quinta-feira, 26 de março de 2015

SMS 607. Políticos e técnicos

26 março 2015

O mais correto seria colocar aspas nas duas palavras do título deste apontamento: “políticos” e “técnicos”. Ou então, aspas numa e noutra não. É claro que, em função daquilo a que a generalidade das autarquias chegaram, me refiro às duas classes que determinam o mapa dos corredores por onde circula quem decide, e também dos gabinetes onde são congeminadas as decisões. Os políticos são eleitos, chegam e partem como entraram, ou mais ou menos avantajados, mas um dia partem, acompanhados da corte ou por metade dela; os técnicos são nomeados, seja qual for o desvio ou atalho, não têm corte mas têm hierarquia, e o chefe, das duas uma – ou leva muito a sério a importância de não ser eleito e faz o que quer, o que lhe apetece e o que lhe interessa; ou não leva isso a sério e permite que sejam os políticos a fazerem o que lhes interessa, o que lhes apetece e o que querem. Conforme os casos, assim uns e outros merecerão dos eleitores e dos contribuintes, aspas ou não, se é que eleitores e contribuintes, já eles mesmos não sejam contribuintes entre aspas e eleitores entre comas.


É claro que há técnicos que não têm nem podem ter problemas com as aspas. Assim por exemplo, o técnico municipal que iça as bandeiras, trabalho, como se sabe altamente especializado e para o qual se exige no mínimo um mestrado. Em contraste, há outros técnicos que apenas têm problemas e estes são, de manhã até à noite, problemas com aspas. Assim, também por exemplo, engenheiros e arquitetos, que são os “técnicos” que, nas autarquias, podem colocar aspas ou retirá-las ao sistema de saneamento ou escoamento dos interesses e à armação da “arte pública” do favorecimento privado, são os que estão mais à vista, alguns até auto-convencidos de uma infalibilidade em que nem o papa já acredita.

Há políticos que, temerosos, assinam de cruz o que os técnicos lhes ditam; há técnicos que, impedantes, vão colocando os políticos na cruz. Também há o contrário, mas em todos os casos, o único acordo tácito entre uns e outros e que traduz uma das poucas “sabedorias” adquiridas nestas décadas de democracia, é que procedem e decidem com um fito nunca deveras reciprocamente confesso – o da fuga à acusação de favorecimento indevido, e o evitar deixar pernas de fora nos esquemas da mesma sabedoria.

Atrás de cada um destes “eleitos” e de cada um destes “técnicos”, há pequenas legiões de funcionários proletarizados, grupos de burocratas em que o cumprimento de formalidades, algumas horrorosas, suplanta o espírito de função e missão pública. E é assim que algumas autarquias em que eleitores e contribuintes sem aspas, na hora da eleição e do pagamento dos impostos, acreditaram que haveria mudança, se converteram em pólos de descrença. Descrença nos “políticos” e “descrença” nos técnicos, sobretudo na hora em que se verifica que, em matéria de aspas, estão uns para os outros.

Carlos Albino
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Flagrante constatação: As demolições na Ria Formosa que são um abuso quanto à forma e uma falta de bom senso quanto ao conteúdo…

quinta-feira, 12 de março de 2015

SMS 606. Retrocesso

12 março 2015

É daquelas frases que muitos não gostarão de escrever e poucos gostarão de ler – o Estado está em retrocesso e o Algarve em retrocesso está. Não é que a história tenha parado – não pára; ou voltado para trás – não volta. A história vai par a frente - os que a fazem é que deram passos para trás. Uns propositadamente, outros inadvertidamente. No que toca ao Algarve, a região está mais ou menos decapitada de capacidade de decisão autónoma. Tal como está, o Algarve é gerido como se fosse a Secção VIII da 8.ª Divisão do IX Departamento Central, e o poder local ou está em carnaval ou em quarta-feira de cinzas – impreparado, sem qualidade, burocratizado, e consumando o paradoxo de tornar simultâneo o populismo e o distanciamento político do cidadão.


Da parte do Estado, não é difícil fazer-se o reconhecimento de que raramente se teve como em 2014 e já nestes dois meses de 2015, uma tempestade de factos negativos, despejados sem descanso sobre o cidadão. Dos mais altos decisores, passando pelos decisores intermédios, até aos de mais baixo escalão. Não tem havido dia, sem uma má surpresa proveniente quer dos eleitos quer dos nomeados. E logo a começar pelo Presidente da República que, tanto no que diz como no que omite, fala como uma espécie de monarca. Dá mau exemplo.

Da parte do Algarve, também não é difícil reconhecer-se que está muito mais longe da regionalização e que esta, a regionalização, nas atuais circunstâncias é coisa para não se desejar. Ou seja: o Algarve não está preparado para ser Região, a começar pela sua massa crítica e a terminar na crítica da massa. Não é que não se deseje e essa finalidade, a da Região e que esta não seja defensável e até desejável. Mas não temos condições, não temos gente que esteja, veja e aja para além do jogo de poder, do carreirismo e dos interesses difusos. No que falam e no que omitem, fazem-no como uma espécie de duques nos municípios e de condes nas freguesias. Dão mau exemplo.

Claro que há exceções, as quais não cito pelo pudor de não deixar às claras como é a generalidade. A isto chama-se retrocesso e quando isto acontece são os eleitores que se enganaram.

Carlos Albino
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Flagrante dilema: Quanto à maior parte dos estrangeiros que se fixaram no Algarve fugidos do frio, eles têm um dilema – ou são e se comportam como colonizadores, ou se inserem na condição de aqueles que os aceitam como vizinhança, estarem já colonizados. Vai dar no mesmo.

quinta-feira, 5 de março de 2015

SMS 605. Três poetas populares

5 março 2015

Sabia que existiam, foi muito difícil encontrar estes três poetas populares algarvios: Carcominda Figão, Fernão Barranco e Filomeno Querenço. Incompreensivelmente, os seus livros estão por publicar. Ao acaso e por entre centenas e centenas, retiro quadras soltas das suas obras inéditas, a seguir referidas entre aspas, para ajuda de eventuais investigadores à procura de pretexto para subsídios:

1 – Carcominda Figão, in "Linha Amarela, Paragem 13”

Qual pior, se náufrago só numa ilha
Se ilha já sem lugar para naufragados.
Um náufrago sozinho não pilha,
Em ilha de ladrões, são todos “alegados”.

Perante chineses, só deves rir
Da desgraça, com riso amarelo:
Eles sabem bem distinguir
Uma laranja de um marmelo.

2 – Fernão Barranco, in "Constatações do Tesouro Municipal"

Um agente duplo pede-me resposta
A se é um vertebrado ou invertebrado.
Digo-lhe: “O que tens, é fratura exposta,
E o que não tens, é osso emprestado".

Relógio pára à falta de corda,
Falta de relógio o tempo não pára.
Acaba por dar horas numa açorda
Quem canta de galo sendo uma arara.

3 – Filomeno Querenço, in "Manuscritos da Benémola"

Seja a sondagem a mais correta,
Por Portugal ser Portugal,
Quando a coisa está mesmo preta,
Ou dá petróleo, ou gás natural…

Pensas que apertar as mãos dá votos:
Quem à cruz apertou as mãos de Cristo
Apenas teve apoio de uns canhotos
Com o resultado que estava previsto.


Carlos Albino
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Flagrante nome: Aeroporto Internacional do Algarve, diria Sacadura Cabral, o qual, a não ser isso proporia Gil Eanes – nome maior.