal como a experiência provou, são possíveis. Transformar uma aldeia de rotinas em comunidade criativa não é assim tanto milagre como Jesus a transformar 280 litros de água em vinho, mas é dar um destino, um bom destino, a gente conformada com o acaso, com o entusiasmo a andar de camioneta mas a esperança a andar de burro. E também porque a universidade foi aos montes e não os montes à universidade, Querença pode vir a ser um caso, um grande e sério caso, numa sociedade que perdeu a memória, e se envergonha ou a levaram a envergonhar-se de algumas das suas tradições marcantes, nomeadamente atirando para o lixo a aba cultural que falta e sempre faltou ao Turismo. Ninguém sabe, nem os próprios sabem como se chamam os habitantes de Querença, todos eles nascidos com o traço da prudência extrema perante opostos, do silêncio medidor de qualquer ruído por pequeno que seja, da arte de cavar uma trincheira em qualquer diálogo seja este com amigo ou adversário. Secularmente conservaram e aprimoraram esta cultura, não são muitos, não chegam a dois mil mas são de Querença e basta.

Carlos Albino
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Flagrante e longa explicação: Este apontamento refere-se, para quem não sabe, ao projeto “Da Teoria à Ação – Empreender o Mundo Rural”, iniciativa de nove meses da responsabilidade da Fundação Manuel Viegas Guerreiro e da Universidade do Algarve e que, traduzindo nós, visou a convivência ou cruzamento entre o conhecimento superior da população e o conhecimento básico dos académicos… Ou seja, daquela cultura popular que não é contra o povo, pois 99 % do que por aí corre como sendo cultura popular, é mesmo contra o povo.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

SMS 463. O Algarve desapareceu para o governo

24 maio 2012

Não é que a presença do primeiro-ministro, de ministros ou de secretários de Estado resolva os problemas do Algarve e dos algarvios, e muito menos será o caso da ausência de tais provocar uma crise de soberania no território, mas nota-se que o Algarve, para estes atuais governantes, só conta para banhos, como para os anteriores só contava para umas sessões de propaganda com anúncios de medidas para nada ou para muito pouco. Com este governo, para além do pouco que ficou na memória, umas três ou quatro pesquisas no Google dão a ideia de como o Algarve desapareceu da agenda política de Lisboa.

Experimente-se colocar no Google as palavras “primeiro-ministro + visita + Algarve” e os resultados que surgem à cabeça referem-se a visitas de Sócrates em 2009 e em 2007, e logo uma outra de Durão Barroso, em 2003 (!), às zonas algarvias mais afectadas pelos incêndios desse ano... Caso se pesquise por “ministro + visita + Algarve”, por aí aparece o ministro da Saúde, Paulo Macedo, em agosto do ano passado. Quanto ao resto já se refere ao anterior governo, sendo algumas de tais visitas para esquecer pelas promessas incumpridas e pelas considerações de verbo de encher. E caso ainda se tente pesquisar por “secretário estado + visita + Algarve”, os resultados são igualmente escassos. Por aí consta a visita do secretário de Estado Adjunto da Economia e do Desenvolvimento Regional, António Almeida Henriques, a 4 de maio, no âmbito do programa «Empresas à Sexta no Algarve» e para uma reunião com presidentes de câmara, em Faro. Para além disto, a visita (21 de janeiro) do secretário de Estado da Agricultura, José Diogo Albuquerque, a qual, segundo comunicado oficial, se destinou “exclusivamente” ao contacto com os novos dirigentes da direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, e antes desta visita, uma outra, em dezembro de 2011, do secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social, Marco António Costa, que por aí, entre outras coisas, foi inaugurar um centro católico intitulado “Três Pastorinhos”, como em todo o sempre Suas Excelências gostam de inaugurar qualquer coisa no Algarve. Aliás, antes de se decidirem por uma visita ao Algarve, a pergunta da praxe no gabinete é: “E há qualquer coisa que possa ser inaugurada para esses pastorinhos algarvios?” Fora destas aparições pouco mais há de governo presente no Algarve. Sim, por aí tivemos a secretária de Estado Turismo, Cecília Meireles, por duas vezes (outubro de 2011 e em abril), e pelas duas vezes a dizer banalidades e coisas óbvias, muito obrigado.

É de esperar que, em agosto, as revistas sociais e alguns pacóvios cá da terra dêem conta da vinda a banhos do primeiro-ministro nas dunas, de ministros nas falésias e de secretários de Estado nas arribas, entrando brancos e saindo bronzeados. Tem sido sempre assim nos últimos dez, vinte anos. Para o poder, o Algarve é algo muito útil entre duas braçadas no mar, se sabem nadar, ou para duas fotos sociais em calções às florinhas, caso tal vida privada seja surpreendida a esticar-se na areia. Para além disto, o Algarve desapareceu e, segundo parece, continuará desaparecido das preocupações do governo e da agenda política dos governantes. 

Carlos Albino
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Flagrante arma branca: Claro que, tal como a imprensa regional algarvia toda ela está, fica mal que jornais em crise ataquem outros com navalhadas nas costas. Uma coisa é a livre crítica de ideias, o legítimo escrutínio de opiniões e o desejável confronto de interpretações. Outra coisa muito diferente é o uso de arma branca, o que é próprio de salteadores. Fica mal e fiquemos por aqui.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

SMS 462. Tenhamos esperança. Mas como?

17 maio 2012

Razões e motivos para vermos tudo negro, não faltam por todo o lado e em todos os cantos.   As poucas coisas que ainda nos salvam ainda são alguns jardins verdes, as ruas relativamente varridas além de que ainda não se formaram duas enormes filas de pobres esfarrapados e descalços às portas das igrejas a entoarem de mão estendida “dê um tostanito, que Deus lhe pague”, que era o que se ouvia nos anos 50 e 60 e que das poucas coisas que a ditadura não conseguiu proibir que os pobres dissessem em voz alta. Mas não estaremos longe desse cenário se nada for feito para as pessoas e, à semelhança da Índia mais atrasada, se transformar a nossa sociedade em duas castas – a casta dos gestores e a casta dos geridos, como as revistas ditas sociais já vão dando conta e pelos vistos com o apoio dos desgraçados ou perto disso. Todos sentem que cidades e vilas estão em decadência, que a partir das 20 horas parece haver um apagão em todas as ruas, que todas as horas são horas de ladrões e bandidos, e que o medo ocupa o quarto de hóspedes em todas as casas porque ninguém se sente seguro como o órgão oficial do crime diária e acriticamente vai dando conta como se fosse um relato da bola, e pelos vistos para gáudio dos criminosos que assim podem avaliar a gratuita repercussão dos seus feitos.

É claro que é urgente, é preciso uma palavra de esperança. Essa palavra só pode partir das instituições e é até obrigatório que parta delas e, à cabeça, das instituições políticas. E no Algarve, como região cultural (não é mais que isso e cada vez menos é isso), aí é que a porca torce o rabo. Localmente há instituições, boas ou más, eleitas ou não, mas há (câmaras, misericórdias, postos da GNR, grupos de teatro amador, etc...) mas a nível de Algarve que instituições há que possam dar uma palavra de esperança e se lhes exija isso?  Há algumas, com certeza mas fora do terreno político (a universidade, por exemplo) e será aconselhável que não as liquidem como aconteceu com o Governo Civil extinto e, para o que era, bem extinto, mas sem nada que lhe viesse a ocupar a função de cabeça ou guia da região, independentemente do que a lei lhe atribuía. O erro do governo não foi em extinguir mas em não ter recolocado em algum lado o papel da única instituição a quem regionalmente se exigiria uma palavra de esperança nas horas que passam. Além do governo, quando desce ao Algarve, não ser capaz de uma palavra de esperança sólida e não dessa pomada populista, cortou o que ainda assim fingia ser a boca da região. Mais grave, cortou essa veleidade da região ter boca, uma simples boca que gargantas há muitas mas são absolutamente dispensáveis.

Carlos Albino
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Flagrante harakiri: Com a informação algarvia generalizadamente em crise, a concorrência desleal e os ataques sórdidos, traduzindo para japonês, significam literalmente "cortar a própria barriga" mas, no caso, sem honra.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

SMS 461. Lições daqui, dali e dalém

10 maio 2012

Pelo que acaba de acontecer em França, pelo que quase pela certa se aproxima na Alemanha, pelas voltas que a Itália e a Espanha deram mais as que se prevêem (não fica por ali), vendo com serenidade as reviravoltas na Grécia, e avaliando também estes últimos anos dos nossos concidadãos portugueses que são como de costume (o dito pelo não dito, a manha, a grande sinceridade no circunstancial e silêncio fúnebre quanto ao essencial – o que é típico dos aldrabões sorridentes), vem a propósito o que Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos, disse: “Um homem honesto não sente prazer no exercício do poder sobre os seus iguais”. Seja ele Presidente da República, Primeiro-Ministro ou chefe de autarquia, os mandatos  são missões a que alguns cidadãos se submetem muitas vezes a contragosto e em prejuízo das suas atividades privadas. Não são eleitos para serem reis temporários e quando deixam o comando da República, do governo ou da terrinha, voltam a ser cidadãos comuns, ou seja, são promovidos a povo. E assim sendo, estando nos comandos, não merecem mais consideração que um cidadão comum. Merecem consideração e ponto final, pelo que é inútil a qualquer deles convencer-se de que é “líder”, ou “guia”, enfim alguém pré-destinado e superior aos cidadãos comuns. A conquista do poder, seja este o poder nacional ou o poder local, não confere ao homem que a isso ascende, se é honesto, o estatuto de iluminado, passeando-se com prazer e permitindo-se rasgar promessas com as quais foi eleito e a pôr de lado compromissos com os quais levou os seus concidadãos, pelo voto, à crença de uma sociedade mais justa e de procedimentos mais limpos. A ausência de tais reis temporários é o principal fundamento de uma República e a coerência entre palavras e atos é o principal pilar do sistema democrático, pelo que um eleito, a partir do momento em que é eleito torna-se num servo do povo, devendo obediência aos cidadãos. E é isto que tem sido posto de lado aqui, ali e além, por alguns que, quer a nível nacional quer a nível local, têm reduzido a conquista do poder, qualquer que seja o nível de poder, a mero resultado de operações de marketing e de propaganda ululante, quando não de embuste público, numa total contradição com o que uma República é, e, pondo em crise o que um sistema democrático deve ser, decretam pelo prazer e pela conveniência de interesses difusos contra os quais não levantam um dedo.

Carlos Albino
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Flagrante copo: A propósito da iniciativa “Vinhos do Algarve em Lisboa” ( Sala Ogival da ViniPortugal no Terreiro do Paço, 18 e 19 de Maio), um ditado que assenta bem: mais vale um copo de vinho que 100 verdades… Excelente iniciativa a sugerir que numa mesa do Algarve, haja vinho do Algarve.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

SMS 460. Protagonismos e pouco mais

3 maio 2012

Sim, inteiramente de acordo quanto a listas únicas nas autarquias. Não se entende que uma dada força política possa concorrer à assembleia municipal e não tenha que disputar a câmara. Se não pode concorrer por impossibilidade de formar lista, o que fará tal força na assembleia a não ser um exercício de espírito de contradição ou de pacto com a força que mais convirá ao interesse? E se não quer concorrer à câmara, porque é que concorre apenas à assembleia a não ser por birra, por ânsia de protagonismo ou para afirmação de algum interesse escondido? E, um a força ou um partido, concorrendo a câmara e assembleia, para quê em listas separadas, cada qual com sua cabeça de lista, podendo acontecer, como já aconteceu, que um cabeça de lista do mesmo partido da outra cabeça possa fazer campanha contra o correlegionário?

Caso vinguem as listas únicas para câmaras e assembleias, só há que lamentar que o modelo chegue tarde à democracia local. As forças cívicas organizadas, caso não queiram alinhar ou integrar-se em partidos e relativamente a estes reclamem independência, não podem nem devem contribuir para que a discussão política e o escrutínio do poder local se transforme num mero espetáculo de bota abaixo ou de encómios de arreata por via de atores independentes que tantas vezes representam o que não sabem nem querem saber e que de independência não têm nada e que andam por aí a negociar o seu papel de empecilhos quando não empecilhos perversos. Um movimento cívico, se quer fazer civismo, não precisa de veranear numa assembleia municipal a fingir de partido ou como se fosse partido. Se o movimento cívico quer mesmo fazer política, para o que terá toda a legitimidade, deve ser consequente e concorrer simultaneamente ao lugar onde a política local se executa – a câmara – e ao lugar onde as regras são votadas e as decisões escrutinadas – a assembleia. Um movimento cívico não pode ser um movimento de ressabiados, como por regra tem sido na prática, pelo que a democracia local não pode estimular o ressaibo. Pelo contrário, deve retirar estímulo a tais atitudes de parasitarismo do poder. E tal como não se justifica que a uma força que não concorra à câmara lhe seja facultada a possibilidade de um lugar na assembleia, assim também não se justifica que candidatos vencidos, sejam eles provenientes de partidos ou de movimentos, fiquem nesse triste papel de vereadores sem pelouro que é o equivalente ao papel do morto na missa de corpo presente e que, por ser morto, obviamente se abstém em tudo e, pior, se revela incapaz de confidenciar aos vivos onde tem a alma... Um vereador da oposição, o que é isso? Quem ficou na oposição deve assumir o lugar de oposição que a assembleia lhe reserva.

Carlos Albino
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Flagrante lei natural: Ensina a mãe-natureza que jamais um burro se pode licenciar em cavalo e que jamais um cavalo pode evoluir para mestre-burro.